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Doria quer combater a fome com "Allimento"

Programa da prefeitura de SP vai distribuir comida processada feita a partir de alimentos com prazo de validade próximo ao vencimento.
Print do vídeo de lançamento do Alimento para Todos.

A reportagem foi atualizada no dia 16 de outubro às 13:20.

"Este é um produto abençoado", disse o prefeito de São Paulo João Doria Jr (PSDB) durante o lançamento do seu programa para erradicação da fome, Alimento para Todos. No vídeo em que aparece beijando a mão de uma freira, Doria lembra que o "Allimento" é produzido a partir de comida que iria para o lixo. O programa é resultado de um projeto de lei sancionado no último dia 8.

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Para além do rótulo em que se vê a imagem de uma Nossa Senhora Aparecida, pouco sabemos sobre a composição do "granulado nutritivo que será entregue às populações que enfrentam carências nutricionais no município", como informa o site da prefeitura.

Chamado de "Allimento", o complemento foi desenvolvido pela Plataforma Sinergia, parceira da prefeitura na empreitada de combate à fome. Em seu site, a ONG explica que "desenvolveu um sistema de beneficiamento de alimentos que não são comercializados pelas indústrias, supermercados e varejo em geral".

Sobre a composição do multivitamínico, chamado de farinata pela Plataforma Sinergia, a ONG se limita a dizer que trata-se de "alimentos que estão em datas críticas de seu vencimento ou fora do padrão de comercialização, razões que não interferem em sua qualidade nutricional ou segurança".

Em um vídeo do YouTube, a presidente da Plataforma Sinergia Rosana Perrotti explica de maneira genérica que a farinata é resultado de um excedente da indústria que iria para o lixo. Depois de processado mais uma vez, esse alimento que seria descartado não causa risco à saúde de quem o consome. Perrotti, no entanto, não especifica a composição da farinata.

A decisão do governo municipal paulistano foi recebida com desconfiança. O sociólogo Carlos Alberto Dória fez dois posts em seu blog sobre o caso. Para Doria, vale "lembrar que a Igreja Católica tem suas próprias estratégias de combate à fome e nenhuma delas consiste em dar ração para os pobres".

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A chef Paola Carosella também se pronunciou contra o programa.

Especialistas ouvidos pela reportagem do Rede Brasil Atual falam em "retrocesso no combate à fome".

A apresentadora Rita Lobo também se pronunciou contra o novo programa do prefeito João Doria.

A alimentação no Brasil só passou a ser considerada necessidade básica em 2010, quando o tema se tornou um novo artigo da Constituição Federal. Segundo a legislação, entende-se que combater a fome é dar acesso às pessoas aos alimentos e aos recursos, como emprego ou terra, para garantir esse acesso de modo contínuo.

A antropóloga e pesquisadora da Unicamp Lis Blanco lembra que "a medida de combate à fome proposta pela Plataforma Sinergia não cumpre com o direito [à alimentação proposto na Constituição], mas também viola esse direito ao não garantir a dignidade àqueles que irão se alimentar de uma 'ração'".

Após dias de polêmicas, o Conselho Regional de Nutrição se manifestou contra a proposta do prefeito de São Paulo dizendo que a ação fere princípios do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e diretrizes no combate à fome e desnutrição.

Em defesa à ação, Doria chegou a comparar o Allimento com o mesmo tipo de refeição que astronautas ingerem quando estão no espaço. Porém, a declaração do prefeito não condiz com as informações no site da NASA. Também foi dito pela NASA que frutas, legumes e carnes in natura são permitidos como refeição aos astronautas.

ATUALIZAÇÃO: Em uma reportagem da rádio CBN, foi descoberto que a Sinergia não possui fábrica em atividade e nem capacidade de produzir o Allimento em escala. Rosana Perrotti defendeu a empresa dizendo que "não tínhamos volume suficiente pra processar porque são tecnologias que são aplicadas na indústria de alimentos e farmacêutica e que demandam volumes. Então agora nós vamos fazer um estudo de qual é o volume e nós vamos adequar essas máquinas para esses volumes".

A presidente da Plataforma Sinergia disse ainda que o produto não será ainda distribuído em São Paulo, já que depende de um estudo de análise da população desnutrida. A Prefeitura de São Paulo afirmou que a distribuição ainda está sendo elaborada.

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