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Disenteria, Mercenários e uma Visita ao Inferno

O livro novo do James Brabazon delineia sua transição de um cara que tirava fotos de zonas de guerra horríveis para uma pessoa que fez filmes enquanto tomava tiros, foi seguido por esquadrões da morte e quase foi envolvido em um dos erros políticos...

O livro novo do James Brabazon, My Friend the Mercenary, delineia sua transição de um cara que tirava fotos de zonas de guerra horríveis para uma pessoa que fez filmes enquanto tomava tiros, foi seguido por esquadrões da morte e quase foi envolvido em um dos erros políticos mais prolíficos da última década. Fomos sortudos o bastante para encontrá-lo e ter uma conversa sobre o tempo em que ele passou na Libéria e sua relação com o mercenário Nick Du Toit. Foi um longo bate-papo, então nesse link está a segunda parte.

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Retrato por Paul Herbst

Vice: Fala pra gente qual foi o ponto de virada da série de eventos que trouxe você até aqui agora, lançando um livro sobre um golpe fracassado na Guiné Equatorial, e como conseguiu não ser preso na cadeia conhecida como a mais horrível do mundo?
James Brabazon: Em maio de 2002, queria ir para a Libéria fazer um documentário sobre a guerra civil de lá. Uma guerra civil à qual muitos comentaristas sêniors, a ONU e governos nacionais não tinham acesso para entender muito. Muita gente contestou até mesmo se a guerra estava de fato acontecendo. Eu já tinha ouvido falar sobre o conflito entre o presidente Charles Taylor e um grupo rebelde liberiano chamado LURD, que estava lutando pra tomar o poder. Estava começando minha carreira como documentarista, e achei que esse seria um grande furo, não só filmar uma guerra que ninguém mais tinha filmado ou visto, mas que a maioria das pessoas nem conhecia. Acima de tudo, era uma história muito importante para ser contada.

Então, como você se sentiu sobre ir para a Libéria?
Fui como um produtor de notícias. Levei um câmeraman e um engenheiro de som comigo, e um guarda-costas, Nick Du Toit, um coronel reformado das forças especiais da África do Sul. Ficamos muito amigos. Um ano depois ele foi procurado por Simon Mann pra ajudar a derrubar o governo da Guiné Equatorial. Nick me perguntou não só se eu iria filmar a operação, mas se iria participar dela. Mas vou chegar nisso mais tarde.

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Como vocês ficaram tão próximos?
O Nick e eu ficamos amigos, primeiro, por necessidade. Fomos a uma viagem de três semanas um tanto ingenuamente. Depois de três semanas, não tínhamos visto combates, e os contratos com o câmera e o engenheiro de som tinham acabado. Eles também ficaram meio que seriamente feridos durante a caminhada pela floresta; voltaram pra casa. Quando o câmeramen foi, me deixou uma câmera de vídeo, uma caixa de fitas, algumas baterias e um carregador. No dia seguinte, fiz minhas primeiras imagens de TV. Algumas semanas depois, a produtora com a qual tinha ido não poderia mais bancar o projeto. Disseram-me que eu não receberia a quantia pela viagem, e também que o Nick não poderia ser mais pago, e que a base de apoio que tínhamos em Serra Leoa também deixaria de existir. Então tive que dizer ao Nick – que, àquela altura, estava vestindo um traje de guerra da África do Sul, tinha uma AK-47 no colo, e 300 cartuchos de munição em volta do corpo – que ele não seria mais pago. Sua reação foi caracteristicamente generosa. Disse: "Você não tem imagens de combate, não pode vender o projeto. Não fez o que veio fazer, então vamos continuar."

E como foi a partir daí?
Tive uma bela disenteria. O Nick ficou muito doente, mas se recuperou. Chegou uma hora que eu achei que ele tivesse morrido. Aí eu peguei. Foi uma cepa violenta de disenteria amebiana. Basicamente, Nick tinha que me carregar para fora da cabana para uma vala próxima e me segurar pelos pulsos enquanto eu cagava. Depois de fazer isso algumas vezes, basicamente ou se vira amigo ou não. Naquela altura tínhamos ficado muito próximos. Fora isso, tivemos uma quantia exponencial de experiências de quase-morte juntos, nas quais ele interveio diretamente pra salvar minha vida. Eu não só devia-lhe minha vida, mas também o sucesso do projeto que ele concordou em continuar sem receber. Foi isso que o levou a perguntar se eu me envolveria no seu golpe.

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Um James emaciado ao final da primeira viagem para Libéria © James Brabazon

O que você fazia antes da viagem pra Libéria?
Eu era um fotógrafo, fazia reportagens, e foi isso que me levou a Serra Leoa um ano antes da viagem para a Libéria, na qual conheci alguns mercenários do Executive Outcomes. Um deles me apresentou pro Nick. A Libéria foi minha primeira experiência de aglomeração de combate. Eu fiz stills durante aquela guerra. Foi extremamente intenso. Na frente de Badme, acho que era algo em torno de 5 mil cartuchos de artilharia por hora; era como viver num terremoto. Fomos para o campo de batalha em Tsorona, que parecia como estar numa Primeira Guerra Mundial Africana – inúmeros corpos. Estive no Kosovo, nos Bálcãs, em guerras anteriores, várias vezes. Mas nada como a Libéria. Essa foi a primeira vez em que pessoas tentaram me matar a queima-roupa.

Você estava com o fotógrafo Tim Hetherington na Libéria, certo? Como você foi se unir a ele?
O Tim me tirou do nada, ainda que já tivéssemos conhecido pessoas em comum em Serra Leoa. Ele me pediu para levá-lo encontrar os rebeldes. Disse não. Por que eu iria querer comprometer minha exclusividade nessa história? Mas depois voltei em uma viagem maior de filmagem, e ficou evidente que eu iria precisar de toda a ajuda que conseguisse, e precisaria de alguém filmando tão bem quanto eu. Isso era um dos features do filme que estava fazendo. Tim e eu nos encontramos, e ele era um cara excelente, muito talentoso. Ele trabalha de um jeito que nenhum outro fotógrafo faz. Coloquei ele no projeto, grandiosamente, como meu assistente de produção para filmar b-roll. Ele tinha ido por conta própria fazer um ótimo filme sobre o Afeganistão e empilhou um monte de prêmios de fotografia.

Você fala dos rebeldes sendo muito mais organizados do que são retratados em outros lugares. Geralmente falam deles como uma mistura violenta de homens e crianças sem organização formal. Como você vê os rebeldes depois de ter passado tanto tempo com eles?
A ideia de que os rebeldes da Libéria eram uma caricatura caótica de um exército rebelde africano é coisa de jornalismo preguiçoso. É baseada em coisas escritas por pessoas que ou não estiveram lá ou não entenderam o que estava acontecendo. Essa é uma das falhas fundamentais do jornalismo de guerra. Geralmente espera-se do repórter que providencie uma análise profunda da totalidade do conflito, mas, na verdade, quando se está em terra assistindo o andamento do conflito, você entende cerca de 100 metros quadrados daquela guerra a cada vez. O combate é aterrorizante – pessoas correndo pra todos os lados, cometendo todos os tipos de atrocidades (legalmente ou não). Esses medo e confusão acontecem no meio de um exército rebelde ou do exército britânico. Mas se você olhar para as forças rebeldes da Libéria, como elas foram constituídas, divididas em unidades, vai ver honrarias por ranqueamento, continências e um sistema inteiro de disciplina militar. É muito diferente do como eles foram retratados. Não eram viciados em droga furiosos sedentos por sangue. Estavam lutando por algo. Havia um esprit de corps muito forte. Mas mesmo que você concorde com o que estão lutando, a maneira como o fazem é outra questão. Eles viviam no mato, comiam um punhado de arroz por dia e algumas folhas de mandioca cozidas. Não era uma vida boa. Tinham uma vida muito dura, lutando uma guerra extremamente impopular. Mas faziam isso porque acreditavam ser o certo. Discordo plenamente de muitas das suas motivações, e de quase todas as suas táticas, mas é insano assumir que o conflito todo foi só uma série de assassinatos aleatórios e bárbaros. Era um conflito nascido de uma longa história. É também uma questão de ponto de vista. Os rebeldes tinham várias diferentes razões para lutar: lealdade familiar, alguns passavam fome, outros não tinham mais nada o que fazer, mas todos tinham motivos simples e objetivos que queriam alcançar.

Em controversa, diria que por mais terrível que o exército rebelde tenha sido, quaisquer que sejam as atrocidades que eles cometeram, se não tivessem lutado contra o presidente Taylor, não acredito que teríamos um governo democraticamente eleito na Libéria hoje. O governo atual só é capaz de existir porque a LURD combateu Taylor. Um governo LURD teria sido diferente apenas no nome do de Taylor, mas a luta permitiu que a democracia enraizasse. Qualquer um que disser o contrário, vou dizer que não entendeu o ponto de tudo isso.

Você já voltou pra Libéria depois da guerra?
Já. Fiz quatro filmes lá. Voltei em 2003, durante o governo de transição, e até encontrei o oficial da Libéria que tinha sido encarregado da minha execução.

Disenteria, Mercenários e uma Visita Ao Inferno - Parte 2