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O que fascistas ucranianos estão fazendo nos protestos de Hong Kong?

Os ex-soldados do Batalhão Azov tem tatuagens de suásticas e tudo.
MS
Traduzido por Marina Schnoor
A tropa de choque tenta dispersar manifestantes pró-democracia de uma rua em Hong Kong, em 1º de dezembro de 2019. Milhares de pessoas saíram às ruas da cidade no domingo em uma nova onda de protestos pró-democracia, mas a polícia disparou gás lacrimogêne

Os ativistas pró-democracia de Hong Kong inicialmente receberam bem os jovens ucranianos musculosos que chegaram nas linhas de frente de seus protestos no domingo.

Aí eles repararam nas tatuagens de suástica.

Em fotos que rapidamente rodaram as redes sociais, ficou claro que as alianças políticas dos visitantes eram radicalmente incompatíveis com o movimento pró-democracia de Hong Kong. Um dos homens tinha duas suásticas tatuadas atrás da orelha, enquanto outro tinha os símbolos de poder branco “14 88” tatuados no ombro e as iniciais WPSH (white power, skin head ou sieg heil) na barriga.

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Enquanto as fotos se espalhavam, também vinham as perguntas. Quem exatamente são esses fascistas ucranianos, e o que diabos eles estavam fazendo nas linhas de frente de Hong Kong?

“Ninguém aqui sabe quem eles são. Ninguém os convidou”, disse Hong Kong Hermit, um ativista conhecido na internet que tuitou um alerta sobre os “turistas de protesto” fascistas na segunda-feira (ele não quer ser identificado por nome porque recebe muitas ameaças de nacionalistas chineses linha-dura por seu ativismo).

“Quando as pessoas foram informadas de que eles eram neonazistas, minhas menções se encheram de hongkonguenses os rejeitando”, ele disse a VICE News.

Os homens, por sua vez, são figuras conhecidas da cena de extrema-direita da Ucrânia, ex-soldados do Batalhão Azov ultranacionalista que lutaram contra separatistas apoiados pela Rússia no leste do país. Mesmo dizendo que são apenas turistas, a presença deles em Hong Kong gerou preocupações de que eles pudessem estar lá para tirar lições do movimento de protestos na cidade para avançar sua ideologia em seu país natal.

Os homens têm origem no Azov, um movimento militar e político ultranacionalista notório por sua ideologia de extrema-direita, incluindo visões explicitamente neonazistas entre seus membros. O líder do grupo que visitou Hong Kong é Serhii Filimonov, que até ano passado era líder do ramo político de Kiev do Azov, o Corpo Militar Nacional, enquanto os outros dois o acompanhado deram treinamentos de tiro para ativistas do Corpo Militar Nacional, segundo uma investigação do Bellingcat ano passado.

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Depois de se separar o Azov cerca de um ano atrás, agora eles são afiliados aos protestos de rua hooligan batizados de Honra.

O grupo nacionalista ucraniano, que se diz um movimento ativista cívico, tem organizado oficinas de protestos de rua, que são promovidos com cartazes apresentando coquetéis molotov. Filimonov, líder do Honra, atualmente encara acusações por atacar um policial, enquanto seus membros já fizeram postagens encorajando violência contra as autoridades, como: “Policial bom é policial morto”.

Filimonov disse a VICE News que enquanto ele apoia os protestos de Hong Kong, seu grupo era apenas de turistas. Eles não planejavam participar dos protestos, ele disse, já que entendem que “isso poderia prejudicar os manifestantes mais do que ajudar”.

Mas, como ele disse, seu grupo estava “muito interessado no que estava acontecendo”.

“Participamos da revolução na Ucrânia e vimos muitas similaridades”, ele disse. “É interessante ver como eles são organizados.”

Esse interesse tem preocupado especialistas em extrema-direita como Mollie Saltskog, analista de inteligência da firma de consultoria estratégica The Soufan Group. Ela disse a VICE News que a presença do grupo em Hong Kong sugere que eles provavelmente estão procurando aprender lições dos protestos antigoverno que já duram seis meses para levar para seu próprio movimento.

Participamos da revolução na Ucrânia e vimos muitas similaridades.”

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Ela disse que a extrema-direita da Ucrânia provou ter uma mentalidade internacional, com grupos como o Azov cortejando conexões com grupos similares em outros países para criar uma rede e compartilhar estratégias. Ela disse que o grupo Honra também tem feito contatos por toda a Europa, e provavelmente estava em Hong Kong para tentar aprender técnicas do movimento de protestos da cidade em primeira mão.

“Eles vão para qualquer lugar em que haja violência para aprender táticas e as levar para sua própria luta”, ela disse.

LEIA: A extrema-direita está usando a guerra na Ucrânia como base de treinamento

Saltskog disse que dois homens do grupo são figuras conhecidas da extrema-direita ucraniana com muitos seguidores nas redes sociais.

Filimonov tem mais de 20 mil seguidores no Instagram, onde postagens mostrando sua família e associados do Honra se intercalam com filmagens dele dando instruções de como segurar um fuzil, lutando com policiais e se envolvendo em brigas de rua.

Em seu feed também aparece um membro do Honra conhecido como “Maliar”, outro veterano do Azov parte do grupo que viajou para Hong Kong. Maliar – que tem suásticas tatuadas na cabeça – recebeu treinamento militar na Polônia com a companhia militar privada Academia de Segurança Europeia, segundo uma investigação de 2018 do Bellingcat. Depois, com outro membro do grupo em Hong Kong, ele deu treinamento de tiro para ativistas no Corpo Militar Nacional em 2017 e 2018.

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Maliar também é uma figura notória na cena hooligan de futebol. Em maio de 2015, ele foi fotografado saindo de uma semifinal da Liga Europeia em Kiev com uma faixa com a cruz celta supremacista branca. Cinco meses depois, ele se envolveu num ataque racista contra um torcedor negro do Chelsea numa partida com o Dínamo de Kiev.

Notei que um deles está usando um passe de “imprensa” na foto dele mascarado do meu primeiro tuíte. Mais tarde naquele vídeo do Facebook, eles estão postando selfies em frente ao incêndio no Whampoa MTR, e aqui na PolyU com camisetas de coquetel molotov.

Esses caras são carniceiros que vão fazer pessoas serem feridas.

Apesar da arte corporal explicitamente neonazi dos membros do Honra e envolvimento documentado em violência racista hooligan, Filimonov negou que seu grupo tenha ideologias racistas ou extremistas.

“Não somos neonazistas, não odiamos minorias. Não temos tempo nem desejo de odiar pessoas que não nos causaram mal”, ele disse, tentando explicar suas tatuagens neonazistas como algo normal.

“A maioria de nós cresceu na cena de torcidas de futebol onde esses símbolos não são incomuns.”

Ele descreve o Honra – que usa um logo estilo fascista de três punhais erguidos, e cujo nome muitos membros têm tatuado – como um “novo movimento jovem cívico que foca nos problemas da capital” e cuja ideologia é “lutar por justiça e a independência ucraniana”. Apesar das imagens violentas de suas propagandas, ele nega que o grupo use táticas violentas.

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Eles claramente estão interessados em construir sua marca.”

Analistas dizem que essas afirmações não combinam com a ideologia de extrema-direita já documentada dos homens. Ainda assim, a guinada de Filimonov reflete uma separação estratégica para o grupo de extrema-direita. Vyacheslav Likhachev, analista do Centro de Direitos Humanos ZMINA, disse a VICE News que o grupo tem raízes profundas na cena hooligan de extrema-direita, mas está tentando se afastar de sua imagem pública extremista e ganhar alguma aceitação como uma parte legítima da sociedade civil ucraniana.

Matthew Schaaf, diretor do gabinete ucraniano dos observadores de direitos humanos Freedom House, disse a VICE News que o grupo tem se posicionado como um movimento de protestos de rua antigoverno e defensor de ativismo cívico. Seus membros têm agido como seguranças em protestos da sociedade civil mainstream, aparentemente com o objetivo de “se insinuar na sociedade civil respeitada da Ucrânia”.

“Eles estão claramente interessados em construir sua marca”, ele disse.

Se a viagem deles para Hong Kong também visava ser um exercício de relações-públicas, parece que não funcionou. Hong Kong Hermit disse que mesmo que os manifestantes de Hong Kong sejam simpáticos com a Ucrânia, vendo paralelos entre sua luta e os protestos Euromaidan, eles rejeitaram os “parasitas indesejados e não-convidados” quando suas afiliações extremistas foram descobertas.

Filimonov, de sua parte, disse que o grupo ganhou pouca coisa da viagem que poderia ajudar seu movimento.

“Não nos encontramos com ninguém”, ele disse. “Francamente, não vimos nada novo.”

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