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Música

Vamos ao Serralves em Festa com: Batida

E é já no próximo fim-de-semana, gente.

A VICE este ano é parceira do Serralves em Festa e isso só pode ser bom para vocês: levamos connosco Batida, Capicua e Stereoboy. Contem, por isso, com entrevistas de antecipação a todos os três. O Serralves em Festa é sempre porreiro, mas este ano vai ser mesmo ALTAMENTE. Batida não é uma banda, um projecto, um heterónimo. Batida é Batida. É a primordialidade do ritmo, das cores, da dança, o gingar da anca como uma forma de protesto e de liberdade. É disto que se faz a música de Pedro Coquenão, ou DJ Mpula, ou o tipo que em 2009 deu a conhecer ao mundo essa maravilha que dá pelo nome de BAZUUUUKAAA, assim, em caps e da forma que é gritada. Um misto de simplicidade e de humanidade, potência rítmica em busca do suor e do sorriso. Fui falar com o Pedro a propósito de várias cenas e porque, claro, vai tocar no Serralves em Festa no próximo fim-de-semana, através da VICE. Depois de andar, febrilmente (via constipação), à nora por Belém até chegar às garagens onde me dizem que a malta da cena ensaia — e vi por ali, de facto, os Dead Combo em alegre conversa com Os Pontos Negros —, estive à conversa com o Pedro. Isto é o que ficou, depois de confessar não ter ouvido o disco que acaba de editar. Ah, e ganhei um belo apito no final.

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VICE: Pergunta para quebrar o gelo: porque é que ainda não encontrei o teu disco na net?

Pedro:

Olha, nem sabia [que não estava na net]. O anterior saiu numa segunda, e nessa tarde já lá estava, porque eu pesquisei especificamente em sites de pirataria — é uma boa maneira de veres se a coisa está a bater bem ou não. Normalmente os sites russos são bastante eficientes nisso. Mas sinceramente não sei.

Achas que já ninguém quer saber de Batida?

[Risos] Epá, se calhar não…

O disco foi lançado pela Soundway. Como surgiu essa parceria?

Nunca tinha considerado falar-lhes como editora, porque em dez anos só reeditaram artistas dos anos 60, 70… durante o ano passado fiz pequenos lançamentos com editoras indie, para ver se alguma editora com uma estrutura maior se chegava à frente, fazendo questão de mencionar sempre que o que existia para trás já não estava disponível. E numa dessas edições, pela Ghetto Bassquake, o dono da Soundway recebeu o

press

, ouviu o

single,

já conhecia algumas das músicas antigas e enviou-me um mail a perguntar porque é que o disco [

Dance Mwangolé

] já não estava disponível e se haveria algum problema se ele o quisesse editar. Perguntei-lhe, obviamente, o porquê de querer um artista novo, e ele explicou-me que a Soundway faz dez anos em 2012, vai lançar artistas novos, e queria que Batida fosse o primeiro deles. Até agora tem corrido tudo muito bem.

É algo que acaba por fazer um certo sentido, porque a Soundway, editando discos antigos, e a tua música sendo baseada precisamente em discos africanos antigos…

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Sim, foi essa a lógica dele. Passando a editar coisas novas, que nunca serão coisas totalmente desprovidas de raiz ou de referência ao passado, ele achava que Batida era um bom disco, porque era novo o suficiente para ser uma provocação mas não seria uma ruptura completa porque parte muito do andar para trás e para a frente. Assim que me apercebi de que era um plano consistente, mandei-me de cabeça… e foi bom para mim e para todos os que participam no projecto. É um sucesso que é partilhado e que vai ter reflexo na vida de outras pessoas, o que é uma enorme felicidade. Não é uma coisa egocêntrica.

Essa ideia de ruptura, parece-me, também está presente neste novo disco: há músicas novas, há músicas que foste buscar ao Dance Mwangolé e às quais deste um novo tratamento… acabou por ser meio estranho, baseando-se a tua música em coisas do passado e tu cortando com esse mesmo passado?

O

Dance Mwangolé

fui eu a aprender enquanto fazia e a aceitar os erros, as imperfeições, as incongruências. Havia músicas que eu aceitei porque “era mais uma música”, não via o porquê de deixar algo de fora. Passado um tempo, quando o ouvi de novo, senti que haviam coisas que tinham mais que ver com as outras.

Então, para todos os efeitos, este é o ano zero de Batida?

É isso. Para já, tinha essa vontade de pegar no disco, agarrar nos elementos todos e ir para estúdio com o Beat Laden. Muitas das músicas estavam com um tratamento que não tinha sido o que mais desejava. Neste sinto que era aquilo que queria, menos efeitos, menos artificialidades, mais parecido com o que tinha no coração na altura. E tive uma oportunidade que quase ninguém tem, de agarrar no mesmo disco e refazê-lo — misturar de novo, tirar uma música, meter outra, chamar quem não participou no primeiro porque se baldou… e tento sempre que haja uma representação, ao vivo, de todas as pessoas com quem colaboro, sendo [obviamente] difícil juntar esta gente toda. Este disco foi como uma impressão digital, que à primeira ficou um bocado borratada — o que por acaso me aconteceu no meu primeiro B.I..

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Entretanto teve uma repercussão enorme — o Gilles Peterson adorou, tens tido boas críticas em todo o lado, algo que o Dance Mwangolé não teve fora de Portugal…

A imprensa foi extremamente generosa, recebeu muito bem o disco, e nestes dois anos de interregno continuei a comunicar com DJs de fora e o

feedback

foi sempre muito bom. Recebo música deles e tenho todo o gosto em querer passá-la, eles recebem música minha e fazem o mesmo — há um grupo de pessoas que têm essa postura, de gostar de criar e de promover os outros, quando parece que só se pode ter um dos papéis. E então o disco foi semeado com uma postura de guerrilha, muito indie. Quando chegas ao Gilles é quase um consumar desse trabalho todo.

Achas que de alguma forma ficou colado ao caminho que os Buraka abriram há cinco/seis anos?

Obviamente que numa primeira aproximação pode jogar a favor e contra, mas sim, houve uma abertura de horizontes para artistas inspirados em kuduro. Se por um lado eles não foram tanto pelo Gilles, mas por alguém mais virado para o

clubbing

, como o Diplo, a certa altura eu senti que Batida começou a criar um caminho próprio, mesmo que tenha tido a porta aberta pelos Buraka. Tive sempre dificuldade em explicar se Batida é uma coisa mais de clube, ou outra coisa, até porque a música de dança original não era feita a pensar numa discoteca. E agora, com o disco mais limpo e mais neutro, consegue funcionar melhor nos dois sítios.

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A questão da “música do mundo” agrada-te? Porque há muita gente que encara essa designação como algo elitista…

A “música do mundo” não me agrada no sentido em que a associo a música para se experimentar aparelhagens. No seu pior, é música ligeira, redonda, universal, perde o carácter único que pode ter, e eu gosto desse carácter, tem algo que ver com a cena punk. Pelos discos que fui gostando de ouvir, as tuas limitações vão ser as tuas forças — e no caso de Batida não tentei nunca aligeirar a música ou aproximar-me de ninguém, não ser o “exótico” do momento. O conceito pode ser perigoso nesse sentido, mas foi bom porque permitiu-me partilhar palcos com bandas com uma identidade muito forte e uma validade intemporal, que não são só étnicas, mas urbanas e estimulantes. Pessoalmente não me tento encaixotar. [Batida] É uma coisa primitiva, primária, tudo simples.

É muito difícil transportar as tuas canções para os espéctaculos ao vivo? Fazes as coisas da maneira que estão no disco ou sentes a necessidade de improvisar à medida que vais vendo a reacção do público?

Vai sendo improvisado ou melhorado quase de espectáculo para espectáculo. Por causa das minhas limitações técnicas, porque nunca aprendi a tocar um instrumento, mas também por não querer ser só DJ, tenho [comigo] um sintetizador de percussão, tenho os

samples

, tenho um kissange, senti a necessidade de me aproximar do antigo e de coisas novas — por exemplo, toco marimba num sintetizador. Ao vivo é mais uma questão de evoluir de concerto para concerto, tentar que a representação seja a mais próxima do instinto que tive ao fazer o disco, potenciar cada uma das pessoas que convido para os espectáculos, empurrá-las para uma zona que ao início pode ser de desconforto… e tem acontecido: a Catarina, que faz o vídeo, dança, a Daniela, que dança, canta, o Toni, que está atrás na percussão, vai para o microfone, o Birú, que é MC, também faz percussão… Gosto que saiam dos sítios deles e que uma pessoa não tenha a percepção da “banda clássica”. Tento sempre baralhar as coisas, porque eu próprio não consigo definir o meu papel. E que depois o público tenha algo que não é igual a todos os espectáculos que vêem todos os dias. Gosto que este seja uma projecção de qualquer coisa, acima de tudo de que nós nos estamos a divertir, e isso vai desde o papel de cada um, ao vídeo que está a passar atrás, às luzes.

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Encaras a música de dança como algo “hedonista”, outro rótulo usual? Porque a tua música também acaba por ter uma componente política…

Sim, há músicas que são mais exigentes e que puxam mais pelas pessoas. Quando fui a Nova Iorque, tive a primeira experiência seriamente espiritual a viver a música de dança, não enquanto DJ, mas enquanto alguém na pista, com um set inacreditável do François Kevorkian, e dei por mim de braços no ar, num sentimento quase gospel, a cantar aquela música, a divertir-me imenso, o meu corpo completamente solto, sem preconceitos — e apercebi-me de uma possibilidade que a música de dança te dá, que é a do ritual que não tem de ser uma alienação, [mas] um elevar do teu estado de espírito, o deixares-te levar por um batuque e como ele te remete para algo tão primitivo, físico, que é para mim a coisa mais importante que bebo de África. Com a interferência do rap, do afrobeat, do punk, de repente estás ali com um instrumental mais

pop

e achas que está confortável demais e que precisas de uma letra antes que saia dali um “Macarena”… o Ikonoklasta é perfeito nisso, posso mandar-lhe a melodia mais básica que ele percebe, gosta dela, aceita-a, e devolve-ma com qualquer coisa que é perfeita, torna-a num objecto mais bem-humorado, com um lado igualmente acessível e rico. Uma criança acha piada a dançá-la, o pai pode topar ali qualquer coisa. E isso para mim é giro.

Como última questão

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[

já depois de se falar nos Clash, nas gajas que não tem sacado à pala de Batida e na Retromania]

queres vender o teu peixe para o concerto que vais dar em Serralves?

O que mais me atrai naquilo é o carácter democrático do sítio, por oposição ao lado intelectual. Dá uma ideia de modernidade, é desmontar um bocado a cultura. Agrada-me muito a ideia de que toda a gente pode entrar, famílias a circular, crianças… e nesse tipo de organizações há uma dignidade para com os artistas que não existe noutros festivais. O objectivo é tentar fazer um bocadinho melhor do que o último, sempre. E isso depende de muita coisa — das pessoas que te estão a ver, das condições técnicas… [Ir para um palco] é muito fácil; às vezes és maltratado, sais deprimido, é violento, mas é uma violência da qual não te podes queixar. Violento é estar na parte de trás de um supermercado onde ninguém te vê, ninguém te agradece ou dá valor porque arrumaste um pacote. Como artista és pago para estar a brilhar, és potenciado ao máximo, e tens a possibilidade de poder comunicar e inspirar pessoas. Basicamente é conseguir que a coisa seja feita de modo confortável e que nos consigamos transcender, que as pessoas absorvam o disco sem o ter de explicar. E novidades há sempre.

Fotografia por Vera Marmelo