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Diamantes Brutos

A compra de diamantes sem licença em Serra Leoa pode dar em cinco anos de prisão.

Palavras por Johnny Walker
Fotos por Ryen McPherson

Um método popular para intimidar os eleitores usado pela Frente Revolucionária Unida (o exército rebelde que mergulhou Serra Leoa em uma guerra sangrenta por mais de dez anos e controlava as minas de diamantes do país e suas receitas) era cortar suas mãos na altura dos pulsos. Pelo menos as vítimas como esse homem sabem que isso tudo não foi em vão: hoje qualquer maluco pode entrar no país e sair de lá com diamantes de sangue nas mãos por centavos de dólar!

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Éramos três: Colin Farrell (também conhecido como Ryen McPherson, cujas fotos ilustram essa matéria), Greg Brady e Johnny Walker. Usamos nomes falsos para nos proteger caso alguém resolvesse nos entregar mais tarde. Havia uma boa quantidade de maços de cem dólares dividida entre as minhas duas meias, grudados com fita adesiva na perna de Colin e um maço impressionante de 10 mil dólares escondidos na cueca do Greg. Não tínhamos ideia de onde começar as nossas buscas, mas achamos melhor viajar para o interior do país — mais especificamente para as cidades de Bo e Kenema, onde ficam as minas de diamantes e onde provavelmente encontraríamos os melhores preços. E lá fomos nós pelo meio do mato em um carro alugado rumo ao Monte Bintumani, nosso suposto destino turístico. Depois de horas presos no trânsito de Freetown (um confuso aglomerado de vielas imundas e barracas de vendedores ambulantes), pa-ramos o carro na beira da estrada para que o homem que havíamos contratado para ser nosso motorista fosse para casa. Ele foi substituído por um rapaz mais novo que não expirava muita confiança, e seria nosso motorista durante o resto da viagem. Primeira lição que aprendemos sobre negociar na África: seja o mais específico possível. A subida do Bintumani quase destruiu o carro. Por sorte, conseguimos passar pelos perigosos emara-nhados de estradas de terra, sem o ar-condicionado e direção hidráulica, mas com os quatro pneus intactos. A caminho de Kenema paramos em Kono, um distrito que serve como uma espécie de conexão para o comércio de diamantes. Lá vimos algumas pedras interessantes, mas achamos os preços altos. O Greg tinha feito uma pesquisa extensa, e sabia que o segredo era ser paciente e muito discreto, pois a compra de diamantes sem licença em Serra Leoa pode dar em cinco anos de prisão, o que, de acordo com os locais, era o equivalente a uma sentença de morte para pessoas com a nossa aparência.

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O bonitão com o facão é o Alfred. Autoridade policial autoproclamada e estelionatário de primeiríssima categoria. Ele teria um infarto se soubesse que tínhamos diamantes escondidos em nossos tênis enquanto tirávamos essa foto glamourosa.

Já era noite quando chegamos a Kenema, então resolvemos dormir para acordar cedo na manhã seguinte. Sem dispor de nenhum contato por ali, começamos a percorrer, na maior cara de pau, os escritórios de vendedores de diamantes (em geral salinhas abafadas nos fundos de armazéns — imagine um depósito gigantesco aberto ao público) que se espalham pela rua principal da cidade. Fomos bem recebidos no primeiro lugar que visitamos, mas depois de dez minutos recusando os produtos que o proprietário nos empurrava (pedras semipreciosas e outros itens cujo valor era difícil de avaliar), estávamos prestes a desistir. Foi aí que nos apresentaram um libanês que vivia em Kono e estava ali de passagem. Ele nos ofereceu produtos muito melhores. O que começou como uma conversa a respeito do interesse de Greg em comprar um par de brincos para a esposa evoluiu para algo bem diferente quando sacamos nossa própria balança, lupa e medidor. De repente a negociação ganhou um tom muito mais sério. Compramos alguns "souvenirs" (pedras de qualidade inferior) e algumas pedras lapidáveis de tamanho médio, mas ainda estávamos esperando pela Poderosa — uma pedra de três ou quatro quilates vendida no varejo em Serra Leoa por seis ou sete mil dólares e que vale no mínimo o dobro nos EUA. O negociante libanês não tinha nada desse porte. Na saída do escritório, um nativo alto de camisa salmão que havia acompanhado em silêncio toda a transação exigiu uma comissão. Era uma ninharia, coisa de uns 20 dólares, mas depois de uma hora de negociações intensas não estávamos com paciência para aquilo. "Nem fudendo. Quem paga comissão é o vendedor", disse o Greg. O Colin se limitou a rir da cara do sujeito. O libanês abriu um sorriso condescendente e falou: "Tudo bem, mas não é assim que as coisas funcionam por aqui", e resolveu a questão com o homem de camisa salmão. Saímos dali e fomos almoçar. Mais tarde visitamos outra loja na mesma rua. Lá eles nos mandaram para outro lugar, uma construção anexa cuja entrada ficava na rua de trás. Fiquei esperando do lado de fora junto com o motorista enquanto meus amigos encaravam o segundo round. Eles estavam sentados na varanda conversando com um homem. De repente, um segundo homem, vestindo uma camisa puída de estampa havaiana, apareceu do nada e começou a falar bem alto. Percebi um olhar de "fudeu" no rosto dos meus amigos, e pelo vidro trincado da janela do carro eu o ouvi dizer: "Sabemos que vocês já compraram diamantes". Os três desapareceram lá dentro por mais ou menos 20 minutos.

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Pergunta 9B na lousa: "Quantos tipos de recursos naturais nós temos?". Uma questão um tanto irônica em um país que nunca vai conseguir se beneficiar dos poucos recursos que tem. E, obviamente, Obama visita Serra Leoa com tanta frequência quanto o Papai Noel. Mas a viagem não estaria completa se não tivéssemos encontrado material de campanha de políticos americanos em um vilarejo no pé de uma montanha de difícil acesso (Bintumani), onde existem mais camisetas do Obama do que nos Estados Unidos.

Quando eles saíram eu já tinha escondido as minhas pedras dentro do revestimento plástico do banco do carro, e deu para perceber que o tom da conversa tinha mudado. Por enquanto ninguém estava ameaçando revirar o nosso carro. O Colin estava mostrando ao homem — que se chamava Alfred — a parte do nosso guia de viagem que falava sobre a compra de diamantes no varejo. "Só queremos tirar fotos", argumentou o Colin. Os blefes eram lançados de um lado pro outro como os tiros de metralhadoras que eram tão comuns naquela região há apenas uma década. O Alfred explicou que vinha nos seguindo desde o último escritório que visitamos (não o que de fato havíamos comprado as pedras). O carro estava uma sauna, e eu quase fiquei feliz quando o nosso novo amigo sugeriu que fôssemos discutir o assunto em um lugar mais reservado. O fato de ele ser nosso "amigo" era um bom sinal. Significava que iríamos pagar um jantar para ele e seus camaradas. Também significava que, embora ainda não tivéssemos limpado a nossa barra, a situação estava evoluindo para isso. Depois que sentamos e pedimos as refeições, ele começou a tagarelar no celular em krio (uma mistura de inglês com sei lá o quê), e nós pudemos começar a respirar mais aliviados por trás dos nossos sorrisos forçados e daquela conversa enervante sobre absolutamente nada. O Alfred estava se esforçando para encontrar alguém que nos permitisse fotografar um diamante. Continuamos afirmando que só queríamos uma foto, embora ele insistisse que se quiséssemos mais do que isso ele poderia providenciar. Mas não demos bandeira. Ele percebeu que armou sua armadilha cedo demais, e estava procurando um jeito de nos colocar novamente contra a parede. Tudo o que queríamos era dar o fora de Kenema. Então ouvimos o barulho de uma motocicleta se aproximando, o que achei ser um sinal de que aquele circo estava chegando ao fim. Depois ouvimos passos. Aí, bem na minha frente, se materializou uma visão que me provocou um arrepio que começou no meu estômago e chegou até o meu cu com a velocidade de um elevador com os cabos estourados: o homem de camisa salmão. O que aconteceu em seguida foram os cinco minutos mais tensos da minha vida, e isso não é pouca coisa, levando em consideração minhas últimas horas. Por algum motivo, o homem de camisa salmão não nos entregou. Talvez tivéssemos um anjo da guarda, e ele provavelmente era libanês. Sim, conseguimos transportar os diamantes para fora do país. E o melhor de tudo foi que não precisamos enfiá-los em nossas bundas. O Colin saiu de Serra Leoa com o dedo polegar de uma luva cirúrgica debaixo da língua, pronto para engolir a embalagem e seu conteúdo ao primeiro sinal de encrenca. A minha mercadoria foi escondida com fita adesiva dentro da minha Nikon, o que arruinou definitivamente o obturador da câmera. O Greg quase perdeu o voo tentando conseguir a Poderosa, e até chegou a segurá-la na mão. E, quanto às pedrinhas que conseguimos, bom, elas são uma prova. Uma prova de de que elas ainda estão por lá, basta você ser maluco o suficiente para ir atrás delas.

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Apesar de não ter conseguido nos extorquir por comprar diamantes de forma ilegal, o Alfred arrancou nosso dinheiro com passeios turísticos. Na manhã seguinte, ele nos guiou em uma expedição exclusiva e clandestina a algumas das mais precárias minas de diamante de Serra Leoa. Claro, agora que éramos "amigos", ele podia tomar certas liberdades com a lei (desde que permitíssemos que ele tomasse certas liberdades com as nossas carteiras).

A cena do crime.

O produto final. Um legítimo diamante africano bruto de um quilate e meio comprado de um libanês expatriado, transformado em colar por um joalheiro judeu de Las Vegas e pendurado orgulhosamente no pescoço da mãe de Ryen, uma mexicana que vive em San Diego. Veja mais trabalhos de Ryen emstabtheprincess.com.