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​A roteirista Petra Leão fala sobre o ataque de internautas revoltados ao reproduzir frase feminista na HQ ‘Turma da Mônica Jovem’

A expressão ‘meu corpo, minhas regras’ na edição nº 94 foi tirada de contexto por internautas raivosos que acusaram a roteirista de “abortista”.
Imagem cortesia da 'Turma da Mônica Jovem'.

"Meu corpo, minhas regras," brada Mônica, uma das personagens mais populares do público infanto-juvenil, para seus amigos que estão dando pitaco sobre seus icônicos dentinhos protuberantes. A frase é um slogan conhecido já para quem está familiarizado com o movimento feminista e foi tirada de contexto na história 'Dentuça, Eu?', parte da edição nº 94 da Turma da Mônica Jovem. Foi o suficiente para servir como álibi para os agressores atacarem a roteirista Petra Leão, dizendo que seu discurso é "abortista".

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Começou com um post do astrólogo Olavo de Carvalho, que, como de costume, botou sua fraca mente para funcionar com pitadas de teoria da conspiração sobre comunistas, dizendo que a Maurício de Sousa Produções estava querendo injetar um discurso sobre o aborto na mente das inocentes crianças. Mesmo a história sendo sobre dentes. Batata, logo uma legião de seguidores e admiradores do Bolsonaro começaram a atacar pessoalmente a roteirista nas redes sociais. "Comecei a receber mensagens grosseiras pelo Twitter. Até então, eu nem sequer fazia ideia que alguém podia atribuir qualquer outro sentido ao quadrinho, que não fosse a mensagem original: que no corpo de uma pessoa (homem ou mulher), apenas a própria pessoa pode mandar," relata Petra que trabalha na MSP desde 2008 fazendo a Turma da Mônica Jovem e, mais recentemente, Chico Bento Moço e na Revista Tina.

"Recebi muitas mensagens agressivas, principalmente com ofensas pessoais e ameaças à minha carreira (e algumas à minha integridade física). Espalharam até umas fotomontagens usando meu rosto, pra me difamar e manchar minha imagem mesmo. Precisei trancar meus perfis nas redes sociais para impedir que pegassem fotos, posts e tweets meus e tirassem de contexto, da mesma forma como fizeram com o quadrinho".

Imagem via Reprodução/Facebook.

Cabe lembrar que era uma história sobre dentes. Mas, ainda assim, muitos deliraram que o dente, na verdade, era comparável a uma criança prestes a ser abortada. Alguns internautas escreveram que Leão fez isso porque é uma notória feminista. "As pessoas parecem ter receio da palavra 'feminismo,'" conta, "por atribuírem a ela diversos sentidos que não são o do real significado da palavra, que é apenas a defesa de que homens e mulheres devem ter os mesmos direitos".

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"Posso dizer que abordamos diversas vezes assuntos tidos como feministas, sim. Porque nossa protagonista é uma personagem feminina e essa realidade faz parte da vivência de qualquer mulher, e simplesmente porque, a meu ver, é só uma questão de bom senso (é difícil crer que alguém possa discordar de que todos merecem ter direitos iguais, não?)."

Segundo o também roteirista da Maurício de Sousa Produções, Marcelo Cassaro, por um erro de edição o nome dele também constou como autor da história, mas ninguém o atacou. "Tirem suas conclusões sobre a não-existência de machismo no meio nerd, ou sobre a valentia dos agressores," publicou em uma de suas redes sociais. A roteirista também é cosplayer e diz que, assim como muitas mulheres do meio nerd, já se viu em situações sexistas por ser um lugar dominado por homens. "É algo tão enraizado socialmente que, às vezes, nem os próprios caras percebem que estão sendo machistas… o que, é claro, não justifica, mas deveria, sim, estimular esses rapazes a tentarem entender como não agir mais assim".

O delírio foi tamanho que a página oficial da Turma da Mônica Jovem fez um post explicando o contexto da história e que "há mais de 50 anos, as histórias em quadrinhos da Mauricio de Sousa Produções são feitas para divertir e entreter, mas também para levantar discussões saudáveis, sempre com muito respeito a todos". A própria Petra diz que é uma diretriz interna da MSP que as histórias devem evitar tocar em temas políticos "porque respeita seu público e sabe que ele é formado por pessoas com os mais diversos posicionamentos".

De qualquer forma, algum tempo atrás a própria personagem já foi reconhecida como uma girl power brasileira por combater o bullying de seus coleguinhas que a chamavam de balofa ou dentuça e também desfazendo os planos infalíveis do Cebolinha. "Desde pequenininha, a Mônica mostra que não se deve levar desaforo pra casa, que não aceita ser menosprezada por ninguém", finaliza Petra.

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