Ascensão e queda do Hype Machine, ex-queridinho da internet

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Ascensão e queda do Hype Machine, ex-queridinho da internet

Do topo da blogosfera nos anos 2000 à derrocada: o fundador do site de música Hype Machine explica que caralhos aconteceu.
Lia Kantrowitz
ilustração por Lia Kantrowitz
SF
Traduzido por Stephanie Fernandes

Entrevista originalmente publicada no Noisey US .

"Pioneiro irrefreável", "[um dos] 100 sites essenciais", "o futuro da mídia como um todo" — no fim dos anos 2000, o Hype Machine parece ter recebido mais louros do que qualquer outro site na história da internet. Fundado em 2005 pelo estudante universitário Anthony Volodkin, então com 19 anos, o agregador de blogs de música bombou. Volodkin enviou o link do site, que desenvolveu em seu tempo livre, para formadores de opinião do mundo da música, que em vez de o criticarem, passaram a compartilhar o site com entusiasmo. Em 2009, o Hype Machine era considerado tão crucial para o ecossistema da música online, que artistas e selos viviam tentando alavancar seus índices de popularidade no site , para promover seu trabalho.

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Foi uma ascensão meteórica. Tanto é que ficamos surpresos com a declaração publicada no começo do ano: o Hype Machine precisava de contribuições dos usuários para continuar no ar. Sem investidores ou financiamento, o site operou durante doze anos só com a receita de mídia, mas por conta das incontáveis mudanças em publicidade online de lá para cá, o esquema foi por água abaixo. O site sempre manteve uma operação enxuta, e só precisa de dinheiro o bastante para pagar três funcionários em período integral (incluindo Volodkin) e manter os servidores no ar. Felizmente, o Hype Machine atingiu as duas metas de financiamento em poucos meses, e está conseguindo segurar as pontas.

Outro dia, conversei com Volodkin sobre a jornada do Hype Machine. Na conversa abaixo (editada para maior clareza), ele descreve a economia mutável da publicidade online, que premia os grandes sites enquanto deixa os pequenos passando fome, e como usuários podem chacoalhar o sistema. Em suma, o modelo indie de se amparar nos fãs agora se aplica também aos sites, não só às bandas.

Noisey: Em 2009, o The Guardian colocou o Hype Machine na lista dos "100 sites essenciais". Agora, menos de uma década depois, você precisou fazer uma campanha de financiamento para mantê-lo no ar. O que aconteceu?
Anthony Volodkin: É difícil dizer o quanto a internet mudou nos últimos dez anos. Muitas dessas mudanças afetaram o Hype Machine, mas algumas delas foram particularmente tempestuosas.
Primeiro, o modelo de investimento em publicidade mudou muito. Em vez de distribuir o orçamento publicitário entre um vasto leque de sites individuais, as empresas pagam, em grande parte, um punhado de grandes serviços (Google, Snapchat) e conglomerados ( BuzzFeed, Vice, Vox). O resto vai para mercados publicitários online, onde as empresas negociam um grande volume de anúncios voltados para usuários específicos por taxas muito mais baixas. Os mercados online servem para sites de tráfego intenso, mas não são de grande valia para propriedades de nicho.

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Em seguida, rolou uma debandada da internet no desktop. Isso inclui boa parte dos nossos usuários, que hoje escutam música por meio de aplicativos em aparelhos móveis, diminuindo as visualizações de anúncios no desktop. Fizemos alguns testes com anúncios mobile, mas geram pouca receita, a não ser que sejam extremamente invasivos. Os anúncios mobile que testamos no nosso aplicativo se resumiam a imagens em banners no meio das playlists. Parece que, no modo de tela cheia, as imagens e os vídeos intersticiais são bem mais lucrativos, mas às custas da experiência do usuário.

Quanto vocês ganhavam com publicidade no auge, em comparação com hoje?
Por conta das mudanças em investimentos publicitários, hoje contamos com cerca de um décimo da receita que tínhamos antes com mídia. É uma mudança e tanto. Por isso, começamos a campanha de financiamento.

O Hype Machine tinha parcerias publicitárias com outras empresas, como a Buzz Media (conhecida hoje como SpinMedia) e a Tounsquare Media. Como funcionava isso?
Trabalhamos com esses parceiros e mais alguns outros (incluindo a Vice) para manter um espaço publicitário no Hype Machine. O esquema é simples: o parceiro busca marcas interessadas no nosso público e ganha uma comissão na compra do espaço publicitário. Nossos parceiros costumam trabalhar com vários sites de música ao mesmo tempo, montando pacotes proveitosos para os anunciantes. Antes das mudanças radicais na indústria, funcionava bem. Publicávamos vários anúncios de filmes, música, carros e empresas de eletrônicos, tínhamos parcerias com marcas em eventos patrocinados, entre outras coisas.

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Hoje, uma empresa que oferece espaço publicitário em uma série de sites de música concorre com os mercados publicitários online, que rotulam as pessoas como "ouvintes" com base nos sites que elas visitam. Esse tipo de anúncio nem sempre é eficaz, mas a estrutura de preço dos mercados pressiona os demais veículos a baixarem suas taxas.

Vocês chegaram a perder usuários com o surgimento de outros serviços de música, de maior escala?
É difícil delinear o impacto do crescimento de um serviço em particular, mas em geral as pessoas têm um limite de tempo e disposição para ouvir música. A solução é a mesma de sempre, no entanto: oferecer uma experiência única, e continuamos fazendo isso.

O Hype Machine foca em trazer à tona músicas que o usuário ainda não sabe que curte, e as apresenta em um contexto que permite que o usuário explore mais. Indexamos centenas de fontes para gerar um fluxo eclético de novas músicas, com links para as postagens, para que os usuários possam ler sobre o que estão ouvindo. As recomendações dos críticos são o primeiro filtro. Os índices do site são o filtro seguinte: as faixas ganham ou perdem visibilidade de acordo com as reações da comunidade. No Hype Machine, é fácil ver o que as pessoas — críticos, ouvintes, etc. — ligadas em música andam curtindo.

Vários serviços recomendam músicas com base no histórico ou padrões do usuário, o que limita as possibilidades de descoberta. O site tem um espaço para pesquisas musicais mais superficiais também. Acreditamos que tanto os ouvintes quanto os artistas se beneficiam mais com diversas abordagens possíveis.

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O fato de que vocês oferecem músicas de blogs, e não de catálogos fixos, agrega valor ao Hype Machine?
É uma parte importante do serviço. Críticos independentes destacam muitas obras inesperadas, que você talvez não encontre numa playlist ou serviço, que talvez não estejam disponíveis ali. Fico feliz por oferecer diversidade, centenas de perspectivas com o nosso trabalho. As músicas só aparecem no Hype Machine depois que alguém escreve sobre elas, é um filtro clássico: se alguém se importou o bastante com uma faixa a ponto de escrever sobre ela, provavelmente vale a pena dar uma conferida.

A campanha de financiamento parece ter sido um sucesso. O que justifica a onda de apoio, para você?
A campanha tem sido uma grande oportunidade para dialogar com os usuários sobre o que fazemos. Hoje contamos com 3.500 apoiadores, e foi isso que manteve o site no ar nos últimos meses. À medida que surgem novos apoiadores, conseguimos investir mais no desenvolvimento do nosso serviço e aplicativos. O Hype Machine oferece uma experiência musical única, e a reação da comunidade à campanha mostra que apreciam isso.

Vocês tiveram alguma surpresa ao conversar com os usuários? Tem alguma sugestão ou novo atributo que planejam implementar?
Acima de tudo, o que mais me empolga é ver de perto o papel que o Hype Machine desempenha na vida das pessoas. Fiquei surpreso com o apelo pelo Modo Noturno, um atalho para escurecer as cores do site. É um pequeno detalhe que se mostrou importante. Liberamos recentemente para os nossos apoiadores. Ainda não chegamos a uma receita que nos permita construir coisas maiores, mas estamos no caminho.

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Vocês pensam em expandir os negócios do Hype Machine?
Sempre chamamos a atenção de investidores, mas evitamos essa abordagem até agora porque as pressões de investimentos tradicionais nem sempre se alinham à criação de um serviço útil para o público. Investimentos em tecnologia funcionam melhor quando a empresa está prestes a atingir uma escala expressiva. Para um produto musical, isso significa tentar atrair o maior número possível de pessoas, abordagem em que não se encaixam os serviços focados em artistas emergentes/menos conhecidos, como nós. O Hype Machine foi feito para servir ouvintes engajados em pesquisa, ou seja, não é um empreendimento de larga escala. Mudar o foco para crescimento seria um desserviço para a nossa comunidade.

A relutância em vender os dados dos usuários custa caro para o Hype Machine?
Provavelmente já perdemos uma boa grana. Uma barreira mais óbvia é o tipo de publicidade que circula no Hype Machine. Priorizamos a experiência de uso diante de anúncios agressivos, e já deixamos passar algumas campanhas que frustrariam o usuário do site.

Você acha que o "modelo do Hype Machine" — sites independentes financiados por usuários, em vez de investidores — tende a ganhar popularidade fora da internet? Ou estamos fadados à McDonaldização da internet?
É revigorante ver o crescimento contínuo do Kickstarter e do Patreon. As pessoas ficaram mais cientes da maneira como criações online são financiadas, e estão mais abertas a apoiá-las diretamente. Observar essa mudança foi uma das inspirações para a nossa campanha.

Se é uma mudança permanente, ainda não sabemos. Temos sorte por ter formado uma comunidade empenhada nesses doze anos, com pessoas decididas a preservar a nossa abordagem de descobertas musicais. Enquanto pudermos continuar oferecendo um serviço que as pessoas curtem, o Hype Machine seguirá firme e forte.

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