"Anda distraída ao pé de um semáforo, espera, quando estiver quase a mudar para amarelo, escolhe um carro que esteja a aumentar a velocidade", diz uma actriz que interpreta a uma jovem grávida antes desta atirar-se para a frente de um carro. O vídeo tornou-se viral em todo o Chile."Certifica-te de que chocas de frente - estômago, pára-choques -, e atravessa".As imagens muito violentas estão deliberadamente simuladas. Formam parte de uma série de vídeos com a tag "aulas de mestrado para abortar" e são inspiradas nos tutoriais em vídeo online que nos ensinam a fazer alguma coisa. A intenção destes vídeos é simplesmente denunciar a lei chilena contra o aborto, que é considerada uma das mais restritivas do mundo."No Chile, um aborto acidental é o único que não é considerado crime", com esta frase terminam os três polémicos vídeos onde podem ver-se cenários simulados para interromper a gravidez "acidentalmente".Miles Chile, a organização que tem promovido esta polémica campanha, afirmou tê-la feito para promover a missão de proteger os direitos reprodutivos das mulheres.Claudia Dides, a directora da organização, disse que, além das inúmeras mulheres proibidas de abortar no Chile, ela também foi uma vítima."Já fiz dois abortos clandestinos", disse Dides em entrevista à agência EFE. Fê-los por questões de saúde. "É uma tortura o que estão a fazer às mulheres chilenas ao proibi-las de abortar".Enquanto o Chile debate uma proposta de lei introduzida em Janeiro para descriminalizar o aborto por razões terapêuticas, a organização Miles Chile espera conseguir levar os legisladores a aprovarem o projecto. A ideia é denunciar publicamente o absurdo da situação que muitas mulheres têm de enfrentar no Chile, a quem tem sido negado o direito de decidir."A nós mulheres tratam-nos como se fôssemos criminosas", disse Dides. "Nenhuma mulher gosta de abortar. Ninguém fica feliz com uma coisa assim, é uma decisão muito complexa."O aborto terapêutico foi permitido no país andino entre 1931 e 1989. A prática voltou a ser criminalizada pela ditadura militar de Pinochet. Mas agora muitos têm esperança de ver como vai mudar a lei actual.Apesar de enfrentar uma forte oposição, a proposta de lei foi apoiada pela presidente Michelle Bachelet - a primeira mulher que preside o país, agora já no seu segundo mandato -. Se for aprovada, o aborto será legalizado sob certas circunstâncias: quando o feto sofre de malformações ou é improvável que sobreviva, em casos de violação e nos casos em que a gravidez coloca a vida da mãe em risco.Esta semana, por outro lado, alguns grupos internacionais que defendem o respeito pelos direitos humanos fizeram soar o alarme sobre as restrições ao aborto que as mulheres encontram no profundamente católico continente sul-americano. Num comunicado emitido esta quinta-feira, a Amnistia Internacional afirmou que as leis de aborto neste continente são antiquadas, discriminatórias e "draconianas".Entre os casos que vieram à luz destaca-se o de uma menina de dez anos paraguaia que foi forçada a seguir com a sua gravidez, provocada pelas múltiplas violações perpetradas pelo seu padrasto, mesmo que os riscos estejam devidamente comprovados. O caso provocou o repúdio da comunidade internacional e as organizações de defesa dos direitos humanos tentaram, sem sucesso, forçar a intervenção do governo.A Argentina, onde as leis são menos restritivas do que em outros países da América Latina, também foi criticada. A principal causa de morte entre as mulheres argentinas são as complicações sofridas durante a prática de abortos clandestinos. São quase 30% dos casos.El Salvador também foi criticado por prender mulheres que tiveram abortos espontâneos e outros "crimes relacionados com a gravidez.""E o mais surpreendente, é que a proibição [em El Salvador] estende-se também aos casos em que a vida da mulher grávida está em risco", disse a Amnistia Internacional em comunicado. "Aquelas que estão doentes demais para suportar uma gravidez inteira enfrentam uma situação impossível que as deixa entre a espada e a parede: ou acabam na prisão por praticarem um aborto ou aceitam a pena de morte se não fizerem nada."A Amnistia Internacional apelou para que se fizessem reformas drásticas à lei do aborto na América Latina. Actualmente existem seis países da região onde o aborto é completamente proibido: República Dominicana, Haiti, Honduras, Nicarágua, Suriname, El Salvador e Chile.Segue Andrea Noel no Twitter: @MetabolizedJunk.
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