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Todas as fotos por Kayla Reefer.

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Viagem

Fotos que celebram a beleza da comunidade afro-latina do Panamá

A nova série da fotógrafa Kayla Reefer, “Identidad”, explora as raízes de sua família no Panamá.

A série #BlackLove da VICE celebra os laços entre pessoas negras através de narrativas íntimas, poderosas e edificantes de amor em todas as suas formas. Através dessas histórias, homenageamos a arte, ativismo e beleza que crescem do amor negro.

Os negros estão em todo lugar, minha mãe me disse uma vez. Eu estava falando sobre minha ansiedade em estudar na Europa, de me destacar demais na multidão. Na minha cabeça, negritude era algo que começava e acabava nos EUA. Minhas aulas de história só falavam de escravos roubados e levados para o sul do país. Mas minha mãe tinha razão. A diáspora africana é muito ampla: as comunidades afro-caribenhas de Londres, canadenses negros, afro-brasileiros etc. O problema é como raramente um espectro mais amplo da negritude é ensinado, mostrado, celebrado e reconhecido.

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A fotógrafa Kayla Reefer enfrenta as ramificações disso todo dia. Ela é afro-latina, filha de imigrantes panamenhos. Crescendo na Califórnia, Reefer fala sobre sentir a necessidade de provar sua origem e identidade para seus amigos negros e latinos. Para mostrar a eles que ela não era simplesmente uma coisa ou outra, mas um amalgama de histórias. “Acabei aprendendo a abraçar os dois mundos”, ela diz. “Porque os dois são quem eu sou.”

Infelizmente, nem todos os panamenhos consideram assim suas raízes africanas, diz Reefer. Uma vez ela viu um censo do Panamá dizendo que só 9% do país era afro-latino. O número pequeno não combinava com a realidade de Reefer, as pessoas que ela via andando de ônibus quando visitava o país da América Central, seus parentes e amigos. “Essa estatística não é verdade”, ela argumenta, com raiva na voz. “Ela só se alimenta da falta de conscientização e conhecimento do que é uma pessoa afro-latina. Isso é apagamento.”

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Ano passado, Reefer visitou o Panamá pela primeira vez em quase cinco anos. Lá, ela devotou um dia inteiro para fotografar sua família estendida. Os retratos meditativos daquele dia ensolarado e despreocupado renderam sua nova série, Identidad. Reefers alcançou um equilíbrio interessante entre essa e suas séries mais pessoais, as imagens ficariam bem tanto numa galeria quanto num álbum de família. Reefer chama a série de um presente para sua família, uma chance para que eles possam ver a si mesmos. “Não sei se eles já tinham sido fotografados formalmente antes”, ela diz. Mas essas fotos também são um presente para o espectador. A série serve como um exemplo poderoso de orgulho: uma tentativa de combater o apagamento das identidades afro-latinas na América Latina. Vendo três gerações da família de Reefer em uma imagem, todo mundo sorrindo de orelha a orelha, você também acaba se perguntando, só 9%?

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Reefer falou com a VICE sobre amor de família, desenterrar o passado, e a importância do arquivamento.

VICE: Na sua declaração de artista, você fala sobre querer fotografar temas com “sensibilidade e sinceridade profundas”. Você pode falar um pouco mais sobre essa abordagem?

Kayla Reefer: Pra mim, especialmente como fotógrafa negra, vendo como os negros são fotografados – parece que somos fotografados por trás de uma vitrine de museu. É muito impessoal. Minha missão, especialmente com pessoas negras e pardas, é abordar meus temas de um jeito que haja o máximo de engajamento e realidade possível. Quero capturar sua humanidade de maneira abrangente.

Como você decidiu fotografar sua família para Identidad?

Eu estava passando por livros de história e era difícil achar: um, um fotógrafo afro-latino, e, dois, fotos de pessoas afro-latinas. Claro, as poucas fotos que encontrei eram fotos nossas na selva. E o jeito como elas foram editadas fazia os temas parecerem sujos. Não há beleza nelas. As fotos pareciam apenas nos sondar.

Então, nas minhas fotos, foi um momento de entender como minha família queria ser apresentada para o mundo. Acho que muitos parentes nunca tinham sido fotografados formalmente. Procurei todos os meus primos e tias. Fizemos uma sessão de fotos basicamente. Foi um jeito de me conectar com eles de um jeito que eu não tinha feito antes. Eles estão no Panamá, estou em LA. É muito difícil pra mim ir até lá. Antes de viajar em 2018, quando tirei essas fotos, fazia cinco anos que eu tinha visto eles pela última vez.

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Você pensa nas gerações futuras da sua família vendo essas fotos?

Estávamos vendo fotos antigas e havia muitos buracos. Minha mãe tinha 12 irmãos e irmãs. Infelizmente, ela morreu antes que eu fizesse essa série. Essa era outra razão para começar esse projeto – porque não conheci meus avós e vários tios e tias, que morreram antes de eu conhecê-los. Pouca coisa sobrou sobre eles. Por exemplo, um dos meus tios deixou sua carteira de identidade antiga que achamos aleatoriamente. Se não fosse por isso, eu nunca veria o rosto dele. Eu não queria que no futuro, as pessoas da família não saibam como a gente era.

Uma coisa que se destaca é quantos sorrisos aparecem nessas fotos.

Na verdade eu estava tentando fotografar de um jeito mais fotojornalístico, tipo “não sorria”. Mas meus primos ficavam fazendo piada e estavam se divertindo. Quando olhei de novo para as fotos, eram essas que falavam comigo. Eu adorava como eles estavam felizes e alegres. Raramente você vê alegria e felicidade em fotos de pessoas afro-latinas.

Como seu entendimento de amor negro se expandiu com os anos?

Ele mudou drasticamente. Mesmo com o entendimento que amor negro não é só entre um homem e uma mulher. Pode ser um homem e outro homem, uma mulher e outra mulher, pessoas não-binárias, etc.

Acho que amor negro é o amor mais forte que existe. Porque temos que nos amar, apesar de toda a merda que enfrentamos todo dia. É uma jornada diária para acordar, viver nossa vida e ainda ter amor por você mesmo, amor que não é dado ou mostrado a você. É muito difícil de encontrar. Por isso o amor negro é a coisa mais bonita que existe.

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Por último, se você tivesse que criar um plano de estudo com filmes, livros e outras mídias com exemplos fortes de amor negro, o que entraria na sua lista?

Me identifico mais com música quando penso em amor negro em todas as suas variedades. São essas músicas que me vêm à mente:

  • Musiq Soulchild - “Just Friends”
  • Brandy - “Sittin’ Up In My Room”
  • Lucy Pearl - “Dance Tonight”
  • Black Star - “Brown Skin Lady”
  • Pharrell ft. Kanye West - “Number One”
  • Talib Kweli - “Hot Thing”
  • Jill Scott - “Slowly Surely”
  • Anita Baker - “Same Ole Love”
  • Teddy Pendergrass - “You’re My Latest, My Greatest Inspiration”
  • Delegation - “Oh Honey”
  • GQ - “I Do Love You”
  • Lauryn Hill - “Ex-Factor”
  • Aaron Neville - “Tell It Like It Is”
  • Sam Cooke - “You Send Me”
  • Duke Ellington e John Coltrane - “In a Sentimental Mood”

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