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Música

Discos: TM404

Ninguém quereria ter em casa um sintetizador que anuncia a morte duas vezes.

TM404
Kontra-Musik Records
9/10 É comum para um criador formar um percurso em arco de modo pouco consciente e muito mais perceptível para o público que o acompanha à distância. Os compositores de música electrónica não são excepção neste caso. Nos trajectos que percorrem, o tal arco é ainda mais acentuado, porque há um tempo, muitas vezes limitado, em que os mais inovadores produtores conseguem antecipar a chegada de uma sonoridade fresca, que só três ou quatro anos mais tarde estará perfeitamente instalada. O trabalho do produtor envolve muitas vezes partes semelhantes de adivinhar o que se segue e aplicar as lições do que já foi. E assim fica estendido o tipo de tapete vermelho que deve ser reservado a um figurão como o que se segue. Andreas Tilliander, rapaz sueco multiplicado por vários pseudónimos, merece mais que nunca este tipo de honra, porque chegou ao ponto mais alto do seu arco com este novo projecto chamado TM404. Se o nome vos parece inspirado por um qualquer modelo dos sintetizadores Roland, então a scooter e os rebuçados são vossos, porque esse é o palpite certo. O modelo TM404, contudo, nunca chegou a ser fabricado, porque dizer “quatro” no Japão (“chi”) pode levar a uma confusão com a palavra “morte”. E ninguém quereria ter em casa um sintetizador que anuncia a morte duas vezes, ainda que esse fosse um óptimo argumento para um filme do Takashi Miike. Tentar fazer piadas mórbidas representa uma perda de tempo, quando há tanto para dizer sobre a bomba que é o álbum de estreia homónimo de TM404. Completamente gravado ao vivo, em sintetizadores Roland, e sem qualquer pós-produção, TM404 alterna entre passagens reminiscentes da verdadeira acid old-school e outras mais chegadas à dub. O que importa salientar é que, independentemente da área explorada, TM404 reduz as coisas ao essencial e cada uma das suas faixas parece um esqueleto de ritmos a tentar convencer a cabeça a ir dar uma volta com ele. Há motivos de sobra para uma pessoa se perder em TM404, que tão depressa soa a música de sauna, pronta para uma cena que nunca existiu no Blade Runner, como conduz de novo a lugares perdidos da velha Europa, onde a electrónica raramente chega (tal como Wolfgang Voigt invocava a imensa Floresta Negra para os seus discos de Gas). Andreas Tilliander encontra-se no auge das suas capacidades e colhe agora os frutos de uma viagem diversificada pela electrónica (que o levou por algumas das mais importantes labels do género). TM404 é um disco tremendo de tão lúcido e poderoso, e não ganha aquele nove lá em cima só por acaso.