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Opinião

​Os Democratas recuperaram a Câmara dos Representantes, mas os Republicanos não a estavam propriamente a usar

Nas eleições intercalares dos Estados Unidos houve boas notícias para o Partido Democrata, mas a situação é ainda semelhante àquela de se estar "do lado de fora a olhar para dentro".
Nancy Pelosi
A líder Democrata na Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, num evento durante a noite de eleições. Foto por Yuri Gripas/Bloomberg via Getty.

Este artigo foi originalmente publicado na VICE US.

Quando, nas eleições intercalares de terça-feira, 6 de Novembro, os Democratas norte-americanos conquistaram mais de duas dúzias de lugares na Câmara dos Representantes, encetando o seu caminho de regresso ao controlo da Câmara baixa do Congresso foi, em vários sentidos, uma grande vitória. Para começar, mostra a amarga oposição do país a Donald Trump e sugere que a mensagem xenófoba e racista com que o presidente e o Partido Republicano acabaram a campanha não apelou a suficientes eleitores, pelo menos nos subúrbios.

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E o controlo da Câmara dos Representantes significa que os Democratas podem supervisionar o ramo executivo através de investigações, intimações e audiências; até antes da vitoria, já se esperava que os líderes Democráticos investigassem os laços entre Trump e a Rússia e os seus impostos, assim como Ryan Zinke, o Secretário do Interior muito chegado ao lobby, entre outros personagens suspeitosos.


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Esse papel de supervisão não deve ser subestimado - mais investigações poderiam levar a mais demissões no gabinete de Trump ou, no mínimo, mais transparência sobre como exactamente é que a administração Trump juntou o dinheiro que juntou. Mas, a Câmara por si só é mais um prémio de consolação. As eleições intercalares, por muito intensas que tenham sido, não determinam controlo governamental suficiente para influenciar as futuras tendências eleitorais norte-americanas. As intercalares determinaram controlo de muitos governos estatais, claro, e passaram iniciativas a nível estadual em assuntos-chave, como o seguro de saúde e questões prisionais. No entanto, o quadro geral nacional foi decisivamente obscuro.

Com os Democratas a deterem a maioria numa metade do Congresso, serão capazes de bloquear prioridades do Partido Republicano, tornar o ramo legislativo num pântano em que nada se concretiza mesmo quando passam as suas próprias leis mais simbólicas. Entretanto, os republicanos já se tinham tornado muito bons a não fazer nada.

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Com o controlo do Partido Republicano sobre o governo federal a desvanecer-se, é uma boa altura para fazer um inventário do que é que os conservadores conseguiram alcançar nesta fase rara em que podiam implementar a sua agenda política sem compromissos. A administração Trump reverteu leis, dizimou agências inteiras e apertou com os imigrantes sem papéis. Os Republicanos no Congresso aprovaram uma data de juízes - alguns como parte do acordo recente com os Democratas, que os deixou fazer campanha para as intercalares - mais notavelmente um par de juízes de Supremo Tribunal, as peças mais valiosas do xadrez político. Donald Trump foi livre para adoptar a sua política externa no que toca a guerra, diplomacia e comércio. E os Republicanos conseguiram passar uma única legislação importante: a lei do corte dos impostos que apressaram no final do ano passado, um pacote que beneficia desproporcionalmente os seus financiadores mais ricos.

Mas, a maioria destes feitos foram conseguidos pelo órgão executivo. Trump podia (e assim fez) fazer muita coisa sozinho apenas por reverter as ordens executivas de Barack Obama e retirar-se de tratados. A escolha de juízes conservadores vai, sem dúvida, ter um grande impacto no país nas próxima décadas, mas aceitar sem contestar as escolhas apoiadas pela Sociedade Federal de Trump não fez grande coisa. Para além dos cortes nos impostos, o Congresso Republicano não atingiu as suas prioridades, falhou ao uniformizar o plano de revogação do Affordable Care Act (ACA) e continuou a sua greve de décadas bipartidária de não fazer nada de especial no que toca à reforma da imigração.

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Passar legislação transformativa é complicado, claro. Mesmo quando o partido controla a Câmara e o Senado, tem que lidar com o limite de 60 votos na Câmara Alta - uma restrição que levou os Democratas a cederem aos centristas do seu próprio partido em 2010, quando passaram a lei original de saúde. Todavia, apesar de todos os críticos do ACA da esquerda, pelo menos os Democratas conseguiram passá-lo, cumprindo a promessa eleitoral fundamental de reformar o sistema de saúde norte-americano. Os Republicanos manobraram o procedimento dos 60 votos obrigatórios e não conseguiram sequer 50 votos a favor da retirada do ACA.



Se os Republicanos tivessem ganho a Câmara dos Representantes, o que é que teriam feito com ela? Provavelmente não outra lei de sistema de saúde, dada a impopularidade drástica das últimas. Outra lei de imigração? Dificilmente passaria no Senado sem os 60 votos na Câmara Alta. Não é que ganhar a Câmara dê aos Democratas uma forma de bloquear juízes conservadores, que parece ser a coisa que os legisladores Republicanos são melhores a fazer. Ganhar a House of Representatives foi uma vitória para os Democratas, mas não lhes trouxe grande poder.

Esta não é tanto uma história sobre a incompetência legislativa, mas mais sobre o menosprezo do Congresso no que toca a traçar o percurso do país. A presidência expandiu-se para lá de Republicanos e Democratas para conseguir um perturbador leque de poderes. Hoje em dia, as mudanças mais importantes são o resultado de acções executivas ou decisões do Supremo Tribunal. O Congresso não teve hipótese de falar sobre, por exemplo, a legalização do casamento homossexual, ou sobre a protecção de imigrantes sem papéis que chegam ao país com crianças e nem sequer sobre para onde é que as tropas americanas são enviadas. Um Congresso dividido pode estar desesperadamente emaranhado em si mesmo, tipo um ouroboro de homens brancos de fato, mas até um Congresso unido continua a ser mais fraco que o presidente e o ramo judicial.

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DC está a caminhar para uma repetição da última era de Obama. Nessa altura, a Câmara dos Representantes passava, repetidamente, decretos sobre o ACA sem a mínima hipótese de que estes chegassem a lei. Os Democratas irão, agora, votar de forma igualmente simbólica. Sobre, por exemplo, um aumento do ordenado mínimo. Os Republicanos também inauguraram várias investigações, como o famoso e infindável caso Benghazi e os Democratas vão seguir-lhes o exemplo - ainda que, provavelmente, tenham mais motivos para isso agora do que os Republicanos tinham na altura. Uma Câmara Democrata vai mudar o tom em Washington, o que pode tornar as coisas ainda mais combativas, se é que isso é possível de imaginar.

Mas, para conseguirem, de facto, mudar alguma coisa, os Democratas terão que esperar até 2020.


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