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Refugiados Sírios Estão Indo Para a Europa – Com a Ajuda de Contrabandistas

Na Síria, 5 mil vítimas dos conflitos morrem todo mês, enquanto 7 mil pessoas fogem de lá todos os dias.

Porto de Esmirna, Turquia. (Foto via)

“Não sou um contrabandista”, diz um homem chamado Abu Khaled, do outro lado de uma ligação chiada, “mas posso levar você para a Europa por determinado preço”.

Eu estava sentado em silêncio do lado de Abdul, um refugiado sírio de 19 anos. Estávamos em minha casa, em Istambul, e Abdul estava falando com um recrutador de uma rede de tráfico de pessoas que opera em Esmirna, uma cidade na costa do Mar Egeu na Turquia.

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“Vamos pelo mar”, disse Abu Khaled. “Carregamos navios cargueiros que vão para a Itália toda semana, e antes que eles zarpem, escondemos duas pessoas num contêiner.”

De acordo com uma estimativa feita pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (UNHCR em inglês), mais de 7 mil pessoas fogem da Síria por dia. Enquanto o número de vítimas do conflito é mais agudo em mortes – cerca de 5 mil pessoas morrem lá por mês – a crise de refugiados está começando a se tornar uma preocupação internacional.

A maior parte dos sírios foge para países vizinhos como o Líbano (com um milhão de refugiados), Turquia (com 700 mil) e Jordânia (560 mil), mas com a recusa em oferecer assentamentos permanentes para os refugiados, os sírios são impedidos de recomeçar suas vidas legalmente nessas novas comunidades e acabam definhando por anos em campos de refugiados.

Com os vizinhos da Síria enfrentando cada vez mais dificuldades para lidar com o declínio de condições humanitárias e políticas nos campos de refugiados, muitos sírios estão visitando consulados europeus e pedindo proteção.

Mas os países europeus estão demorando para implementar qualquer estratégia de reassentamento, o que só favorece os contrabandistas, de acordo com ativistas e ONGs.

Dr. George Joseph, representante do Caritas Sweden – uma ONG internacional que luta pelos direitos dos migrantes – me disse que deve haver uma maneira legal de permitir que civis escapem de perseguição. E embora existam discussões sobre fornecer vistos humanitários ou remover restrições de visto para vítimas da guerra, a agenda de policiamento pesado das fronteiras europeias sufocou qualquer desejo político de endossar essas propostas.

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“Se a União Europeia não quer endossar implicitamente o contrabando internacional de pessoas e ver gente morrendo no processo, ela deve criar maneiras legais de não criminalizar aqueles que estão fugindo para a Europa”, disse o Dr. Joseph.

A Suécia foi o único país a autorizar residências permanentes para sírios. Conseguir uma residência permanente é essencial, pois favorece a reunificação de famílias, uma política que permite que os refugiados tragam suas famílias da Síria ou de países vizinhos. No entanto, alcançar a Suécia continua sendo um grande obstáculo.

Enquanto isso, a Alemanha forneceu a segunda maior resposta humanitária, oferecendo residências de dois anos para 5 mil sírios.

“Isso é uma gota no oceano”, disse o Dr. Joseph. “E, apesar de uma vida salva ser uma vida salva, a sociedade civil precisa de um entendimento melhor da crise para pedir por uma solução mais substancial.”

Além disso, a residência temporária proíbe qualquer canal legal para a reunificação de famílias. Stefan Kessler, oficial do Jesuit Refugee Service (JRS) na Europa, uma ONG internacional católica que apoia refugiados do mundo todo, descreveu os obstáculos enfrentados pelos sírios na Alemanha.

“Imagine que um sírio já está na Alemanha”, disse Kessler. “Imagine que ele queira trazer toda sua família da Síria. Ele quer se reunir a eles. No momento, isso é quase impossível. Então, o que ele pode fazer além de confiar em contrabandistas?”

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Confiar em contrabandistas é precisamente o que Ali, um sírio-palestino, foi forçado a fazer. Disseram a Ali que ele seria colocado num navio cargueiro com destino à Grécia. Mas depois de entregar o dinheiro, ele foi forçado a embarcar numa balsa inflável com mais 25 pessoas.

“Ele pegou os $2.500 (quase R$6.000) e nos deixou lá para morrer”, disse Ali. “Mas não morremos. Não sei como, mas conseguimos chegar lá.”

Da Grécia, Ali pagou mais $5.000 para outro contrabandista por uma passagem de avião e um passaporte, e de lá, por fim, conseguiu chegar a Suécia.

De acordo com a Convenção de Dublin, uma lei da União Europeia promulgada em 2003, as pessoas em busca de asilo devem solicitar refúgio no primeiro país que entrarem, então, esse país é responsável por tomar uma decisão de asilo, mesmo se a pessoa acabar em outro país da UE. Com Itália, Grécia e Espanha localizadas no exterior sul da UE, essas nações são relutantes em absorver grandes números de refugiados em busca de asilo.

Na Itália e Grécia, não há estratégias coerentes designadas num nível nacional para ajudar refugiados. Isso faz com que muitas pessoas se estabeleçam de forma precária em moradias irregulares e trabalhem por conta própria. Também é comum que menores desacompanhados e imigrantes irregulares sofram com a força excessiva da polícia antes de serem detidos em centros pouco higiênicos por meses, de acordo com Kessler.

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Além disso, não só esses países têm uma baixa capacidade para acomodar refugiados como também têm as menores taxas de aprovação de asilo. Consequentemente, guardas das fronteiras nacionais evitam registrar sírios e os encorajam a continuar até outros países. E para pessoas que estão fugindo de uma guerra, a xenofobia não intencional tem ajudado muitos a evitar os procedimentos de asilo torturantes do Mediterrâneo. Mas enquanto os sírios buscam um novo começo, os contrabandistas tomam a dianteira.

“Acredite em mim, não sou um contrabandista”, Abu Khaled reitera pelo telefone. “É o negócio do meu sobrinho, não o meu. Mas por €6.500 (mais de R$20.000) posso te levar para a Europa. Acredite em mim, esse é um preço pequeno para um novo começo.”

No entanto, esse é um preço que muitos não podem pagar.

Omar, um sírio de 26 anos que vive na província turca de Antakya, gostaria de poder. “Eu iria se pudesse”, Omar me disse por telefone. “Mas não posso. Nunca vou conseguir juntar tanto dinheiro.”

Com os sírios fugindo da crise no Egito, o Líbano à beira do conflito, a Jordânia incapaz de ajudar e a Turquia estendendo sua capacidade até limites sem precedentes, uma estratégia de reassentamento em larga escala parece ser imperativo. No entanto, essa resposta é muito improvável.

“Imagine se 27 ou 28 países ficassem com 3 ou 4 mil pessoas”, disse o Dr. Joseph. “Isso não é um sonho extravagante – isso pode ser realidade se houver vontade política. Mas não podemos esperar mais. Temos que fazer isso agora.”

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“Não há muita esperança”, disse Kessler. “E tornando as coisas ainda piores, vários estados membros já reclamaram de ter muitos refugiados em seu território.”

De acordo com o UNHSCR, apenas 12 membros da União Europeia oferecem reassentamentos hoje, mas esses esforços correspondem a menos de 8% dos espaços de reassentamento oferecidos anualmente no mundo todo.

Durante a guerra do Iraque, neste século, as estratégias de reassentamento não eram muito melhores. De acordo com um relatório conduzido pelo Catholic Migration Committee em 2010, 12 países reassentaram 100 refugiados cada em 2007.

“Depois que minha casa em Yarmouk foi bombardeada, não tive outra escolha a não ser fugir”, disse Ali. “Vendi meu carro, todos os meus pertences e gastei as economias da família.”

E onde Ali teve sucesso, muitas pessoas morreram tentando. No dia 11 de outubro, um barco levando um grupo de sírios afundou na costa da Alexandria matando 12 pessoas. Apesar de o destino de Ali ter sido diferente, ele pensa no que teria acontecido com sua família se ele tivesse morrido.

Hoje, Ali anseia por rever a família, que deve ser reassentada em menos de dois meses. E enquanto espera, ele não perde a esperança no amanhã.

“Sou muito grato”, ele disse. “Sou grato porque meus filhos poderão ter um novo começo.”