O ciclo solar está influenciando o Estado Islâmico?
Crédito: NASA/Flickr

FYI.

This story is over 5 years old.

Tecnologia

O ciclo solar está influenciando o Estado Islâmico?

As tempestades geomagnéticas provocam muitas alterações na natureza. Para alguns cientistas, podem também afetar nossos cérebros e acelerar processos de destruição em massa.

Desde o início de suas investidas à região do Levante, no Oriente Médio, a ascensão do Estado Islâmico foi atribuída a várias figuras e eventos. Às vezes os culpados são Bush, Obama e Assad; noutras, a globalização, o hip hop e as anfetaminas. No final, tudo que o sol toca já foi culpado pelo nascimento do grupo terrorista — mas, ei, e quanto ao próprio sol?

Culpar uma bola de explosões termonucleares localizada a 150 milhões de quilômetros por um genocídio terrestre parece loucura. E talvez seja. Mas há, no meio científico, uma corrente de pesquisadores que acreditam no poder de influência do sol sobre nossos comportamentos. O primeiro cientista a crer nessa ideia, Alexander Tchijevsky (1897 - 1964), acabou condenado por Joseph Stalin a oito anos de trabalho forçado na Sibéria. De acordo com Tchijevsky, a fisiologia humana poderia ser reduzida a processos físico-químicos que seriam afetados pelo meio.

Publicidade

Nesse sentido, tudo que há na Terra — da ionosfera à biosfera — pode ser considerado como um só organismo em que todos os processos físico-químicos se relacionam entre si. Logo, as vicissitudes da história humana não ocorreriam num vácuo, e sim em harmonia com as leis da natureza.

Tchijevsky pensou então que era preciso estudar as leis naturais que comandam a história. Ele se focou nos ciclos naturais do sol que afetam a vida terrestre por meio de sua energia eletromagnética. Essa influência se torna clara durante tempestades geomagnéticas, causadas por ejeções de massa coronal — bolhas gigantescas de plasma magnetizado — e nas erupções solares que causam desde auroras boreais à falhas de satélites generalizadas.

Na visão de Tchijevsky, se todo e qualquer processo físico é capaz de afetar o planeta de forma regular (um critério importante, considerando que a história é cíclica), as perturbações eletromagnéticas causadas pelo ciclo solar do sol poderiam ser a resposta que buscava.

Sabemos que Tchijevsky foi perseguido a vida inteira por suas ideias polêmicas; mas e se sua teoria estiver correta? Será que pode nos ajudar a compreender conflitos atuais, como a ascensão do Estado Islâmico?

A atividade solar não escraviza os humanos ou os obriga a agir de determinada forma. Na realidade, ela só aumenta nossa vontade de fazer algo.

Tchijevsky completou seu PhD na Universidade de Moscou em 1918, um ano após a Revolução Russa. O tema de sua tese foi a "Periodicidade do Processo Mundial", um estudo da recorrência de certos eventos ao longo da história e as possíveis causas de tais reincidências — em outras palavras, uma explicação científica da natureza cíclica da história.

Publicidade

Tchijevsky expandiu sua tese ao longo dos anos ao determinar, no fim, que a causa dessa periodicidade histórica era a influência eletromagnética solar sobre a Terra. Para ser mais exato, ele associou a ocorrência regular de eventos históricos ao ciclo solar, relacionando batalhas, revoltas e revoluções com a ocorrência de erupções solares particularmente fortes.

Ao rastrear dezenas de fatos históricos ocorridos entre o século 5 AC e o ano de 1914, Tchijevsky descobriu que muitos episódios significativos aconteciam periodicamente. Além disso, os eventos correspondiam aos ciclos de 11 anos do sol, mudanças solares periódicas determinadas com base no número de manchas solares e nos níveis de radiação solar.

Os quatro períodos do ciclo solar

Ao recuar no tempo a partir de 1914, Tchijevsky dividiu a história humana em ciclos de 11 anos, cada um deles subdividido em quatro períodos: o período de excitação mínima, o crescimento da excitação, a excitação máxima e a queda da excitação.

O primeiro período dura três anos e é caracterizado pela indiferença das massas em relação à questões políticas e à soberania da elite. O segundo período dura dois anos e é marcado pela emergência de novas ideias e pela agitação das massas.

O terceiro período dura três anos e está relacionado à insurreições e revoltas. Esse período corresponde ao pico do ciclo solar, marcado pelo aumento número de manchas solares e pelo aumento de erupções solares e ejeções de massa coronal.

Publicidade

O último período também dura três anos e é caracterizado pela apatia popular e pela tendência à paz.

De acordo com Tchijevsky, esse esquema poderia explicar toda a história humana, das insurreições da Grécia Antiga à ascendência dos bolcheviques.

Embora Tchijevsky relacionasse o terceiro período de cada ciclo à guerras, revoltas e revoluções, ele nunca afirmou que a alta atividade solar durante tal período causasse, necessariamente, atos violentos.

Segundo o modelo de Tchijevsky, a atividade solar não escravizava ou obrigava os humanos a agir de determinada forma. Na verdade, ela simplesmente aumentava nossa vontade de fazer algo — o problema, segundo o cientista, é que as soluções sangrentas sempre parecem o caminho mais rápido.

A ciência por trás da teoria

Embora Tchijevsky tenha estudado meticulosamente milhares de eventos históricos e solares, ele nunca conseguiu comprovar a relação de casualidade entre as atividades humanas e o sol.

Entretanto, uma série de experiência feitas nos últimos anos mostram que talvez sua teoria não esteja tão errada.

Neurocientistas do MIT, nos Estados Unidos, descobriram que é possível usar imãs para manipular decisões morais, por exemplo, e pesquisas sobre o Estímulo Magnético Transcranial revelaram que o estímulo do cérebro com pulsos magnéticos pode aliviar sintomas de doenças como o Alzheimer e a depressão. Essas descobertas indicam que o corpo e a mente humana não são imunes aos efeitos do eletromagnetismo, uma das bases da teoria de Tchijevsky.

Publicidade

Há também quem apoie as ideias de Tchijevsky de forma mais direta. Entre eles está Abraham Liboff, professor emérito de física da Universidade de Oakland, nos Estados Unidos, que estuda os efeitos do eletromagnetismo na saúde humana desde os anos 60.

Ainda que Liboff não se considere um discípulo de Tchijevsky, sua obra faz parte do crescente grupo de pesquisas que buscam preencher as lacunas da teoria do cientista russo.

Liboff estuda os minúsculos campos magnéticos gerados por humanos afetados por outros campos magnéticos de frequência extremamente baixa (conhecidas como ELF) e pelas perturbações no campo magnético da Terra. Sua pesquisa envolve experiências sobre o efeito dessas perturbações no comportamento humano.

O pesquisador americano criou uma teoria eletromagnética da consciência. Nela, a consciência é um produto de pequenos campos magnéticos gerados pelos fluxos neuronais do cérebro. (Essa teoria tem certo respaldo científico; já foi comprovado que forças ínfimas podem gerar pequenos campos magnéticos.) Segundo Liboff, o campo magnético gerado pela atividade neuronal é minúsculo — algo por volta de 100 nanoTeslas— mas considerando que bilhões de interações neuronais ocorrem no cérebro a cada segundo, o resultado seria um campo elétrico consideravelmente maior.

Liboff concluiu, portanto, que esse campo elétrico (a soma de todos os campos magnéticos gerados pela atividade neuronal do cérebro em um dado momento) seria a consciência humana.

Publicidade

Caso ele esteja certo, isso significa que os minúsculos campos magnéticos gerados pelo cérebro podem ser afetados por outros campos ELF. Liboff desconfia que essa interação pode ter efeitos profundos na consciência individual, especialmente em situações onde duas pessoas têm muita intimidade — durante o sexo, por exemplo, ou quando um bebê ainda está no útero.

"Embora o indivíduo afetado não possa identificá-las conscientemente, é possível concluir que as oscilações magnéticas [pequenas mudanças no ambiente eletromagnético local] possam resultar em respostas fisiológicas similares aos efeitos gerados, por exemplo, pelo aumento da incidência de atividade solar", afirmou Liboff em um artigo publicado na Revista de Biologia Eletromagnética e Medicina.

Mas o que acontece no caso dos campos magnéticos gerados pela atividade solar — muito maiores do que aqueles gerados pelo cérebro?

Quanto a esse assunto, Liboff teorizou que a interação entre um campo magnético fraco (como o campo geomagnético da Terra) e os campos eletromagnéticos variáveis (como aqueles produzidos pela atividade solar) podem afetar a interação entre os íons e os mecanismos biológicos, influenciado, assim, o comportamento dos organismos vivos.

"No momento em que associamos as interações sociais aos campos magnéticos, tudo é possível"

Liboff afirma que o processo físico por trás desse efeito é a ressonância ciclotrônica, fenômeno no qual a energia é transferida de um campo eletromagnético variável (como aquele gerado pelo sol) para um íon.

Publicidade

Embora a ressonância ciclotrônica dos íons venha sendo de grande ajuda na medicina regenerativa ao promover o crescimento de células-tronco, por exemplo, não se sabe se ela é de fato responsável pelas mudanças psicológicas em humanos. Além disso, o próprio Liboff é o primeiro a admitir que suas teorias e evidências experimentais estão longe de serem amplamente aceitas.

"Não sou um seguidor do Tchijevsky", disse Liboff. "Penso nele como um prenúncio curioso da minha atual área de pesquisa. O que estou dizendo é que, em termos do efeito do sol nos organismos vivos, existe uma possível causalidade. Em outras palavras, talvez exista uma relação. A atividade solar já foi relacionada ao aumento nas taxas de suicídio, então por que não relacioná-la à agitação social?"

"É claro que a questão do Estado Islâmico está muito distante da teoria de Tchijevsky, mas no momento em que associamos as interações sociais aos campos magnéticos, tudo é possível."

O sol afeta as decisões do Estado Islâmico, afinal?

Se as tempestades solares podem nos influenciar biológica e psicologicamente, é lógico inferir que essa teoria seria capaz de explicar a ascensão do Estado Islâmico.

Segundo o índice Wolf, que define o ciclo solar do ano de 1755 como número 1, o sol está em seu 24º ciclo. Apesar de estarmos na metade de nosso atual ciclo solar, é possível observar uma certa semelhança entre os períodos de Tchijevsky e as ações do grupo terrorista.

Publicidade

Segundo essa teoria, o primeiro período do atual ciclo, iniciado em janeiro de 2008, deveria ser caracterizado por uma apatia política generalizada. A época foi de fato marcada por uma ausência de erupções solares, e a vida no Iraque e na Síria era relativamente pacífica.

O segundo período, ocorrido entre 2011 e 2013, seria caracterizado pela propagação de novas ideias e pela agitação das massas. O período foi marcado pela Primavera Árabe, no começo da guerra civil da Síria, e pelo movimento insurgente que daria origem ao Estado Islâmico.

O terceiro período, que começou em janeiro de 2013 e terminou em janeiro de 2016, prevê, em teoria, o ápice do conflito e da carnificina. Como podemos observar, esse período abrange as maiores vitórias do Estado Islâmico — como a invasão das cidades de Fallujah e Mosul — assim como uma campanha de bombardeamento ao grupo terrorista liderada pelos EUA.

Estamos hoje no início do quarto período, época de suposta calmaria. É cedo demais para cantar vitória, mas o exército iraquiano afirma ter expulsado as forças do EI da cidade de Ramadi.

Um membro das forças armadas do Iraque senta em um veículo blindado ao lado da bandeira nacional em 12 de fevereiro de 2016 após forças iraquianas terem tomado a parte oriental da cidade de Ramadi, no centro do Iraque. Forças governamentais tomaram a parte oriental da capital da província de Anbar após semanas de conflitos, e as autoridades afirmam que todas as áreas nas imediações da cidade já foram recuperadas. Crédito: AHMAD AL-RUBAYE/AFP/Getty Images

Existe também uma relação entre os últimos eventos solares e alguns dos maiores marcos da trajetória do Estado Islâmico.

Os fatos mais notáveis são as duas erupções solares que ocorreram nas semanas seguintes à criação do al-Nusra, que se uniria ao EI no ano seguinte, assim como a série de erupções classe X que seguiram os assaltos às prisões do mesmo grupo terrorista em julho de 2012.

Publicidade

É bom acrescentar porém que, ao longo dos últimos dois ciclos solares, houve 97 eventos solares de alta magnitude (classificados como M e X), então é bem provável que algumas dessas erupções solares correspondessem a eventos marcantes da história do Estado Islâmico.

Tchijevsky vai à Sibéria

Apesar desses poucos indícios, culpar o sol pela ascensão do EI criaria um grande rebuliço nos círculos políticos e científicos. Foi exatamente isso que aconteceu em 1924, quando Tchijevsky passou a ser perseguido após publicar um livreto de 72 páginas intitulado Physical Factors of the Historical Process.

No auge da paranóia soviética da década de 20, época em que sugerir que a história seria diferente de uma longa estrada rumo à revolução proletária era o suficiente para levar alguém ao ostracismo, o Kremlin exigiu que Tchijevsky negasse publicamente sua teoria.

Embora Tchijevsky tenha se recusado a negar suas ideias, ele já estava ciente de sua posição precária dentros dos círculos científicos e políticos da Rússia soviética. Temendo maiores represálias, o cientista largou sua pesquisa histórica e passou a estudar como a ionização do ar influenciava os organismos vivos.

Enquanto Tchijevsky era aclamado internacionalmente por sua pesquisa pioneira no campo da astrobiologia (o cientista foi convidado a dar palestras sobre biofísica na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, e em 1939 presidiu o Primeiro Congresso Internacional de Biofísica e Biologia Espacial em Nova Iorque), as autoridades soviéticas continuavam a taxar suas atividades como contrarrevolucionárias.

Publicidade

Em 1942, Tchijevsky foi mandado para um campo de trabalho forçado na Sibéria, onde ele ficaria por oito anos antes de ser encaminhado para um centro de reabilitação nos Montes Urais. Embora o russo enha se dedicado à ciência até sua morte, em 1964, a perseguição política afetou sua obra: nos últimos 50 anos, suas ideias caíram no esquecimento.

Apesar de tanta censura, as atuais pesquisas acerca dos efeitos do eletromagnetismo no cérebro sugerem que alguns aspectos das ideias de Tchijevsky não são tão absurdos quanto se pensava. Caso a psicologia humana possa ser reduzida a processos físicos ocorridos no cérebro, é justo inferir que esses processos podem sofrer influência de fatores externos — como uma tempestade geomagnética, por exemplo. Sabe-se que períodos de grande atividade solar podem ter efeitos notáveis na Terra, como falhas nos sistemas de comunicação, de navegação e de eletricidade. Talvez, quem sabe, a atividade solar também afete uma outra máquina elétrica: o nosso cérebro.

Neurocientistas do MIT já comprovaram que nossas escolhas morais podem ser afetadas por imãs

Embora existam indícios de que a energia eletromagnética possa afetar nossa mente, e embora os eventos relacionados à ascensão do Estado Islâmico correspondam aproximadamente aos quatro períodos de excitação de Tchijevsky, tudo isso pode ser apenas coincidência. Se estudássemos milhares de anos de história humana, não seria difícil escolher eventos que apoiam a teoria, da mesma forma que a correlação entre a atividade solar e a história do Estado Islâmico ignora uma série de erupções solares e batalhas.

De qualquer forma, as futuras pesquisas dirão se a energia solar está ou não alterando o curso da história humana. Felizmente, pessoas como Liboff estão produzindo dados científicos que parecem apoiar as ideias de Tchijevsky, trazendo-as do reino da especulação para o campo da ciência.

Dito isto, caso a Terceira Guerra Mundial comece durante o auge do próximo ciclo solar, em 2024, e caso a ciência comprove a relação entre a mente humana e o astro-rei, seremos obrigados a admitir que Tchijevsky não era tão louco assim.

Tradução: Ananda Pieratti