Ilustração de uma mulher branca e loira
Ilustração: Karen Rachel Lee

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comportamento

Como pessoas brancas podem ajudar a combater o racismo sem dar mancada

Ter consciência de que o racismo é uma merda não te faz uma pessoa especial, mas o debate é muito positivo.

Cara gente branca, é admirável a indignação de vocês contra o racismo. Vocês estão ligados nos indicadores de desigualdade sociorracial e em como o racismo estrutural, que precisa ser implodido, tem relação direta com isso tudo. Vocês sacaram que uns e outros acham um absurdo uma pessoa negra falar sobre racismo e ter qualquer coisa cara, além de correr risco de tomar enquadro até mesmo quando vai dar aula em uma escola burguesa. Isso sem contar que se descobrir como pessoa negra é um trampo de reconstrução e libertação.

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É massa quando pessoas percebem que o racismo é o ponto de partida para uma porrada de bizarrices sociais, se indignam com essa coletânea de chorume social e tentam fazer algo para somar e combatê-lo. Ainda assim, por melhor que seja a intenção nesse caso, há quem tente ensinar para negros o que é racismo, o que equivale a tentar ensinar Lewis Hamilton a dirigir, por exemplo, e chegar ao cúmulo de se dizer [respire fundo] transafrodescendente (façamos um facepalm coletivo após lermos isso).

Ainda que surja a dúvida sobre como se deve ou não agir para combater o racismo, aí vai uma dica de ouro: ouvir o que nós, negros, temos a dizer é o primeiro e principal passo para combater o racismo. “A pessoa branca precisa encontrar caminhos para discutir o racismo estrutural e, para isso, precisamos discuti-lo. É necessário olhar outros eventos nos EUA, por exemplo, nos anos 1960, em que vários brancos ouviram o que negros tinham para falar e entender como surgiu o problema, e como eles podem fazer parte da solução”, relata AD Junior, do canal Descolonizando.

Marco Antonio Fera, do canal Pretinho Mais que Básico, segue a mesma linha de AD Junior e vai um pouco além. “É fundamental as pessoas passarem pelo processo de entender o que é lugar de fala e o processo de empatia. A gente precisa compreender como um todo, pessoas negras, brancas e indígenas, o que é colonização e, a partir disso, lidar com dados e conceitos construídos sobre os nossos corpos sob o olhar colonizador, e pensar em uma nova estrutura social", explica.

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Cada opinião no seu lugar

Pense em uma pessoa heterossexual agindo como se fosse porta-voz da comunidade LGBT+. Imagine um homem desconstruidão tentando dar aula sobre feminismo e, quando questionado sobre por que ele não se recolhe para as minas falarem sobre o que elas vivem, ele jogar a carta “mais feminista do que eu?”. Bom, essa é a mesma lógica quando pensamos em uma pessoa branca tentando falar sobre racismo com mais propriedade do que pessoas negras.

Bora mandar a real? É massa pessoas brancas falarem sobre racismo e chamarem a atenção do amigo que curte compartilhar o vídeo descontextualizado de Morgan Freeman em todo Dia da Consciência Negra. Mas, claro, é legal falar dentro da condição de pessoa branca.

Para Marco Antonio Fera, é superimportante o branco falar sobre racismo, mas a partir do lugar de branco. "O racismo não é uma invenção de uma cabeça negra e não adianta ele tomar o nosso lugar de fala. Muitas vezes, a gente vê um branco falando de racismo a partir da perspectiva do negro. Mas por que eles não falam de racismo pela perspectiva do branco e do lugar de privilégio, para entender o lugar dentro do racismo? Essa é a inversão que precisa ser feita, pois ele nunca sentirá o que sentimos, mas entenderá o que o privilegia”, destaca.

Além disto, é necessário ter em mente que pessoas negras não ficam boladas quando veem brancos full pistolas com episódios racistas ou quando veem gente falando que racismo é mimimi. É só sacar o lugar de fala dela e está tudo certo, pois a pauta racial não é vingativa.

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“A pessoa branca é nossa aliada e ela precisa ver que não se trata de luta entre negros e brancos no Brasil. Quem entende as questões raciais tem o poder de trazer a visão sobre o racismo de forma muito mais próxima, e [a outra pessoa] branca irá ouvi-la de forma mais aberta. Ela conseguirá falar sobre racismo como: ‘olha, eu já fui essa pessoa e já pensei assim’, e começar a trazer para aquilo o que foi a sua experiência para a compreensão do que é o racismo estrutural", descreve AD Junior. " A pessoa começa a contar como ela se entendeu e ao trazer fatos e dados históricos, o que é muito importante."

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Aí vai uma verdade que dói: ter consciência de que o racismo é uma merda não te faz uma pessoa especial, assim como uma pessoa que não tolera homofobia ou um homem que divide as tarefas domésticas com a parceira. É maravilhoso uma pessoa branca sacar todas as tretas sociais retroalimentadas pelo racismo estrutural, mas é zoado ela se achar melhor do que todas as outras por isso.

Além disto, uma pessoa ser adepta de religião de matriz africana ou praticante de capoeira, por exemplo, não significa que ela esteja imune ao racismo estrutural. “A estrutura do Brasil é racista, assim como é machista e homofóbica. [A pessoa] pode policiar-se para não ter ações racistas, mas em algum momento contribuirá para essa estrutura. É importante se policiar, entender o mecanismo e ter educação e ações antirracistas. Isso não é título de glória, de se sentir melhor dentro dessa estrutura, mas sim o mínimo que pode ser feito em uma sociedade”, ressalta Fera, do canal Pretinho Mais que Básico.

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OK, dá para entender a empolgação que dá ao perceber que você saiu da matrix da ignorância e da normalização com o racismo, e que dá aquela puta vontade de gritar para o mundo que reproduzir essa estrutura está errado. De acordo com AD Junior, casos como este estão ligados a três fases: “a da infância, em que a pessoa branca fica encantada com as pautas e tenta entendê-las; a adolescência, quando fica nervosa, briga com todo o mundo e quer enfiar a pauta da negritude em todo o mundo – talvez você tenha conhecido essa pessoa, que está nessa fase; e a adulta, quando começa a entender que é necessário haver muito diálogo e paciência.”

Mas, na moral, quer saber como não dar bola fora e ser um aliado massa na luta antirracista? Troca uma ideia com a gente. “É importante conversar conosco, pois estamos muito mais abertos ao diálogo com essa pessoa que está se desconstruindo e às vezes dá aquela escorregada do que se imagina. Ela é nossa aliada e a gente quer fazer, juntos, as projeções para o futuro. Se ela errar um pouco, a gente corrige”, pondera AD Junior.

Não basta falar: tem de consumir

Amigo, aí vão algumas perguntas: quantos livros escritos por intelectuais negros você leu no último ano? Quantos trabalhos de músicos negros você ouviu? Quantas séries ou filmes dirigidos e protagonizados por artistas negros você assistiu? Estas podem parecer perguntas com pouca ou zero importância, mas são fundamentais para sacar qual o espaço destinado a pessoas negras na sociedade.

Consumir produtos culturais feitos por intelectuais e/ou youtubers negros, como são os casos de AD Junior e Marco Antonio Fera, é uma maneira relevante demais para dar protagonismo, voz e vez a nós, pessoas negras. Além do pessoal de responsa entrevistado pela VICE nesta reportagem, que tal dar uma conferida nos trabalhos de gente como Spartakus Santiago, Nátaly Neri ou Tia Má; ler conteúdos de sites como o Geledés - Instituto da Mulher Negra, Alma Preta, Todos Negros do Mundo; livros de Conceição Evaristo e de quem mostrou a caminhada para a geração atual, como Abdias do Nascimento, Carolina Maria de Jesus e Milton Santos?

Representatividade não é apenas um recurso usado na televisão ou na publicidade – se fosse assim, não haveria nenhum problema com o epic fail do comercial natalino de uma empresa alimentícia aí. “Trata-se de uma questão de narrativa. Até então, a gente só entendia a narrativa branca no Brasil e o que era branco no Brasil. É importante as pessoas usarem redes sociais, a internet e usá-la para o bem. Ou seja: entrar nas páginas de vários atores, youtubers, personagens, interagir com o público, transformando o Brasil e mostrando novos editores, cantores, escritores e pensadores negros. É muito importante também o consumo de material produzido pelos negros”, completa AD Junior.

Por fim, o complemento à lógica do espaço de protagonismo para pessoas negras abrange a diversidade. Pessoas negras têm perfis bem diferentes entre si, logo, não existe um único modelo do que é ser negro. “A gente precisa entender que não é um negro que fala por todos, não é um homem gay que fala por todos, ou que não é uma mulher negra que fala por todas. Somos muitos e estamos em vários lugares. Se existe a diversidade da branquitude, por que não pode haver a da negritude? A melhor forma de brancos contribuírem com a nossa luta é sair um pouco de cena e dá-la para a gente: temos voz e representantes. Se brancos querem contribuir, que nos deem espaço: temos cultura, literatura, arte, economia, tudo. O que não temos é oportunidade”, finaliza Marco Antonio Fera.

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