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O Congo Quer Explorar Petróleo num Parque Patrimônio Mundial

Agora, pelas indicações de que o governo pretende retirar parte ou toda a proteção da UNESCO e recomeçar o processo de exploração de petróleo, o governo de Kinshasa colocou o futuro do Virunga em dúvida novamente.

Na sexta-feira passada, o primeiro-ministro da República Democrática do Congo, Augustin Matata Ponyo, anunciou que seu governo pretende explorar petróleo no Parque Nacional Virunga. Como Patrimônio Mundial da UNESCO, o Virunga é tecnicamente protegido de exploração invasiva pela convenção nacional, o que significa que o governo de Kinshasa terá de desclassificar parte ou todo o parque para chegar ao petróleo. Muitos temem que isso possa minar a segurança do ecossistema do parque, o bem-estar dos cidadãos locais e a integridade da proteção da UNESCO no mundo inteiro – o programa só desclassificou dois locais em sua história, o último em 2009.

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"Isso não vai ser uma pequena modificação nos limites do parque", disse Leila Maziz, coordenadora da UNESCO na região do Congo, ao Guardian recentemente. "Seria uma grande modificação que prejudicaria o valor universal do parque."

Até o momento, representantes locais da UNESCO dizem que o governo da RDC ainda não emitiu uma requisição formal para desclassificar o local, apesar de Ponyo afirmar que já tinha começado a discutir a questão com os oficiais da organização. Em janeiro, Ponyo falou a investidores que, se aprovasse a exploração, ele provavelmente ajustaria as fronteiras do parque; além disso, neste mês, o Guardian afirma ter adquirido uma carta que prova que o governo vem considerando mudar os contornos de preservação do local desde julho de 2014.

O Virunga, 7.800 km² de natureza preservada na fronteira entre RDC, Ruanda e Uganda, é lar de várias zonas ambientais e animais em risco de extinção. Seus residentes mais famosos são 300 gorilas-das-montanhas, cerca de um quarto da população global remanescente. Reconhecido como uma das partes de maior biodiversidade da África, o local, ainda sob o domínio belga e conhecido como Parque Nacional Albert, se tornou zona de conservação protegida em 1925. Essa proteção permaneceu mesmo depois da independência (apesar de o nome do parque ter sido mudado em 1969); logo, em 1979, ele ganhou o reconhecimento da UNESCO, sendo listado como Patrimônio Mundial um ano depois do início do programa.

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Mesmo assim, o Virunga está em perigo há décadas e é listado pela UNESCO como local ameaçado desde 1994. Naquele ano, refugiados do Genocídio de Ruanda invadiram esse patrimônio mundial, destruindo a terra para seu sustento e montando acampamentos e centros militares pela região. Esse influxo renovou o conflito no Congo, também conhecido como Guerra Mundial da África, que já matou cerca de 6 milhões de pessoas, principalmente graças à violência e à instabilidade na fronteira ao leste do Virunga. No decorrer do conflito, milícias têm periodicamente invadido instalações do parque, expulsado conservacionistas, ignorado ou permitido a entrada de caçadores e fodido com o Virunga no geral – em 2012, rebeldes até organizaram passeios turísticos para ver os gorilas a fim de poderem financiar sua rebelião. Neste ano, barões da guerra no Virunga mataram cerca de 140 guardas-florestais (de uma força de 400 homens).

Essa crise se exacerbou nos anos 2000 graças ao renovado interesse internacional pelo potencial petroleiro da RDC. A maior parte da exploração inicial ocorreu do outro lado do país, mas, em 2006, Kinshasa encontrou três blocos de petróleo, parte deles incluindo quase metade do parque. No ano seguinte, o Ministério dos Hidrocarbonetos nacional cedeu dois blocos para a empresa francesa Total e para a britânica Soco International. A Total prometeu em 2011 (um ano depois de sua permissão ter entrado em vigor) não realizar explorações no parque, mas a Soco decidiu se estabelecer em torno do frágil Lago Edward, lugar não muito longe da casa dos gorilas-das-montanhas.

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De lá até 2014, enquanto a Soco realizava testes básicos para checar a riqueza do petróleo na terra, reclamações começaram a surgir de que a empresa estava usando seguranças particulares e soldados congoleses para brutalizar moradores locais e guardas-florestais, querendo passar por cima das fronteiras do parque. Essas alegações foram destaque no documentário de 2014 da Netflix Virunga, que aborda esse conflito e a questão do petróleo no parque. Depois de negaras acusações feitas no filme, a Soco cessou a exploração no Virunga no ano passado esperando por mudanças no status da região pelo regime da RDC. Muitos afirmam que essa pausa foi dissimulada e que explorações clandestinas continuam, mas, no geral, isso foi uma grande vitória para a saúde do parque. O filme cimentou o apoio internacional para o Virunga, usando câmeras escondidas e reportagem investigativa para destacar os supostos acordos antiéticos envolvendo as terras.

E a faísca de esperança fornecida pelo filme era muito necessária. Entre a guerra, o desenvolvimento e o caos geral, muitos, em 2008, acharam que o Virunga estava perdido definitivamente. A população de elefantes, por exemplo, tinha encolhido 90%, e restavam apenas 350 dos 27 mil hipopótamos originais da região – isso sem mencionar a misteriosa exploração da terra e seu desmatamento ilegal.

Mas o filme, as declarações da ONU neste mês de que as forças congolesas finalmente livraram o parque de rebeldes e notícias do retorno lento do turismo fizeram parecem que o Virunga teria um espaço para se recuperar.

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Agora, pelas indicações de que o governo pretende retirar parte ou toda a proteção da UNESCO e recomeçar o processo de exploração de petróleo, Kinshasa colocou o futuro do Virunga em dúvida novamente.

Oficiais alegam que isso é necessário para o bem-estar dos moradores locais, já que exploração de petróleo traz muito mais lucro que conservação e turismo. Eles garantem que vão extrair o petróleo e usar o dinheiro para desenvolver partes marginalizadas do país, sem prejudicar o Virunga.

"É necessário encontrar um meio-termo entre proteger a natureza", Ponyo falou recentemente à BBC, "mas também lucrar com as reservas, para que as comunidades locais possam ter uma melhor condição de vida".

No entanto, dado o histórico de corrupção no país, que sempre pagou barões da guerra e oficiais para permitirem uma exploração pouco cuidadosa e sem nenhum benefício aos locais, muitos não foram convencidos pelas promessas de Ponyo.

"O governo congolês e a Soco têm tentado argumentar que os lucros da exploração do petróleo no Virunga vão ajudar a tirar a população da pobreza", disse à VICE Nathanial Dyer, ativista pelo Congo na Global Witness, uma organização anticorrupção que vem monitorando os desenvolvimentos no parque. "Mas o Congo tem vastas riquezas minerais, e companhias internacionais de petróleo e mineração estão presentes no país há anos. No entanto, a falta de transparência no sistema de impostos e despesas significa que as riquezas naturais não têm beneficiado a maioria dos congoleses. Em vez disso, elas enriquecem grandes multinacionais e empresários bem conectados.

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"Não há razão para acreditar que esse padrão vai mudar no Virunga. Qualquer produção de petróleo vai beneficiar financeiramente a empresa petroleira e provocar danos indizíveis ao ecossistema e à população local do Virunga."

Dyer e outros também temem que o caso do Virunga prejudique todo o sistema de proteção da UNESCO.

"Se falharmos com o Virunga", frisa Dyer, "isso vai abrir um precedente para outras áreas protegidas ameaçadas por multinacionais de extração".

Muitos congoleses parecem conscientes dos riscos de degradação ambiental. Mas vale tentar qualquer coisa num país desesperado por dinheiro e desenvolvimento para sair de décadas de sofrimento. E muitos oficiais locais acham ridículo que indivíduos de países desenvolvidos digam que proteger gorilas é mais importante do que levantar a nação da pobreza e do caos, dado o histórico ambiental pré-moderno da Europa.

"Vocês, europeus, comeram todos os nossos animais", acusou Joseph Pili Pili, membro do Ministério dos Hidrocarbonetos da RDC, para a BBC, "e agora dizem que precisamos dar as costas ao dinheiro que o país precisa desesperadamente, que as pessoas precisam desesperadamente, para proteger animais?"

É uma discussão muito difícil de ganhar, a menos que alguém mostre a Pili Pili, com argumentos financeiros, que seu país ganha mais mantendo o Virunga intacto e expulsando as companhias petroleiras. Se alguém tem uma boa prova disso, é bom contatar o Ministério dos Hidrocarbonetos do Congo o mais rápido possível – os gorilas precisam das suas planilhas.

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Tradução: Marina Schnoor