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A crônica de uma anistia denunciada

A derrotada “anistia ao caixa dois” desgastou inutilmente a imagem da Câmara e serviu para abalar ainda mais o governo Temer.

Renan, Temer e Maia na coletiva do último domingo (27), quando o presidente disse que iria vetar a anistia ao caixa dois. Foto: Agência Brasil.

O imbróglio legislativo mais ruidoso dos últimos meses terminou com uma promessa irredutível neste domingo (27). Depois que, na quinta-feira (24) os deputados da Câmara tentaram passar o conjunto de leis batizados de "dez medidas contra a corrupção" com uma cláusula extra, que serviria para "anistiar" o chamado "caixa dois", dinheiro usado por partidos e políticos durante a campanha eleitoral e não declarado ao TSE e à Receita, o presidente Michel Temer convocou uma coletiva de imprensa ao lado dos presidentes da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ) e do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL) para garantir que, se tal anistia passasse, ela seria vetada.

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Até então não existe crime específico de caixa dois, prática que tem estado no centro do debate público desde o mensalão. Segundo a lei eleitoral atual, pode ser punido com até cinco anos de detenção quem omitir documentos de prestação de contas eleitorais e, além disso, se a origem do dinheiro for ilícita, pode ser enquadrada em outros crimes, como prevaricação ou corrupção.

Durante a sessão de quinta, PSOL e Rede teriam denunciado um acordo entre os partidos maiores da Câmara para incluir na nova lei um artigo sobre a anistia. Segundoo Poder 360, o texto a ser apresentado seria o seguinte: "Art. X. Não será punível nas esferas penal, civil e eleitoral, doação contabilizada, não contabilizada ou não declarada, omitida ou ocultada de bens, valores ou serviços, para financiamento de atividade político-partidária ou eleitoral realizada até a data da publicação desta lei".

Os protestos de PSOL e Rede geraram uma onda de indignação nas redes sociais que chegou a impactar o governo Temer, já abalado com o caso Geddel. A grita contra a "anistia ao caixa dois" virou tema à direita e à esquerda, e com a imprensa no cangote, Maia adiou a sessão sobre a lei para esta terça-feira (29). A questão toda é a seguinte: pelo chamado "ordenamento jurídico" em vigor no Brasil hoje, ninguém pode ser condenado retroativamente por algo que até então não seria crime — uma nova lei só pode atingir alguém se essa pessoa for beneficiada por ela. Ou seja, qual é o interesse dos deputados em criar uma anistia para crimes que ainda não existem? Aliás, vale comprar esse desgaste político todo em nome de uma anistia para nada?

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Para começar, o mais interessante é que o tal artigo da anistia não tem pai — ninguém quer assumir sua responsabilidade, mas fala-se, nas colunas de fofoca política, sobre um acordão entre PMDB, centrão, direita (PSDB, DEM) e a antiga esquerda (PT e PcdoB) para embutir o artigo.

Mesmo assim, seria quase bobo comprar uma briga dessas para um artigo sem efeito. Especialistas consultados pela BBC acreditam que não existe como o artigo da anistia anular crimes anteriores, uma vez que a tipificação atual de caixa dois é nova. Silvana Batini, professora de direito eleitoral da FGV-Rio, acha que com isso os deputados querem "ganhar tempo". O deputado Carlos Marun (PMDB-RS), grande defensor de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), acredita que a Câmara gostaria apenas de "deixar claro o que já deveria estar claro", ou seja, garantir em lei que a nova punição não retroagiria.

Outros apostam que o próprio texto do artigo de anistia, bastante amplo, serviria para anistiar outros crimes, como lavagem de dinheiro. Sergio Moro, juiz responsável pela Lava Jato, afirmou em nota que a anistia limparia a barra de "condutas de corrupção e de lavagem de dinheiro praticadas na forma de doações eleitorais, registradas ou não". Deltan Dallagnol, procurador da Lava Jato responsável pela criação do termo "propinocracia", o PPT do Lula e principal defensor das "dez medidas", fez coro com Moro em entrevista nesta segunda. "A proposta que se fez de anistia não é uma proposta de anistia a caixa dois. É uma proposta de anistia a crimes relacionados ao caixa dois, redigida de modo tal a permitir — na verdade, o que se quer — garantir anistia da corrupção e lavagem dinheiro, inclusive praticados na Lava Jato", disse.

A questão é que a tal anistia, seja "ampla, geral e irrestrita", como poderiam imaginar uns, seja limitada ao caixa dois, não tem mais espaço para sobreviver depois da coletiva de domingo. De qualquer forma, o texto final do pacote anticorrupção volta a ser votado nesta terça-feira (28), e desde a votação do impeachment de Dilma a Câmara não estava tão fortemente vigiada pelos eleitores. No final das contas a reposta legislativa para "estancar a sangria" da Lava Jato terá que ser outra.

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