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Games

Estamos vivendo a era de ouro dos videogames de romance

É legal ter todo tipo de fantasia.
'Florence', da Annapurna Interactive.

Matéria originalmente publicada no Waypoint.

Hoje, se jogar as cartas certas, você pode ter um encontro com um cara bonitão, uma mulher engraçada, uma pessoa não binária carismática, ou se for do tipo mais ousado, um príncipe cavalo com a cabeça de um homem muito lindo.

Você não precisa ser atraente, charmoso ou solteiro. Olha, você nem precisa sair de casa ou colocar uma calça. Desde que tenha um celular, computador ou console, você também pode encontrar o amor.

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Videogames de romance evoluíram muito nos últimos anos… sete, na verdade, mas vamos nos concentrar no que aconteceu em 2011 depois. Em algum ponto, nossos interesses amorosos digitais, que costumavam ser fornecidos por grandes desenvolvedores e serem relegados a subenredos em games maiores, se tornaram o foco de jogos mainstream.

Logo no começo, o amor estava misturado nos videogames que giravam principalmente em torno do combate. A reação dos fãs a romances em jogos como Baldur's Gate II e Mass Effect ajudou a encorajar desenvolvedoras a explorar mais relacionamentos em jogos. Isso, por sua vez, ajudou esses jogos a conquistarem fãs que não estavam interessados apenas em lutas com machados e exploração de masmorras. O escritor Patrick Weekes, que trabalhou nas franquias Mass Effect e Dragon Age pra BioWare, gosta de falar sobre a popularidade dos aspectos românticos em seus jogos, muitas vezes fazendo piada em público sobre como ele faz “simuladores de encontros com minigames de salvar o mundo”.

Apesar de videogames centrados em romance serem populares há décadas (e de sempre ter existido um público apaixonado por esses jogos no Ocidente), foram jogos focados em outros aspectos além do romance, como Persona 3 e Catherine, que geraram um verdadeiro apelo crossover além do Japão.

Isso até 2011.

Tenho falado e escrito sobre videogames de romance há anos, e alguns jogos sempre acabam mencionados em conversas do tipo. Quando me sentei para escrever esta matéria, fiz uma linha do tempo de jogos contendo romance que meus amigos e eu não conseguimos deixar de falar e notei uma coisa. Antes de 2011, os jogos da minha lista eram principalmente de grandes desenvolvedoras e seus romances eram essencialmente subenredos, não a história principal.

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Depois de 2011, começamos a ver todo tipo de jogos independentes que você pode terminar em algumas horas inteiramente focados em romance (ou, pelo menos, que não têm combates) e os romances eram bem… diferentes.

Mas o que aconteceu em 2011 pra mudar tudo? Pelo que pude perceber, algo mudou quando um pequeno videogame japonês estranho sobre namorar pombos chegou ao mercado ocidental. Eu não sabia que chegaria nessa conclusão, mas aqui estamos.

'Hatoful Boyfriend', da Hato Moa.

Hatoful Boyfriend — um simulador de encontros com pombos — ganhou notoriedade pela premissa um tanto absurda, mas teve sucesso porque é um bom jogo. É emocionalmente envolvente, surpreendente e a arte é linda. O fator estranho só serviu para chamar atenção.

O que começou como uma piada de Primeiro de Abril se tornou um jogo que mostrou os futuros desenvolvedores indie exatamente quão longe eles podiam ir com o gênero e ainda ter sucesso. “ Hatoful Boyfriend mostrou aos desenvolvedores indie e seus estúdios que A) nichos estranhos às vezes são lucrativos, B) romance é um nicho maior do que parece, e C) humor vende”, diz Tanya X. Short, diretora da Kitfox Games. E ela sabe do que está falando. Atualmente ela está desenvolvendo Boyfriend Dungeon, um jogo sobre armas que viram humanos que o jogador pode namorar.

Não há muita informação sobre Hato Moa, a única pessoa nos créditos originais de Hatoful Boyfriend. Todas as fotos de perfil de Moa são desenhos de pombos, e todas as sessões de autógrafos dela têm uma política severa de não tirar fotos. Mesmo assim, Moa respondeu meu e-mail horas depois do envio. Perguntei se Hato Moa era um pseudônimo (sim, é a combinação da palavra japonesa para pombo e o nome de uma ave extinta) e qual seu pronome preferido (“aquele pássaro” foi a primeira resposta, mas “ela” também é aceitável). Moa disse que o jogo foi inspirado por “um amor infinito por pássaros e Okosan, o querido pombo de companhia [daquele pássaro]”, além de um modo de simulador de namoro colegial em Rival Schools, um jogo de luta de 1997 da Capcom.

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Moa admitiu que ficou surpresa com a recepção do jogo, escrevendo: “Nunca achei que tantas pessoas gostariam de um simulador de namoro de pombos, especialmente em outros países”. Mas muitas pessoas gostaram.

Videogames independentes começaram a criar raízes no mercado de massa nesse ponto, e ferramentas de desenvolvimento também se tornaram mais acessíveis. Não era mais necessário ter uma grande equipe e o hardware e software mais caros para fazer um videogame, derrubando pelo menos algumas das barreiras que por tanto tempo impediram vozes diversas de ocuparem espaço na cena. Se você quer um romance/comédia de vampiros estilo “escolha sua aventura”, você acha. (Eu achei, mas infelizmente o jogo não está mais disponível em aplicativo. Você pode assistir o trailer aqui.)

“Nunca fui nada além de indie, mas é legal poder fazer principalmente o que quero”, disse a desenvolvedora Jaime da Jaime Scribbles Games. “Eu sempre quis ver mais mulheres em videogames que não fossem prêmios. Eu também pensava em pessoas não brancas e quão pouco elas eram representadas. Meus jogos podem ser só uma gota no oceano da mídia de massa, mas posso fazer minha parte trabalhando para mais inclusão.”

Enquanto as desenvolvedoras AAA continuam fazendo jogos (e aumentando as opções de romance devido ao interesse dos jogadores), games indie pipocam por toda parte. De repente, você tinha todo tipo de experiências, de Save the Date, onde você tem que salvar seu interesse romântico de ser assassinado, a Gone Home e Jurassic Heart, onde você tenta namorar um Tiranossauro Rex.

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'Dream Daddy', da Game Grumps.

Todos esses jogos abriram caminho para My Horse Prince (2016), um simulador de encontros japonês apresentando um cavalo… que também é um príncipe… que tem uma cabeça de um cara atraente, e que cozinha e canta para o jogador, dando um baita show mesmo tendo apenas cascos. É uma experiência singular que você precisa jogar para acreditar.

No mesmo ano saiu Firewatch. Não é um jogo de romance em si, mas também é um jogo de romance. Firewatch lida com amor e relacionamento desde o começo, com a esposa de Henry e depois com, suspiro, Delilah, a voz do outro lado do outro lado do walkie-talkie (revelando tudo agora: Cissy Jones, a dubladora de Delilah, é amiga minha). Você só precisa de uma conversa tarde da noite pelo walkie-talkie para se apaixonar perdidamente por aquela voz.

Aí, em 2017, Dream Daddy teve o mesmo impacto no mercado que Hatoful. A premissa surpreendente de namoro entre pais gays ajudou a gerar atenção, mas seu maior poder é a sinceridade do roteiro e a representação positiva de homens gays. Impulsionados pelo sucesso de Dream Daddy, personagens LGBTQIA continuam a ganhar representação, como em Date or Die, um jogo que deve ser lançado em breve com personagens queers, trans e não binários disponíveis para romance.

Também estamos vendo o romance tomar a frente em gêneros onde isso antes não entrava, como Ever, Jane, um MMO temático de Jane Austen, e o simulador de namoro multiplayer Monster Prom.

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Este ano tivemos Florence, lançado no Dia de São Valentim (que é o Dia dos Namorados na gringa), que leva o romance nos videogames para uma nova direção. É um jogo de quebra-cabeça casual onde os quebra-cabeças não tomam o banco do passageiro no romance, mas ajudam o jogador a experimentar os sentimentos entre os dois personagens. O diretor criativo do jogo, Ken Wong, diz: “A maioria dos capítulos de Florence começam querendo capturar um sentimento em particular ou um aspecto emocional de um relacionamento”. Um dos momentos mais memoráveis do jogo é quando Florence tem seu primeiro encontro com Krish e o jogador precisa montar quebra-cabeças para completar os balões de fala.

'Florence', da Annapurna Interactive.

Quanto mais eles falam, mais simples os quebra-cabeças se tornam, mostrando quão fácil a conversa deles flui. Wong diz: “Queríamos retratar como é se sentir muito nervoso no começo, depois gradualmente mais confortável com um novo parceiro”. O resultado é um jogo que evoca a qualidade mágica do amor jovem.

Outro aspecto notável desse jogo indie em particular é que nenhum protagonista ou interesse romântico é caucasiano. “Eu queria um futuro onde pessoas como eu possam se ver na cultura popular, então isso era muito importante”, diz Wong, que é chinês-australiano. “Eu queria mostrar ao mundo a Austrália que conheço. Uma mulher chinesa-australiana pode ser a protagonista. Um indiano-australiano pode ser o objeto de desejo.”

Agora é possível se ver num videogame. Você só precisa ter uma ideia, alguma habilidade técnica e o desejo de criar. É divertido ver o que as pessoas já fizeram com essa liberdade, quer elas mantenham as coisas no reino natural, como no pequeno apartamento de Florence, ou deixam a imaginação voar para levá-las a realidades alternativas, como a escola de Hatoful Boyfriend cheia de pombos amorosos. Enquanto consumir tecnologia se torna mais acessível, mais e mais pessoas vão poder usá-la. Vai ser fascinante ver o que as próximas gerações de desenvolvedores de games vão escolher compartilhar de suas vidas românticas reais… ou imaginárias.

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