Ilustração: Cassio Tisseo
Num de seus famosos arroubos durante a campanha presidencial de 1989, o futuro presidente Fernando Collor de Mello prometeu que, em menos de três meses de governo, deixaria “a direita indignada e a esquerda perplexa” – e não se pode dizer que não tenha cumprido a promessa, afinal. Quase três décadas depois, ao anunciar a advogada e professora Damares Alves como ministra das Mulheres, Família e Direitos Humanos, o presidente eleito Jair Bolsonaro conseguiu fazer algo parecido: deixou todo mundo bravo.Parte da bancada evangélica, fundamental para a sustentação de Bolsonaro no Congresso, não gostou do nome de Damares por considerá-la “avançada demais”, uma vez que ela considera o casamento de pessoas do mesmo sexo um “direito adquirido” e já prometeu trabalhar pela inserção de transexuais no mercado de trabalho. A esquerda, por sua vez, se dividiu entre críticas à escolha de uma pastora e debates sobre o direito a fazer piada com as falas de Damares sobre sua conversão.A futura ministra nunca escondeu que foi abusada sexualmente por dois homens durante a infância – nesta semana, revelou mais detalhes sobre o assunto em entrevista à Folha de S.Paulo. Em sermões, ela já disse que, depois de um abuso, subiu num pé de goiaba e pensou em se suicidar, mas desistiu por ter visto ali a figura de Jesus – o que rapidamente gerou provocações, memes e, em seguida, críticas. Para parte da esquerda, ironizar processos de conversão religiosa só tendem a afastar os religiosos de pautas mais progressistas. O assunto causou algum bafafá nas redes sociais. À Folha, a ministra reclamou: “Estão me ridicularizando por ter falado isso, mas se vocês não acreditam, o problema é de vocês. Tem criança que vê duende, que fala com fadas. Eu vi Jesus. Percebo que há uma discriminação religiosa sórdida que está banalizando o sofrimento de uma criança.”De fato, Damares já deixou claro que não fecha 100% com questões defendidas pelos religiosos. Acredita, por exemplo, que a escola deve sim ter aulas de educação sexual, mas desde que os pais autorizem antes. Ela também já soltou algumas pérolas, como dizer que “a gravidez é um problema que só dura nove meses” ou sugerir que os meninos entreguem flores às meninas nas escolas. Também já disse que seu mundo ideal seria “ficar na rede e ser sustentada pelo marido”.Mas a verdade é que Damares nunca quis muito saber de aparecer – ao contrário de Collor, ela sempre preferiu trabalhar nas sombras, como assessora parlamentar; fazendo lobby, ensinando técnicas regimentais aos membros da bancada evangélica, mas sem nunca se candidatar a um cargo eletivo. Nos últimos anos, seu cargo foi lotado no gabinete do senador Magno Malta (PR-ES), aliado de primeira hora de Bolsonaro, que só não foi vice por recusa do partido e, agora, lamenta sem nenhum pudor ter sido deixado de lado na formação do ministério.O problema maior é que, como seu colega de Itamaraty Ernesto Araújo, Damares muitas vezes parece submetida ao falatório vazio dos comentaristas de portal. Em suas pregações e mesmo em entrevistas, costuma apresentar argumentos sem prova concreta, como quando fala sobre sua adesão à causa indígena – segundo ela, ao ouvir que tribos enterram vivas crianças deficientes, o que não faz parte dos costumes de nenhuma tribo brasileira. Em 2013, uma pregação da futura ministra viralizou no YouTube entre evangélicos falando de “ameaça às crianças”; a palestra foi contestada depois, slide por slide, pela jornalista Magali do Nascimento Cunha, especializada em comunicação e religião, e depois chamada por Damares de “enviada do PT para deslegitimar minha atuação”.Damares também tem sempre na ponta da língua o termo “ideologia de gênero” – como dissemos há uma semana, no perfil do futuro ministro da Educação, Ricardo Velez, trata-se de um espantalho inventado pelos conservadores, sem qualquer sentido lógico, que acusa o governo e a esquerda de querer “ensinar homossexualidade às crianças”. Nesta semana, o Aos Fatos analisou diversos vídeos da ministra e apontou as informações falsas ditas por ela.Para completar o pacote, a ONG Atini, fundada pela ministra para apoiar a causa indígena, já foi investigada pela Polícia Federal sob a acusação de incitar o ódio aos indígenas e até mesmo de tirar crianças das mães. A investigação hoje tramita na Funai (Fundação Nacional do Índio), que ficará sob a pasta de Damares Alves. A ONG diz ter salvo 50 crianças indígenas de situações de risco, número que é contestado por ativistas. Se há uma certeza sobre o governo Bolsonaro é que, de tédio, não morreremos.
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Acompanhe os perfis de todos os ministros do Brasil na série A banca de Bolsonaro. Novos textos às terças e sextas-feiras.Nome: Damares Alves
Idade: 54
Ministério: Mulheres, Família e Direitos Humanos
Formação: Bacharel em Direito, pelas Faculdades Integradas de São Carlos
Partidos: nenhum
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