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cinema

Falei com o gajo que escreveu o guião do Argo

Há muito mais nesta história.

Fotografia gentilmente cedida pela Flatbush Pictures (retirada do documentário [Science Fiction Land](http:// http://scifilandmovie.com/)). No seu discurso choramingas de aceitação do Óscar de melhor filme, Ben Affleck agradeceu aos chefões de Hollywood, mas esqueceu-se de mencionar a pessoa que tornou o Argo possível: Barry Ira Geller. Em 1979, Geller escreveu Lord of Light, uma adaptação da novela de ficção científica de Roger Zelazny, que ganhou um prémio Hugo. O título passou a chamar-se Argo quando a CIA evacuou seis diplomatas do Irão, convertendo-os numa equipa de filmagens. Mas a questão central no filme de Ben Affleck é que o guião não era só uma piada sem sentido. Era o ponto de partida para um sonho que mudaria o mundo. Com a ajuda de visionários da ficção científica (Ray Bradbury, Paola Solari e o artista Jack Kirby), Geller usou o guião para ajudar a construir um parque temático chamado Science Fiction Land. Em tempos, o parque tinha sido o lugar onde os melhores cientistas mostravam as suas engenhocas ao público. Por outras palavras, teria sido muito melhor do que o Argo. (Um amigo meu descreveu a situação dizendo: “Talvez isto me torne numa má pessoa, mas gostaria de viver num universo alternativo, onde este parque existisse e onde tivessem morrido alguns americanos no Irão.”) Agora que o parque temático está morto e enterrado há muito tempo, o entusiasmo gerado pelos Óscares fez com que Geller arrancasse com um documentário sobre o Science Fiction Land. VICE: Olá, Barry. Conta-nos tudo sobre o Science Fiction Land.
Barry Ira Geller: Trabalhei com vários engenheiros para utilizar a tecnologia da levitação magnética. O comboio de alta velocidade japonês estava a usar esse sistema. Se quisesses ir a um sítio qualquer, sentavas-te num carro, carregavas num botão e ias a voar até onde quisesses. A maneira como funciona é muito simples, existem umas pistas metálicas por baixo do solo. Projectámos holografias de paisagens exteriores nos edifícios. O parque ia estar dentro de uma enorme cúpula de cristal, como o Buckminister Fuller, que flutuaria dependendo das alterações exteriores e interiores do tempo. De que tipo de orçamento estamos aqui falar?
É aqui que começam os problemas. Iria custar 500 milhões de dólares. Podes explicar a relação entre o filme e o parque?
Primeiro, criou-se o parque para gerar a financiamento para os filmes. Quando vendes um filme, tens publicidade. Estava a fazer o mesmo, mas em larga escala. Todo o dinheiro para financiar o filme vinha dos espaços de restaurantes em países diferentes, vendendo concessões e reunindo patrocínios. Pessoalmente, reuni meio milhão ou mais, apenas com investidores privados e associações limitadas. Um dos modelos do parque de Jack Kirby. Quando é que tudo se lixou?
O meu produtor tinha ligações com o submundo e a sua real intenção com o projecto era conseguir o seu próprio código postal. Também o apanharam a roubar 50 mil dólares a um dos investidores privados, tinha documentação duvidosa de bancos canadienses e o FBI apanhou-o. Uma grande trabalhada. Mas eu fiquei tranquilo quando descobriram que a minha assinatura tinha sido falsificada em muitos documentos desse. O produtor é que foi preso. Depois disso, o guião ficou parado?
O John Chambers [o maquilhador de Argo, papel interpretado pelo John Goodman] e eu falámos sobre possíveis actores. Eu preferia o Marlon Branco, ainda que estivesse preocupado com a sua idade. O John disse que tinha inventado uma coisa que fazia com que as pessoas parecessem mais jovens e que já o tinha experimentado na CIA. Olhei-o e disse: “Claro que sim, John.” E voltámos ao trabalho. Mas não fomos mais longe. Naquele momento, também pensei no Walter Hill e noutros que podia dirigir. Mas depois de tudo ter ficado na merda, o John deu um guião ao Tony Mendez [Ben Affleck]. Mas há alguma coisa errada no Argo?
Tentei corrigir meia dúzia de erros na página da Wikipedia do Argo que desapareceram em questão de minutos. Deves saber quem fez isso. Bem, na realidade não sei quem. Mas, obviamente, é alguém que quer proteger a sua própria versão da história. No filme, os planos são expostos meia hora antes da partida, mas na verdade, isso aconteceu um mês antes. Os desenhos de Jack não eram para ser os da rodagem, mas sim os desenhos do parque temático. Se tiveres atenção, vês que estão a 100 metros de altura. Não são desenhos de produção. Além disso, dizem que compraram os direitos do guião. Não compraram nada. O verdadeiro Tony Mendez admitiu-o em algumas entrevistas. Ele mesmo diz: “Roubei o guião do Lord of Light.” Chega? No filme dizem que compraram os direitos?
Sim, dizem. E serve para que a personagem de Ben Affleck seja um homem honesto e honrado. Tudo isto é ideia dele e foi tudo feito de forma legal. O problema é que nada disto foi assim. Que devia ter feito o Ben Affleck e a sua equipa?
Quando o George Clooney comprou os direitos do artigo da revista Wired, estava no seu direito de inventar o que quisesse. Tal como eu quando comprei os direitos de Lord of Light, tinha o direito de criar algo a partir dali. Não me queixo disso. Mas tinha sido muito melhor se tivessem descrito a realidade ou que tivessem posto uma nota final no filme. Não é suposto que lhes custe tanto dar crédito aos artistas que realmente fizeram o guião. O Argo não existiria sem o guião do Lord of Light porque isso foi o que fez que fosse um plano incrível. Não podes conduzir um carro sem motor. É a mesma coisa aqui. Ao fim ao cabo, estou contente porque essas pessoas foram salvas graças à minha imaginação.