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'Assassin's Creed' seria uma série bem melhor sem a farofa sci-fi

'Origins' tentou escapar da mitologia confusa da série, mas seria melhor ainda cortar o problema pela raiz.

Matéria originalmente publicada no Waypoint.

Assassin's Creed Origins não é um reboot total da série, mas como se passa antes dos Assassinos e Templários, é o mais perto que eles podem chegar sem apagar a história toda. Acontece que é exatamente isso que a Ubisoft deveria fazer. É tudo peso morto mesmo.

Leia mais: Relações poderosas e realistas ajudam a conduzir 'Assassin's Creed Origins'

Nas quase 40 horas que passei em Origins, ficou dolorosamente claro que a série não sabe o que fazer com sua história cada vez mais rocambólica contada pelos jogos. Uma das maiores forças narrativas de Origins é a história humana de amor, perda e vingança de Aya e Bayek. Ela se passa num enquadramento muito mais fantástico, um que Origins tenta fortemente fingir que não existe, até o ponto em que imagino que algumas partes do jogo são confusas demais para quem não está familiarizado com o absurdo escondido sob a superfície da série.

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Você lembra sobre o que é originalmente Assassin's Creed? O apelo da série sempre foi assassinar pessoas em vários pontos da história, claro, graças à tecnologia mágica que permite que as pessoas, por razões que não importam, acessem as memórias de seus ancestrais. Era um bom truque narrativo, vendendo para os jogadores uma fatia de assassinato histórico através de ficção científica. Quando a Ubisoft estava promovendo o Assassin's Creed original, eles se esforçaram para manter isso em segredo, chamando o personagem principal de um “assassino medieval com um passado misterioso”.

Mas a atriz Kristen Bell acabou abrindo o bico numa entrevista, obrigando a Ubisoft a lidar com a situação, mas não importou; era tudo um truque de marketing. No final do jogo, a mitologia se tornou complicada. Acontece que os Templários estavam procurando uma tal de Maçã do Éden, uma relíquia misteriosa de uma civilização antiga pré-humana da Terra. As relíquias davam ao proprietário poderes quase divinos, e ajudavam a explicar por que os Templários conseguiram se manter no poder. Eles tinham uma vantagem.

Assassin's Creed II aumentou a aposta, em uma das reviravoltas mais loucas de final de jogo, quando você tropeça em Minerva, um membro do grupo antigo pré-humano, ou a Primeira Civilização. Apesar de estar tecnicamente morta, Minerva vive como uma projeção holográfica semiconsciente capaz de falar com o personagem principal de Assassin's Creed II, Ezio. Ela revela que a humanidade foi criada pela Primeira Civilização como escravos, mas sua espécie foi extinta por uma onda solar. Os sobreviventes criaram cofres para esconder sua tecnologia avançada, como a Maçã do Éden. Para a humanidade, a tecnologia deles é mágica.

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Essa é a parte mais estranha de 'Assassin's Creed II'. Vídeo: Ubisoft/Reprodução.

Como sempre curti séries como Lost e Arquivo X, Assassin's Creed falava minha língua. O momento em que Minerva olha para a câmera, ela fala com você, o jogador? Era inacreditável, uma quantidade certa de palhaçada e seriedade.

Aí a Ubisoft transformou Assassin's Creed numa franquia. No meio do desenvolvimento de Assassin's Creed II: Brotherhood, o criador da série, Patrice Désilets, deixou a empresa. Os eventos jogaram a linha do tempo que Désilets tinha bolado para a história de Assassin's Creed pela janela (alguns desenvolvedores envolvidos no projeto na época falavam em seis jogos, outros sugeriam que era uma trilogia).

Foi aí que a narrativa geral desmoronou, com a Ubisoft tentando manter a dinâmica do passado/presente — a linha histórica informando eventos atuais — e continuou inventando novas razões para nada acontecer no presente.

Coisas aconteciam, óbvio, mas raramente resultavam em progresso significativo para uma história que sempre esteve destinada a ter Desmond se tornando um assassino nos dias modernos, tentando derrubar os Templários de uma vez por todas. Isso nunca aconteceu. Pouca coisa aconteceu na verdade.

Em vez disso, a história meta ficou mais complicada. Mais seres da Primeira Civilização apareceram, recomeçando brigas antigas entre eles. Te desafio a ler esse resumo da Juno, um ser que quer acabar com a humanidade, numa sentada só. Tinha uma ex-cobaia misteriosa do Antimus. Ah, e o Desmond começa a ter visões proféticas. Isso sem falar nos pedaços dispersos entre os spin-offs e romances, como se a mitologia de Assassin's Creed merecesse tanta história assim.

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A Ubisoft continua não entendendo o ponto. As partes “modernas” de Assassin's Creed eram fases que sofríamos para passar, só esperando voltar ao passado. Essa é uma grande parte do que fez Assassin's Creed se queimar no final, exigindo que Origins recuasse até um ponto em que parecesse novo, e livre das complicações da própria história.

Assassin's Creed III, uma sequência que tem suas falhas mas é interessantemente ambiciosa, duplicou tudo que a série construiu, enquanto tentava seguir em frente — do jeito mais frustrante possível. Você lembra o final de Assassin's Creed III? Eu lembro, cara. Eu estava lá. Joguei tudinho. Era uma merda muito louca, com uma exposição sem noção de dez minutos sendo vendida como uma conclusão para uma história que tinha começado cinco anos antes. Desmond nunca foi um personagem particularmente interessante, mas os jogadores que investiram centenas de horas na história dele mereciam algo melhor que aquilo.

A onda solar que eliminou a Primeira Civilização está de volta, e depois de descobrir uma chave que permite a Desmond entrar nas câmaras secretas dos Templários, Juno aparece e diz a Desmond que sua “chama” vai salvar o mundo. (Nesse ponto, Desmond não sabe que Juno é do mal, só outro holograma dizendo que ele é O Escolhido.) Aí entra Minerva, que diz que Juno é uma conquistadora e dá duas escolhas para Desmond: permitir que a onda solar atinja a terra e tentar construiu uma civilização melhor, ou libertar Juno, que vai impedir a onda solar, mas provavelmente também vai escravizar a humanidade.

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Naturalmente, Desmond escolhe libertar Juno — na cabeça dele, isso vai dar à humanidade a chance de derrotá-la. A Terra é salva da onda solar, sim, mas Desmond está morto e Juno, um holograma psicopata com poderes inimagináveis, está à solta.

“Está feito”, diz Juno, enquanto sai, presumivelmente para dominar o mundo. “O mundo está salvo. Você fez seu papel, Desmond. Agora é hora de fazer o meu.”

Você acha que os jogos posteriores de Assassin's Creed fariam alguma coisa (qualquer coisa) com esse desenvolvimento gigantesco, mas a coisa ficou esquecida. Entre Black Flag, Syndicate e Unity — os três maiores lançamentos desde Assassin's Creed III — houve pouco movimento na história principal com Juno. E tem uma razão para isso: essa história é um lixo.

Claro, Assassin's Creed não é a única franquia a começar a desabar sob o peso da própria mitologia. Resident Evil 7 praticamente não tem nada a ver com os seis jogos principais que vieram antes, mas ainda acontece no mesmo universo. A Capcom navegou pelos desenvolvimentos cada vez mais grandiosos e pouco interessantes da série simplesmente colocando Resident Evil 7 o mais longe possível deles. Meu maior medo com inevitável Resident Evil 8, seja o que for, é que eles vão cair nas mesmas armadilhas de novo; as horas finais ruins de Resident Evil 7 sugerem que a Capcom ainda não aprendeu a lição.

Origins faz algo similar, se colocando bem longe no passado, antes das complicações da série. Mas as fundações de Assassin's Creed não mudaram. Ainda há aparelhos mágicos escondidos pelo mundo, e pessoas no poder que querem usá-los para subjugar e dominar. A grande diferença com Origins é quão pouco o jogo tenta explicar o que está acontecendo. Se não está familiarizado com Assassin's Creed, você vai ficar imaginando por que existem essas cavernas high-tech no meio do nada com objetos que permitem que os humanos conjurem grandes ilusões. Esses momentos não vão aparecer até bem mais tarde no jogo, já que os roteiristas acharam que tinham que enfiá-los na história, mas eles também dão zero contexto ou explicação. Eles existem… porque sim.

Muito disso nem aparece na história principal — é opcional. Se você quer saber mais sobre o que aconteceu (e a principal razão para a história rolar no “presente”) você pode acessar um laptop com arquivos de pessoas ligadas à série. Beleza, então.

Mas por quê? Quem quer saber mais sobre Juno, Minerva e sei lá mais quem? Estou mais interessado em Aya, Bayek e no futuro do Egito. Se Origins é um campo neutro — deixando as coisas sobrenaturais num mínimo — acho que esse é um passo na direção certa, mas também acredito que a série deveria deixar todo esse lixo para trás e focar no que sempre foi sua grande força: deixar os jogadores serem parte de histórias dentro da história.

Tem muita coisa para tirar do passado da Terra em vez de civilizações imaginárias.

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