Por que a mulher desse quadro do século XIX parece segurar um iPhone?

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Por que a mulher desse quadro do século XIX parece segurar um iPhone?

Uma análise de “O Esperado”, um quadro do século XIX pintado pelo artista austríaco Ferdinand Georg Waldmüller.

Peter Russel e seu namorado estavam passeando pela Nova Pinacoteca, um museu em Munique, na Alemanha, especializado em arte dos séculos XVIII e XIX, quando eles a viram.

A mulher caminha por uma trilha, aparentemente alheia ao que a espera logo à frente: um jovem de bochechas coradas ajoelhado, flores em mãos, pronto para lhe fazer a corte. Seu olhar está, no momento, fixado em um pequeno objeto que ela segura com as duas mãos, em um gesto que lembra a forma como andamos hoje em dia, absortos em nossos celulares.

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O quadro, que se chama "O Esperado", foi pintado pelo artista austríaco Ferdinand Georg Waldmüller em 1860.

Russel, um funcionário público aposentado, me disse que ele citou o quadro há alguns meses durante um congresso de tradutores. O evento aconteceu cerca de um ano depois daquelas fatídicas férias na Bavária durante as quais ele e seu namorado haviam se deparado com a obra. Russel e uma colega estavam discutindo sobre a "importância do contexto" na tradução. Em certo ponto da conversa, Russel tirou o celular do bolso e mostrou uma foto do quadro para ela.

"O que mais me surpreende é como o avanço da tecnologia mudou nossa interpretação desse quadro, de certa forma alterando seu contexto", disse Russel, que gosta de escrever poemas e tem um blog onde ele escreve sobre cultura e arte.

O quadro marcou tanto Russel que ele chegou a compartilhá-lo em resposta a uma matéria que escrevi para a VICE sobre uma pintura de 1937 que mostra, entre outras coisas, um homem segurando um objeto que lembra um iPhone.

O tuíte no qual Russel apontava a semelhança entre o quadro sobre qual escrevi e "O Esperado" foi meu primeiro contato com o quadro de Waldmüller. Não importa se Russel errou a data do quadro em sua mensagem — o que importa é a mensagem.

Até o momento, não sabemos se Russel foi o primeiro a notar esse outro lado do quadro. Russel me disse que não sabe se alguém já falou "a mesma coisa" sobre a obra ("normalmente", acrescentou ele, "quando uma ideia é realmente boa, alguém já teve ela antes"). Uma pesquisa rápido nos mostra que há pelo menos uma versão adaptada de "O Esperado" circulando pelo Pinterest. Nela, a pintura foi alterada para incluir um feixe de luz emitido pelo "celular" da mulher.

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Digressões à parte, é óbvio que a mulher do quadro não está segurando um smartphone.

"A moça nesse quadro não está checando seu novo iPhone X, mas sim indo para a igreja com seu livro de orações nas mãos", explicou Gerald Weinpolter, diretor da agência de arte austrian-paintings.at.

Essa não é a primeira vez em que a essência de um objeto inanimado — seu peso, a fascinação que ele inspira, sua aura — em uma representação artística de uma era pré-electricidade é deformada pela nossa visão moderna e hiperconectada.

Em "O Esperado", a linguagem corporal da mulher retratada nos faz concluir que ela está olhando para um celular, tanto que é fácil imaginá-la sendo definida como apenas mais uma "jovem distraída" exibindo sinais da condição conhecida como " text neck" (dor nas costas e nuca causada pelo uso excessivo do celular). Além disso, como um conhecido particularmente obcecado por viagens no tempo comentou quando mostrei para ele a versão original do quadro, o rosto da mulher parece iluminado de baixo para cima, como se banhado pela luz de uma tela. Waldmüller pintou a mulher como se ela estivesse na contraluz; no entanto, das sombras que cercam seu rosto se destacam seu queixo, lábios e bochechas, que chamam atenção pela sua claridade.

"A maior diferença é que em 1850 ou 1860, qualquer um que visse o quadro identificaria o objeto que a moça está segurando como um livro de orações", disse Russel. "Hoje, ninguém teria dificuldade em ver a semelhança entre a mulher do quadro e uma adolescente concentrada em seu smartphone."

Ainda durante o congresso de tradutores, a colega de Russel apresentou outra hipótese: "Talvez ela esteja no Tinder", riu ela, imaginando a garota de gorro rejeitando seu pretendente da forma despreocupada como fazemos hoje em aplicativos de relacionamento. "Não foi dessa vez, colega."

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