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O 'Tumulto em Walthamstow' Noite Passada não Foi Nada Disso

E a culpa é (mais ou menos) da internet.

Todas as fotos pelo autor.

Ontem à noite, a internet inglesa estava fervendo com rumores de um grande tumulto em Walthamstow, East London. A VICE mandou um repórter para lá para ver o que estava acontecendo na real.

Voltando do trabalho noite passada, recebi um e-mail "urgente" do meu editor.

"VÁ PARA WALTHAMSTOW AGORA", dizia o e-mail. "PRECISAMOS DE ALGUÉM LÁ."

Da plataforma da estação Highbury & Islington, corri para o metrô, só percebendo depois que lá dentro eu estava sem sinal de internet. Seja lá o que estivesse acontecendo em East London, isso continuaria um mistério até eu chegar lá.

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Enquanto eu fazia a viagem de 15 minutos pela Victoria Line, fiquei brincando com as possibilidades do que podia estar acontecendo na minha cabeça. Eu não sabia muito sobre Walthamstow, fora que lá tem um restaurante Nando's e uma pista de corrida de cachorros que foi fechada. A minha mente estava a milhão.

Aí um moleque sentado na minha frente virou para o amigo e disse: "Cara, você sabe que está rolando um tumulto em Walthamstow?"

"Sério?", me meti na conversa, feliz de finalmente fazer algum progresso. O menino olhou pra mim, estalou a língua e sussurrou alguma coisa para o amigo. "Não sou polícia, juro", eu disse, mas isso não ajudou muito.

Vídeo do YouTube.

Passando pelos outros passageiros daquela noite de terça na estação, todos com aquela cara de que o dia tinha sido uma merda, eu sabia que aquele podia ser meu grande momento. Eu era muito novo para cobrir os protestos estudantis de 2010 em Londres. Os tumultos de 2011 aconteceram muito longe do subúrbio que minha família chama de lar.

Mas agora parecia que eu estava no meio de um levante, entre jovens insatisfeitos cansados da desigualdade perpétua trazida pelo neoliberalismo. A imprensa de direita pintaria esses adolescentes como vândalos, mas eu estaria incorporado na vanguarda para dizer como as coisas realmente tinham acontecido. Subi correndo a escada rolante da Walthamstow Central, pensando como eu defenderia minha geração perdida no Newsnight.

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Vídeo do YouTube.

Com meu crachá da imprensa na mão e a câmera ligada, meu caderninho e caneta estavam prontos para a ação. Merda. A bateria do meu celular estava em 50%, o que me deixou preocupado. E se eu tivesse que transmitir ao vivo para algum canal de TV e a bateria acabasse?

Aí cheguei à rua principal de Walthamstow, em frente a um McDonald's. Vi uma viatura da polícia. Estava chovendo. Algumas pessoas estavam sentadas nos restaurantes ao redor. O Nando's não estava em chamas. Cheguei tarde; a revolução já tinha acabado.

Mas eu já estava lá mesmo. As pessoas de Walthamstow podiam não estar mais nas ruas, mas o Twitter tinha certeza que uma grande baderna estava acontecendo.

Estudei a cena. A loja da Foxtons ainda estava intacta, então parecia que não tinha sido um protesto contra a gentrificação. As portas da Sports Direct e da Tesco não tinham sido despedaçadas, e não havia sinais de que a polícia tinha atirado em alguém; isso não era Tottenham 2011.

Ninguém tinha certeza do que realmente tinha acontecido. Vários policiais estavam na área; mas todos com quem falei disseram que tinha acontecido "um distúrbio", mostrando que não queriam entregar muita coisa.

Num supermercado Foster, conheci um morador local chamado Munshif. Perguntei se ele sabia o que tinha acontecido. "Dois estudantes brigaram", ele contou parecendo nervoso, olhando em volta enquanto conversávamos, claramente preocupado que alguém, não sei quem, estivesse observando. "Aí eles chamaram os amigos, e eles brigaram, e aí a polícia veio, mas isso é tudo que eu sei. Juro."

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Agradeci Munshif, que garantiu que não trabalhava no supermercado, apesar de ter ficado por mais umas duas horas ali. O cara no balcão ao lado dele também se recusou a comentar o caso.

"Onde a nova geração vai depois de uma briga?", pensei comigo mesmo.

Corri pro McDonald's.

Esse era um desses McDonald's modernosos, com iPads por todo lado e máquinas estranhas que ficam apitando enquanto você pensa em como quer seu McFlurry. As paredes estavam cobertas de pichações (mas o gerente me garantiu que era de propósito), e um cartaz informava que eles estavam sem mozzarella sticks.

A que ponto chegamos?

Puxei conversa com alguns adolescentes.

"Ontem, duas garotas brigaram aqui fora", me disse Jay. "Aí outras duas garotas queriam brigar aqui hoje. Todo mundo veio assistir e todo mundo foi para o final da rua quando as minas apareceram. A polícia começou a seguir a gente, eram umas 300 pessoas."

"400", um dos amigos dele falou.

"Não, mais de 700."

"Mil. Eram umas mil pessoas." [A BBC, citando a Polícia Metropolitana, disse que o número de envolvidos era 200.]

Vídeo do YouTube.

Voltando para o Jay. "Todo mundo veio para o McDonald's, onde estava acontecendo uma briga. Aí a polícia fez a gente ir embora, aí todo mundo foi para o Nando's, onde as pessoas começaram a brigar de novo. Aí eles pegaram os cassetetes e prenderam um menino que não tinha feito nada", ele continuou.

"Eu comecei a correr, porque a polícia estava vindo, equipes da SWAT com cassetetes e cachorros", disse um amigo dele chamado Courtney. "Um garoto do meu lado desmaiou, eles colocaram um cachorro do lado da cabeça dele! Eu fiquei gritando 'Tragam uma ambulância agora!' Quando a polícia veio para o meu lado, eu levantei as mãos e disse que era inocente. Eu estava indo embora quando um policial me acertou nas costas com um cassetete. Putos." Jay me disse que pelo menos 40 pessoas foram presas. Courtney garantiu que armas de choque foram disparadas para todo lados.

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De volta à rua, dois caras apareceram na frente do Betfred, então perguntei se eles sabiam algo mais do que eu já tinha ouvido.

"Basicamente, eu estava brincando com o meu laser", explicou Ali. Não entendi o que ele queria dizer. "Um cara estava ligando pro meu celular, e eu disse 'Dez minutos, aqui'. Eu estava vindo com o meu outro irmão, Adbul. Dei meu laser para esse cara, e vi um grupo de jovens, muitos jovens correndo, e era tudo sobre a faculdade, as pessoas estavam brigando por causa da faculdade."

Aí outro Ali começou a falar. "Tinha alguma coisa a ver com sexo e boceta. Um cara traiu a namorada, e ela estava puta, então ela queria brigar com a mina que tinha transado com o namorado dela. As minas tinham bastões de basebol, facas, várias coisas, e ficavam se xingando de 'vadia', 'cobra' e 'puta'."

Eles não me disseram os nomes das garotas, nem do cara que tinha transado com as duas. Mas a treta tinha acontecido na Hoe Street, o que ainda estava gerando piadinhas no Twitter 20 horas depois.

Voltando ao primeiro Ali: "Aconteceu uma briga, centenas de pessoas e policiais marchando. A coisa foi feia". Quando eles disseram que viram metralhadoras e helicópteros, comecei a achar que eles estavam me tirando. Mas não dava para culpar os meninos. Eu era um cara de 22 anos com uma câmera, andando pelo bairro e perguntando para adolescentes quem tinha brigado com quem.

Os vídeos que vi na internet mais tarde mostravam um monte de estudantes puxando cabelo e policiais correndo no escuro.

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Achei que valia a pena ligar para a polícia. Se esses caras estavam falando a verdade, centenas de policiais tinham aparecido, espancando todo mundo que encontraram pela frente e depois prendido uma classe inteira de Estudos Midiáticos.

"Logo depois das 17 horas, a polícia foi chamada para conter um grupo de jovens que estavam causando um distúrbio", me disse um porta-voz da Polícia Metropolitana.

"Oficiais de Waltham Forest e do Grupo de Apoio Territorial compareceram à cena."

O grupo de cerca de 200 adolescentes se dispersou lá pelas 20h45, ele disse, não havia relatos de feridos.

"Três pessoas foram presas – um garoto e uma garota de 16 anos por suspeita de desordem e um homem de 18 por suspeita de desordem violenta. Todos continuam sob custódia."

Perguntei se armas de choque tinham sido usadas, e ele me disse que isso era uma possibilidade porque a Polícia Metropolita carrega essas armas, mas que isso ainda não havia sido esclarecido.

"E tanques e helicópteros?", continuei, mas ele já tinha desligado.

Sabendo muito bem que muitos policiais ainda estavam na cena, e que eu estava abordando adolescentes no escuro e pedindo para fotografá-los, percorri a rua mais uma vez para ver se o Nando's não tinha sido incendiado mesmo.

Depois de algumas horas no local, decidi dar a noite por encerrada. Aprendi alguma coisa? Acho que sim. Valeu a pena pegar chuva por horas para descobrir isso? Provavelmente não.

@MikeSegalov

Tradução: Marina Schnoor

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