Já tem algum tempo que se discute a morte definitiva do rock como um gênero influente na cultura mundial. No entanto, a subcultura gótica nunca precisou se preocupar em estar viva ou atrair mais jovens para a cena. Ela simplesmente existe porque bastam duas almas interessadas em arquitetura gótica ou nas poesias de Augusto dos Anjos, mesmo que trancafiadas em uma cidade provinciana ou bastante calorenta, para garantir a continuidade dessa identidade.
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Já que decretamos o rock como morto, por que não celebrar o Dia Mundial do Rock homenageando os góticos? Essa subcultura sofreu e sofre do mesmo mal do punk. Seu visual foi destrinchado, pasteurizado e vendido de todas maneiras possíveis. Eles já ouviram que Evanescence era a próxima promessa do gênero e são vistos como caricaturas: tristes, melancólicos, (talvez) satanistas e consumidores de vinho químico em cemitérios.Óbvio que essa caricatura da pessoa gótica está longe de ser real. Os góticos são ávidos consumidores de literatura do século 19, são os que mais se importam com a preservação da história sem ligarem para a “morbidez” disso e também são muito mais comprometidos em apoiar sua cena local, seja indo para festas do gênero ou disseminando mais informações sobre a cultura gótica.
Para representar com classe o universo gótico paulistano, convidamos um grupo de amigos da subcultura para um rolê que soaria inusitado para as pessoas “normais”. Juntamos a galera numa van e partimos para a enevoada Paranapiacaba, distrito de Santo André, no ABC paulista. Fundado em meados do século 19 como um posto de controle e também de residência para os funcionários da São Paulo Railway, companhia que fazia a ligação do interior cafeeiro do estado através das primeiras linhas de trem, o distrito ainda mantém muito da arquitetura original da época e é um conhecido ponto turístico da região metropolitana de São Paulo. Muitas vezes coberta pela neblina da serra, Paranapiacaba tem muito de uma Londres vitoriana imaginária, o que atrai uma pequena horda de góticos para um encontro anual realizado ali desde 2016 – isso sem falar da beleza do antiquíssimo cemitério do distrito. Não teria lugar melhor para apresentarmos nossos homenageados.
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A primeira coisa que o professor de Geografia Freon Sad estendeu quando estávamos a caminho de Paranapiacaba junto com mais outros cinco góticos foram três volumes do seu zine Última Quimera, dedicado a registrar a cena gótica de São Paulo e também discutir assuntos como representação feminina, a importância da preservação da memória de cemitérios da cidade e, óbvio, resenhar os últimos lançamentos de bandas góticas. “Acima de tudo, o Última Quimera nasce do desejo de construir um canal de participação coletiva, com conteúdo aberto e plural e acima de quaisquer rivalidades e vaidades”, escreveu o próprio Freon (também conhecido como Sad na cena gótica) na introdução da publicação.
O grupo de amigos nãos estava completo no dia, porém são sangue, carne e vísceras de uma subcultura que sempre preferiu fugir dos holofotes para existir como um refúgio para os rejeitados, os incompreendidos ou simplesmente pra aqueles que curtem muito um Sisters Of Mercy.A pedido dos entrevistados, nós usamos apenas os apelidos para identificá-los.
Freon Sad, 33 anos
Um filme: Esta noite encarnarei no teu cadáver - José Mojica Marins (Zé do Caixão)
Uma banda: Cabine C
Um cemitério: Cemitério da Quarta Parada
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Kei Hrist, 23 anos
Um filme: Fome de Viver do Tony Scott
Uma banda: Mephisto Walz
Um cemitério: Cemitério do Araçá
Lays Bittersweet, 28 anos
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Um filme: Edward Mãos de Tesoura - Tim Burton
Um livro: Morro dos Ventos Uivantes - Emily Brontë
Uma banda: Kommunity FK
Um cemitério: Cemitério da Santa Casa em Porto Alegre (RS)
Um livro: Morro dos Ventos Uivantes - Emily Brontë
Uma banda: Kommunity FK
Um cemitério: Cemitério da Santa Casa em Porto Alegre (RS)
Liesel Raum, 23 anos
Um livro: A Hora do Vampiro - Stephen King
Uma banda: Merciful Nuns
Um cemitério: Necrópole de São Paulo
Crow Corvo, 29 anos
Um livro: Frankenstein - Mary Shelley
Uma banda: Kirlian Camera
Um cemitério: Cemitério Municipal de General Salgado, interior de SP
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Nathalia Snow, 22 anos
Um livro: Contos Extraordinários - Edgar Allan Poe
Uma banda: Lebanon Hanover
Um cemitério: Cemitério da Quarta ParadaColaboraram os repórteres Bruno Costa e Julia ReisSiga a VICE Brasil no Facebook, Twitter, Instagram e YouTube.