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Tecnologia

​Os Sons do Planeta Derretendo

Jogaram uns hidrofones embaixo d'água para descobrir qual é o som do aquecimento global.
Derretimento glacial em uma praia em Icelandic. Crédito: Nick/Flickr

A mudança climática é uma coisa barulhenta. Você já ouviu um derretimento glacial? Mesmo que você nunca tenha ido pra Groelândia, você deve imaginar o quão monstruoso é o barulho de uma pedra imensa de gelo se quebrando.

Essa é a trilha sonora sutil do aquecimento global, tocada com nada menos do que o som silencioso de gelo pingando, que não só preenche a imagem do que está acontecendo enquanto as temperaturas continuam subindo, como também mostra um cenário criado pelos humanos. Se nós captarmos essa essência sônica, o barulho massivo do nosso planeta se desfazendo massas de gelo, talvez tenhamos a chave para o entendimento verdadeiro das mudanças climáticas – e se não for muito tarde, do que nós podemos fazer sobre isso.

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Nossa chance de entender isso pode ser gravando os sons que a Terra faz enquanto derrete.

Gustavo Valdivia e Tomás Tello podem nos ajudar nessa história. Recentemente, Valdivia, um antropólogo, e Tello, um músico experimental, foram atéa geleira de Quelccaya, no Peru, com um kit de gravação analógico de alta e de baixa fidelidade. Eles estavam atrás desse barulhinho do derretimento glacial, com a ideia de "estabelecer novas abordagens para a questão da mudança climática", como eles escreveram em um post do GlacierHub.

E adivinhem? O som da morte de Quelccaya não parece com a morte: parece mais um pedaço de gelo pingando. Um córrego, dentro de uma caverna, balbucia. O resultado é como um cristal gotejando pela montanha. Seria um som bem calmo e tranquilão, se não escondesse o fato de que Quelccaya, o maior lençol tropical de gelo da Terra, está passando por problemas sérios.

Eles publicaram 10 faixas da "narração sonora" do encontro com o gelo indo embora, que você pode ouvir aqui. Os dois não poderiam ter sido mais literais nos títulos das faixas. Ouça a quarta faixa, acima. O nome: "Água de córrego ao lado do gelo com gotas derretendo."

Cada vez que eles se aprofundavam mais nas gravações, Valdivia e Tello criaram formas mais criativas de capturar os últimos sons de Quelccaya. Em certo momento, eles colocaram um hidrofone embaixo de um córrego derretido:

Ao utilizar um hidrofone, Valdivia e Tello deram força a um projeto que utiliza o som do fundo do mar para listar os acontecimentos naturais aquáticos mais barulhentos: o estalar, rachar e estourar do gelo derretendo abaixo da superfície.

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No Alasca, Kevin Lee e Preston Wilson, dois especialistas em acústica da Universidade do Texas, usaram uma rede de hidrofones instalados pela costa para ouvir esses sons, que são o resultado de bolhas de ar presas tentando escapar.

De acordo com Lee e Wilson, os sons que eles captaram até agora vêm das bolhas que oscilam quando são espirradas do gelo. Essas bolhas, nascidas de camadas atrás de camadas de cristais de gelo que prendem pequenas bolsas de ar, criam uma pressão. Quanto mais neve acumula, mais neve se compacta em gelo; as bolhas não têm para onde ir, até que dão um jeito de cair fora.

"Uma bolha, quando é solta de qualquer orifício, vai naturalmente oscilar em uma frequência que é inversamente proporcional ao raio da bolha", disse Lee à Wired.

Os pesquisadores esperam que essas gravações de gelo derretendo em fiordes de gelo possam ser usados em parceria com vídeos e fotografias em time-lapse, ou qualquer outra ferramenta crucial para a ciência moderna, como diz a Wired.

Glacier Acoustics Project de Hilary Hudson em Vimeo.

É tudo parte do Projeto de Acústica Glacial, um estudo-piloto encabeçado por Erin Pettit, uma geofísica da Universidade do Alasca, que colabora com Lee e Wilson.

Como Pettit explica no vídeo acima, o objetivo é determinar os sons de descargas de água que jorram sob glaciais no contexto de um processo dinâmico. Esses impulsos estão elevando drasticamente o nível do mar, mas nós ainda não temos a menor ideia do tamanho dessas enchentes ou da frequência delas. O motivo é simples: isso acontece nas profundezas dos fiordes, bem na linha que marca o começo das geleiras. Não éexatamente o ambiente mais fácil ou seguro para colocar instrumentos acústicos.

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O uso de hidrofones, e a acústica embaixo d'água no geral, permite observar a ação de uma distância segura – é possível ficar entre 1,5km a 3km longe das calotas desmoronando. Com esses hidrofones, Petit e sua equipe captam esses impulsos operando – eles são ancorados no fundo do oceano.

Os hidrofones são programados eletronicamente para captar o som a cada poucos minutos, escutar por 4 segundos e depois processar os dados sonoros de uma forma que um único hidrofone possa dizer se "há algo de interessante acontecendo", nas palavras de Pettit. Se algo interessante acontecer, ela continua, o hidrofone grava mais dados.

Pode soar como uma ciência esquisitona, mas vale a pena notar que os humanos podem ajudar a clarear alguns desses dados. Abaixo, Jonathan Pearl, um estudioso de música da Cidade Universitária de Nova York, mostra seu trabalho de dados sonoros em derretimentos de gelo na Groelândia, reunido pelo climatologista Marco Tadesco:

Há também a obra de Katie Paterson. Em 2007, Paterson, ainda uma estudante da Universidade de Arte de Londres, deixou um hidrofone em uma lagoa nos limites da massa de gelo de Vatnajokull, na Groelândia. Aqui está o resultado:

De volta ao Peru, mais acima dos Andes, especialistas estimam que o que levou uns 1.500 anos para formar o que conhecemos hoje (conhecíamos?) como o gelo de Quelccaya derreteu quase totalmente em apenas 25 anos. Da parte deles, Valdivia e Tello esperam voltar logo, com ainda mais áudio pra rodar.

No final, a questão não deveria ser se uma geleira derrete, ela vai ter algum som? Mas ao invés disso, enquanto uma geleira derrete, o que ela estános dizendo?

Tradução: Letícia Naísa