Os robôs podem ser o futuro do combate à corrupção no Brasil?
Projeto usa a inteligência das máquinas para fiscalizar de modo mais rápido as contas públicas e, se tudo der certo, mais para frente, dados de bancos, empreiteiras e companhias privadas. Crédito: Newtown grafitti/flickr

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Os robôs podem ser o futuro do combate à corrupção no Brasil?

Projeto usa a inteligência das máquinas para fiscalizar de modo mais rápido as contas públicas e, se tudo der certo, dados de bancos, empreiteiras e companhias privadas.

Auditar os gastos de um político não é algo simples – e, convenhamos, nada prazeroso. É preciso cruzar diversas informações como onde o gasto foi feito, quanto foi, qual a média aceitável do valor, entre outras variáveis. Uma pessoa pode levar semanas para analisar notas fiscais, checar suas informações e concluir se o dinheiro gasto é justificado. No meio do processo, dizem, muitos podem morrer de tédio.

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Um robô, por outro lado, consegue fazer isso de forma bem mais rápida e, até onde sabemos, sem reclamar ou se entediar. Pelo menos é o que prevê a proposta da Operação Serenata de Amor, projeto recém-financiado coletivamente no Brasil, que pretende colocar máquinas para fazer o trabalho pesado na hora de apurar contas públicas da quarta nação mais corrupta do mundo.

A ideia do projeto começou a se desenhar no final de 2015 a partir do incômodo sentido pelo desenvolvedor de software e cientista de dados carioca, Irio Musskopf, de 23 anos. "Eu queria descobrir em quais deputados eu deveria votar e, para isso, comecei a selecionar em quais eu não deveria votar", explicou.

Os primeiros passos do projeto ocorreram meses depois, em abril de 2016, ao participar de curso de ciência de dados. Inconformado com a falta de controle sobre o dinheiro público, Musskopf compartilhou suas ideias com o sócio e também cientista de dados Felipe Cabral e com o sociólogo Eduardo Cuducos, ambos de 34 anos. Meses de reuniões e muita discussão depois firmaram a apresentação do projeto e pediram, pela internet, um financiamento coletivo. Deu certo: o público aprovou e pagou para ver.

Nota fiscal que atesta compra de vinho financiada com dinheiro público. Crédito: Operação Serenata de Amor

Ao arrecadar mais que os R$ 60 mil iniciais – R$ 70 mil até duas semanas antes do fim das doações, para ser mais exato –, o grupo tem verba para arcar com três meses do trabalho da equipe e custos como servidores e divulgação. O projeto conta hoje com oito pessoas, entre desenvolvedor de software, responsável pela comunicação, sociólogo, gente que trabalha com visualização de dados e com segurança da informação. "A nossa equipe trabalhará de forma distribuída, mas a maioria dos membros deste núcleo está baseada também em Porto Alegre", comentou Musskopf, que reside e trabalha na capital gaúcha.

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A primeira e atual fase do projeto, explica o idealizador, é a de alimentação de banco de dados. É quase simples: eles captam os valores das notas de políticos via portal transparência da Câmara dos Deputados e, a partir daí, analisam manualmente se o papel é ilegal ou não. Desse modo, mostrando à máquina os padrões do que é legal ou ilegal, o robô fará, no futuro próximo, os cálculos de modo automatizado, quase instantâneo.

Como é de se imaginar, o volume dessas notas fiscais é enorme. A melhor forma que o grupo encontrou para avaliar os documentos foi pedir auxílio a voluntários. Para cada nota fiscal, são sorteados investigadores-voluntários que não se conhecem e não se comunicam entre si. O objetivo da técnica é garantir a imparcialidade da apuração. Quando os três acabam a análise, é dado o veredicto: legal ou ilegal.

Quanto mais completa for a base de dados utilizada, maior a chance de auditorias acertadas. "Uma vez que estiver completo, a máquina vai analisar uma nota fiscal e devolver uma probabilidade daquele gasto ser ou não ilegal", completou o idealizador do projeto. Num primeiro momento, as análises que serão feitas pelo robô envolvem local e o padrão do gasto feito. "Mais para frente poderemos também verificar casos de nepotismo, quando um parlamentar compra algo de um estabelecimento de familiares", explicou Musskopf.

O material que será analisado pode ser visto no Jarbas, plataforma de visualização de dados criada pelos membros do projeto. Ao todo, o aplicativo já conta com mais de 60 mil notas fiscais que podem ser consultadas por qualquer pessoa. O projeto possui também cerca de 800 contribuidores no Github, onde o código pode ser visualizado e melhorias podem ser sugeridas. "É todo open source, qualquer pessoa pode participar, se envolver e auditar para que não seja tendencioso", ressaltou Pedro Vilanova, de 23 anos, responsável pela comunicação do projeto. Por ora, apenas alguns scripts estão prontos e sendo usados nas investigações. "A gente brinca que essa é a nossa Serenata de Amor ao Brasil", diz.

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A escolha do nome do robô é uma brincadeira com o caso da parlamentar sueca Mona Sahlin. Em 1996, com a carreira em plena ascensão, ela foi condenada por fazer compras pessoais com dinheiro público. O caso ficou conhecido como Toblerone, já que, entre as compras ilegais, estavam duas barras da marca suíça de chocolate. Nessa adaptação tecnológica da investigação, os brasileiros optaram pelo nome de um bombom bastante comum no mercado nacional – e que desse também ares de operação da Polícia Federal.

Diferentemente do caso sueco, porém, os primeiros gastos suspeitos encontrados pelo grupo brasileiro estão relacionados a bebidas alcoólicas: uma cerveja de sete dólares comprada no restaurante de Gordon Ramsay, apresentador do reality show Hell's Kitchen. O estabelecimento fica no cassino Caesar's Palace, em Las Vegas, nos EUA. O deputado, de nome não divulgado, pediu reembolso do gasto.

Este dinheiro sairia da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (CEAP). Ela tem como objetivo financiar gastos com passagens aéreas, alimentação e outros possíveis custos que um deputado federal possa ter ao realizar sua função. O valor das cotas variam entre R$ 30 e R$ 45 mil, de acordo com o Estado de origem do parlamentar e o preço das passagens aéreas de cada local.

"A CEAP é apenas um primeiro gasto. A ideia é que, a partir da auditoria dela, o robô possa ser replicado e usado em qualquer base que tenha transparência o suficiente", explicou Vilanova. "Poderemos até mesmo utilizar este modelo dentro de empresas privadas, como empreiteiras, bancos e outras companhias que fazem contratos com o governo, eles também poderão ser monitorados", completou.