Sexo

Porque é que só me atraem raparigas com namorado?

Tenho mais medo da monotonia do que do condenado à partida, é esse o meu problema.
NOVIOS_NOVIAS_A
Ilustração de Eduard Taberner

Esta quarentena tem-me dado para pensar. Entre um risquito na parede para contar os dias - porque os calendários foram todos comidos no Natal e já não há escuteiros a safar edições antigas – e uma visita de médico a um frigorífico solitário, tem-me dado para colocar a vida na máquina de lavar roupa e escolher o programa mais demorado, para ocupar o tempo a remexer nela. Entre um “porque é que o meu pai me oferece molduras todos os natais?” e um “se calhar hoje já consigo dar a cambalhota para trás sem ajuda”, tive um flash do meu insucesso com o sexo feminino. Surgiu-me de forma inesperada e ruidosa, tal e qual aqueles vizinhos peritos em fazer obras aos sábados de manhã.

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Não é que não pense constantemente nisso, mas tive uma epifania que talvez resolvesse o Sudoku da minha vida amorosa. Ou, pelo menos, que a colocasse numa equação em que o X é igual ao quadrado de alguma coisa a dividir por outra. Uma baralhada que me fizesse perceber que, no fundo, o problema sou eu e o X é algo a resolver o mais rápido possível. Aos 25 anos já começo a sentir o peso das velhinhas e da sua língua comprida e áspera: “és solteiro com essa idade? Um rapagão destes… Enfim, esta geração é mesmo atrasada em tudo”. Não é que me preocupe, porque normalmente uso a táctica do sorriso amarelo e digo “deixe-me ajudá-la a levar os sacos” e a conversa morre. Contudo, dá sempre azo a mais um desperdício de latim que preferia não ter de gastar. Não sou minimamente pressionado pelo meu círculo de amigos e só é chato quando os casais dizem “Anda lá connosco jogar uns jogos de tabuleiro, vai ser bué giro! Também vai o João e a Catarina!”. Cada palavra acrescentada, piora sempre a situação. É sempre estranho e as pessoas têm de perceber que, quem está do outro lado, sente-se tal e qual o Woody no Toy Story quando aparece o Buzz: só brincam connosco para não parecer mal.

Fiz um recapitular da minha vida amorosa recente e não foi preciso mais do que um teaser de 25 segundos para saber a conclusão: um fracasso. Paixonetas não correspondidas, relações com as pessoas menos certas, tempo gasto de forma pouco útil, encontros fortuitos sem grande conteúdo e um interesse acentuado em raparigas com quem tenho tanta hipótese como a de não ver alguém apalpar as maçãs antes de as escolher. Parece que há algo de excitante e frenético na desilusão de não ser pretendido. É tal e qual uma ressaca, em que só nos apetece coisas gordurosas, com mau aspecto e carregadas de culpa. Com as raparigas é o mesmo. “Hmmm tenho esta tacinha de quinoa com espinafres e queijo feta a olhar para mim…esquece, vou comer aquela bifana com pedaços de AVC feita numa roulotte de qualidade duvidosa”. Todas as vezes. Não há uma na qual prevaleça a que faz bem ao organismo. É gigantesca a necessidade de ter algo tóxico na minha vida.

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A coisa piora quando, às brilhantes decisões de algum dos órgãos do meu corpo (dêem azo à imaginação para perceber qual), se junta a pitada em falta: os namorados. Tenho um gostinho especial em desenvolver atracção física e uma química forte com raparigas comprometidas. Pareço farejá-las à distância social que esta quarentena nos impõe. Começa no desconhecimento da conversa trivial, até que se deixa escapar um “eu e o meu namorado”. Pára tudo. O meme do GTA em que ele diz “here we go again” começa às rodas na minha cabeça. Um sorrisinho perverso aparece de esguelha ao canto da boca. Não por me achar o Don Juan capaz de destruir uma relação, mas pelo prazer quase mórbido de já calcular que algo assim se avizinhava. Um tiro no porta-aviões das ambições futuras, mas um jackpot do interesse súbito. O desenvolvimento é sempre o pior. A conversa desenrola, a química surge e a retirada dá-se. Passado algum tempo, mas acaba por se dar. Constantemente. No fundo, a minha perspicácia diz-me, muitas vezes, que essa química feita no laboratório do meu inconsciente não pende só para um lado, mas a inércia por não me querer envolver em vidas construídas leva (e bem!) sempre a melhor. Não sem antes dar numa de kamikaze e expor os meus sentimentos, acho, de forma abrupta. Aquela jogada clássica de querer ouvir logo o “Game Over” a alto e bom som.

Não existe Ben-u-ron para me tirar estas dores de cabeça. Tudo bem que não temos o controlo total das nossas emoções mas, porra, não dá para reprogramar isto e fazer a bússola indicar um Norte menos vertiginoso? Para trás ficam sempre as raparigas bem-intencionadas, com conversas serenas, pacatas e até bem-parecidas. Tenho um dedo que adivinha e não as deixa entrar. Ficam à porta para me poder aventurar com pessoas desequilibradas, pouco coerentes, de vipes e ao lado de quem o futuro está condenado desde a casa de partida. No fundo, todos queremos sempre o que não podemos ter; mas, se assim é, será que um dia nos deixamos acomodar com o tal (possivelmente) melhor para nós? Ou o processo de maturidade emocional atinge-se quando se passa a procurar a estabilidade em vez da vertigem? Tenho mais medo do monótono do que tenho do condenado à partida e esse é o meu problema.

São tudo questões que me assolam e me deixam a bater mal diariamente. Nunca resisto a comprar mais uma raspadinha das desilusões amorosas e o símbolo raspado é sempre um dos dois: “é maluca e vai-te levar à loucura” ou “tem namorado e não vale a pena”. Continuamos assim, na lotaria entre o prazer e o amor. Pode ser que um dia saia a bola com prémio; até lá, gasto o meu ordenado no jogo.


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