Como funciona o lucrativo mercado de estereótipos online

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Como funciona o lucrativo mercado de estereótipos online

Nossa navegação é monitorada em várias camadas diferentes para gerar perfis comerciais às empresas. Quem vale mais? Mulheres grávidas.

Mulher, cerca de 30 anos, moradora de uma grande cidade, interessada em tecnologia, notícias e política, possível compradora de roupas e artigos para casa. Esse era o perfil de Fernanda até que o teste de farmácia deu positivo. Antes mesmo que o exame de sangue confirmasse e que ela avisasse a família, porém, o mercado online comemorava a boa notícia, tentando empurrar goela abaixo uma série de produtos destinados a mães e bebês em anúncios na internet.

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"Aos poucos foi sumindo tudo da timeline do Facebook que não fosse sobre gravidez", ela conta. Ela virou apenas mãe, e todo o universo na internet que ela via remetia às cenas maternas. "Amigas grávidas com quem não tinha contato há tempos começaram a aparecer na minha timeline."

E não foi só isso. No Spotify, uma das sugestões foi uma música com o nome da filha dela. O nome também apareceu em propagandas personalizadas que ela viu pela web. Ela conversava sobre um assunto com alguém - como o dia em que falou sobre um kit berço - e o anúncio apareceu na timeline.

Depois que sua filha nasceu, a natureza dos anúncios mudou. Começaram a pipocar na timeline de Fernanda reportagens sobre a síndrome da morte súbita infantil, terror das mães de primeira viagem por ser uma doença sem explicação e prevenção, seguidas de equipamento para monitorar o sono do bebê. Eles dividiam espaço com propagandas do tipo "mamãe sarada" e "reconquiste seu marido após o filho".

É isso o que boa parte sociedade, ou pelo menos daqueles que moldam os algoritmos do Facebook e outras ferramentas de marketing direcionado, pensam que interessa às mulheres que acabaram de ter filhos - e o conteúdo exibido online, pensado e moldado segundo critérios complexos de personalização, é um reflexo dramático disso.

Cada vez mais nossa experiência na internet é personalizada segundo nossos cliques, histórico, compras, conversas e coisas que a gente nem imagina. E, no caso de uma mudança grande na vida como a chegada de um bebê, fica muito claro como serviços online e anunciantes usam truques, que muitas vezes não conhecemos, para exibir coisas que pensam que a gente vai gostar nessa nova fase.

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Tchau mulher, olá mãe

Interessa às empresas enquadrar as pessoas em perfis específicos de consumo - especialmente em fases de maior tendência à compra, como é o caso da maternidade. Grávidas estão em uma posição de maior vulnerabilidade em relação ao consumo. O mercado sabe disso, é claro. Na era do Big Data, estima-se que cada consumidor padrão valha US$ 0,10; as grávidas valem US$ 1,50.

O cálculo é da socióloga americana Janet Vertesi. Em 2014, ela mostrou - por meio de um experimento na própria pele - que a única maneira de esconder a gravidez da internet é apelando para navegação anônima com Tor. Qualquer escorregada na navegação não anônima - uma passada pelo fórum Baby Center ou uma busca por "ultrassom morfológico", por exemplo - já serve para que a mulher seja enquadrada como grávida. E, uma vez perfilada, as empresas não pouparão esforços para conquistar aquela consumidora com o anúncio mais direcionado possível. As chances de ela ser convencida pela propaganda são grandes.

"Eram propagandas relacionadas a identidade", diz Fernanda. Faz todo sentido, porque mulheres passam por um processo de reconstrução da identidade própria após o nascimento de um filho. O marketing sabe disso. Faz parte do processo de perfilamento - ou profiling, em inglês - procurar caixinhas com padrões de comportamento para tentar enquadrar as pessoas, entregando o que elas possivelmente querem. Ou o que acham que elas querem.

O problema é que, com a internet, o nível de detalhamento e poder persuasivo das propagandas vai a níveis cujas consequências ainda são desconhecidas. Anunciantes podem saber, por exemplo, em que semana de gestação a mulher está ou se alguém tem tendência à depressão. Esse nível de detalhamento só é possível porque há ferramentas bem sofisticadas de monitoramento que acompanham praticamente tudo o que se faz online. Tudo mesmo.

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