FYI.

This story is over 5 years old.

cenas

Campanha que promove abortos auto-infligidos no Chile evidencia a necessidade de uma reforma legal

Um dos vídeos sugere que as mulheres se atirem pelas escadas para provocar um aborto espontâneo.

"Anda distraída ao pé de um semáforo, espera, quando estiver quase a mudar para amarelo, escolhe um carro que esteja a aumentar a velocidade", diz uma actriz que interpreta a uma jovem grávida antes desta atirar-se para a frente de um carro. O vídeo tornou-se viral em todo o Chile.

"Certifica-te de que chocas de frente - estômago, pára-choques -, e atravessa".

As imagens muito violentas estão deliberadamente simuladas. Formam parte de uma série de vídeos com a tag "aulas de mestrado para abortar" e são inspiradas nos tutoriais em vídeo online que nos ensinam a fazer alguma coisa. A intenção destes vídeos é simplesmente denunciar a lei chilena contra o aborto, que é considerada uma das mais restritivas do mundo.

Publicidade

"No Chile, um aborto acidental é o único que não é considerado crime", com esta frase terminam os três polémicos vídeos onde podem ver-se cenários simulados para interromper a gravidez "acidentalmente".

Miles Chile, a organização que tem promovido esta polémica campanha, afirmou tê-la feito para promover a missão de proteger os direitos reprodutivos das mulheres.

Claudia Dides, a directora da organização, disse que, além das inúmeras mulheres proibidas de abortar no Chile, ela também foi uma vítima.

"Já fiz dois abortos clandestinos", disse Dides em entrevista à agência EFE. Fê-los por questões de saúde. "É uma tortura o que estão a fazer às mulheres chilenas ao proibi-las de abortar".

Enquanto o Chile debate uma proposta de lei introduzida em Janeiro para descriminalizar o aborto por razões terapêuticas, a organização Miles Chile espera conseguir levar os legisladores a aprovarem o projecto. A ideia é denunciar publicamente o absurdo da situação que muitas mulheres têm de enfrentar no Chile, a quem tem sido negado o direito de decidir.

"A nós mulheres tratam-nos como se fôssemos criminosas", disse Dides. "Nenhuma mulher gosta de abortar. Ninguém fica feliz com uma coisa assim, é uma decisão muito complexa."

O aborto terapêutico foi permitido no país andino entre 1931 e 1989. A prática voltou a ser criminalizada pela ditadura militar de Pinochet. Mas agora muitos têm esperança de ver como vai mudar a lei actual.

Publicidade

Apesar de enfrentar uma forte oposição, a proposta de lei foi apoiada pela presidente Michelle Bachelet - a primeira mulher que preside o país, agora já no seu segundo mandato -. Se for aprovada, o aborto será legalizado sob certas circunstâncias: quando o feto sofre de malformações ou é improvável que sobreviva, em casos de violação e nos casos em que a gravidez coloca a vida da mãe em risco.

Esta semana, por outro lado, alguns grupos internacionais que defendem o respeito pelos direitos humanos fizeram soar o alarme sobre as restrições ao aborto que as mulheres encontram no profundamente católico continente sul-americano. Num comunicado emitido esta quinta-feira, a Amnistia Internacional afirmou que as leis de aborto neste continente são antiquadas, discriminatórias e "draconianas".

Entre os casos que vieram à luz destaca-se o de uma menina de dez anos paraguaia que foi forçada a seguir com a sua gravidez, provocada pelas múltiplas violações perpetradas pelo seu padrasto, mesmo que os riscos estejam devidamente comprovados. O caso provocou o repúdio da comunidade internacional e as organizações de defesa dos direitos humanos tentaram, sem sucesso, forçar a intervenção do governo.

A Argentina, onde as leis são menos restritivas do que em outros países da América Latina, também foi criticada. A principal causa de morte entre as mulheres argentinas são as complicações sofridas durante a prática de abortos clandestinos. São quase 30% dos casos.

El Salvador também foi criticado por prender mulheres que tiveram abortos espontâneos e outros "crimes relacionados com a gravidez."

"E o mais surpreendente, é que a proibição [em El Salvador] estende-se também aos casos em que a vida da mulher grávida está em risco", disse a Amnistia Internacional em comunicado. "Aquelas que estão doentes demais para suportar uma gravidez inteira enfrentam uma situação impossível que as deixa entre a espada e a parede: ou acabam na prisão por praticarem um aborto ou aceitam a pena de morte se não fizerem nada."

A Amnistia Internacional apelou para que se fizessem reformas drásticas à lei do aborto na América Latina. Actualmente existem seis países da região onde o aborto é completamente proibido: República Dominicana, Haiti, Honduras, Nicarágua, Suriname, El Salvador e Chile.

Segue Andrea Noel no Twitter: @MetabolizedJunk.