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Como desenvolver jogos para VR quando se é deficiente visual?

Sem poder enxergar de um olho e legalmente cego do outro, Hayden Else está fazendo um jogo sobre suas limitações.

Esta matéria foi originalmente publicada no Waypoint.

Uma das últimas missões do drama western da Rockstar, Red Dead Redemption, pede que o jogador assuste uns corvos atirando com sua arma algumas vezes. Pra maioria dos jogadores, é uma tarefa simples, mas Hayden Else ficou muito frustrado com a missão. Else tentou muitas vezes – e falhou muitas vezes – dar uns tiros nos pássaros. Um amigo viu a situação, riu, e perguntou por que ele não estava usando a função de mira automática do jogo.

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"Eu não tinha ideia que tinha mira automática", ele contou, "e o pior é que você aprende isso logo no começo do jogo. [Risos] Eu fiquei tipo, 'Esse lance de atirar nos corvos é impossível! Não tem como fazer!"

Apesar de já somar horas e horas na campanha do jogo, Hayden não se tocou dessa mecânica óbvia, porque ele é deficiente visual de um olho e legalmente deficiente do outro. Como você pode imaginar, não é a primeira vez que esse tipo de problema já aconteceu com ele, mas Hayden sempre acaba dando um jeito de rir da situação.

Um dos poucos jogos multiplayer que Hayden se sente confortável pra jogar é Halo, graças ao contraste das cores azuis e vermelhas no game. Imagem cortesia da Microsoft

Hayden nasceu com hipoplasia do nervo ótico, uma deficiência visual sem causa conhecida e com poucos tratamentos viáveis. Seus pais foram avisados que Hayden ficaria completamente cego, sabendo apenas diferenciar a noite do dia. Mesmo com esse prognóstico sombrio, ele se considera um cara de sorte.

Quando se trata de games, é sempre melhor que tudo na tela seja grande. É por isso que ele tem mais facilidade com jogos de luta – os personagens são enormes. Jogos multiplayer normalmente são uma merda, apesar de que ele se dá bem em Halo porque cada time sempre tem uma cor distinta e bem vibrante.

"Não diria que eu sou bom nesses jogos", ele disse. "Eu realmente não sou, sempre fico em último lugar no fim das partidas! Mas [Halo] é um pouco mais fácil por conta do esquema de cores azul e vermelho."

Else não é só fã de games – ele também é desenvolvedor. Seu projeto mais ambicioso é um jogo de treta de robôs gigantes chamado Mech Skeleton, disponível no Steam. Mech Skeleton é feito pra aparelhos de realidade virtual, e todo esse lance de ser em VR é crucial: realidade virtual foi uma descoberta importante na vida do Hayden.

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Imagem cortesia de Heavy Kick Studios

Sempre que Hayden interage com um monitor, seja pra assistir um filme, jogar um game ou só responder os emails do trampo, ele precisa chegar o mais perto possível da tela.

"Tenho um monitor relativamente grande", ele disse, "e tenho que colar a cara na tela. O bom é que não preciso de controles sem fio. Eu não sento muito longe da máquina."

Essa combinação de deficiência visual com ter que sentar perto da tela significa que fica difícil para Hayden sacar tudo que está rolando no jogo – quando assiste um filme e tenta sentar um pouco mais longe, ele acaba confundindo os heróis com os vilões. Mas com um aparelho de VR, a tela fica bem próxima do seu olho e é até possível trazer os objetos pra perto de você.

"Sei que todo mundo diz que a realidade virtual é imersiva, mas pra mim é muito imersiva", ele disse. "Consigo subir nas coisas, ou pegar com as mãos e dar uma boa olhada nelas."

Quando estava produzindo Mech Skeleton, Hayden pensou num design que resolvesse os problemas que ele mesmo tem na maioria dos games. Ler texto, por exemplo, é sempre difícil, então Mech Skeleton não tem texto algum – o jogo se comunica com o jogador apenas através do áudio (menus de inventário, e especialmente criação de itens, são muito irritantes pra ele). O jogo também apita cada vez mais rápido conforme o pente da arma vai ficando vazio. Hayden disse que se inspirou na maneira com que pilotos de avião e carros de corrida recebem informações por áudio.

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"Sei que todo mundo diz que a realidade virtual é imersiva, mas pra mim é muito imersiva. Consigo subir nas coisas, ou pegar com as mãos e dar uma boa olhada nelas."

Apesar de ter feito o game pra que ele mesmo pudesse jogar confortavelmente, Hayden disse que Mech Skeleton foi feito pra todos. Por exemplo, no começo do desenvolvimento, ele definiu a distância de processamento de objetos (ou seja, a distância mínima de qualquer objeto até que ele apareça na tela) pra muito perto, o que significa que pouca coisa apareciam no jogo ao mesmo tempo. Como Hayden não consegue enxergar de longe – seus olhos não têm percepção de profundidade –, ele pensou que essa seria uma troca justa para aumentar a taxa de frames por segundo do jogo.

O irmão de Hayden é uma mão na roda em momentos assim.

"Eu coloco o headset [de VR] nele", disse o desenvolvedor, "e ele fala 'Ah, não consigo enxergar nada. Aquela luz tá muito forte'. [Ele ajuda] principalmente com dicas visuais, pra ajudar as pessoas a andar pelas fases e esse tipo de coisa. Ele é ótimo pra isso, porque eu não tenho ideia de como regular a intensidade de uma luz".

Por enquanto, a ideia é adicionar novas fases a Mech Skeleton no futuro, enquanto faz alguns ajustes baseados no feedback dos jogadores. Hayden acredita que a definição gráfica dos aparelhos de realidade virtual vão continuar melhorando, então essa alegria que hoje ele tem jogando os games em VR pode se espalhar pra outros aspectos da sua vida. Se as telas tiverem mais resolução e fidelidade de imagem, talvez Hayden até consiga parar de colar a cara na tela toda vez que ele tem que responder um email.

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