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Ser imigrante em Espanha é uma merda

A imigração é parte de um grande negócio onde entram em jogo vários elementos.

Fotogafia de Mikel Oibar / Nervio Foto

A forma qualificativa do particípio activo, pela qual todos conhecemos os estrangeiros que vêm viver e trabalhar em Espanha, — entenda-se "imigrantes"— define perfeitamente a situação em que se encontram, actualmente, em Espanha. Este adjectivo expressa uma acção permanente, descreve uma pessoa que se encontra num estado permanente de movimento, alguém que está em suspensão, que vive na fronteira entre dois mundos — o que abandonou, e esse a que se dirige, mas ao qual nunca chega. Como diz Manuel Delgado, professor de antropologia religiosa na Universidade de Barcelona, referimo-nos erroneamente a eles como "imigrantes", porque queremos definir uma acção que em princípio já aconteceu, visto que o sujeito já chegou ao novo território, já deixou de imigrar. Em todo o caso teríamos que chamar-lhes "imigrados". Ainda assim este pequeno deslize semântico ajusta-se perfeitamente à ideia que as instituições têm, quando se referem a estas pessoas migradas: encontram-se constantemente num estado de trânsito legal e moral. São indivíduos caracterizados por estar dentro, mas também fora, já que segundo as instituições, uma parte de eles (seja a sua integração, a sua família, trabalho, cultura…) existirá sempre fora de campo.

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Este estado de suspensão teórica e moral ao qual estão sujeitos é reforçado pela eterna cruzada que vivem para conseguir ter papéis, e eventualmente pedir a nacionalidade. Segundo Guillermo Morales, director geral de Legalteam, um gabinete especializado em temas de imigração, hoje em dia o procedimento para obter a nacionalidade dilata-se infinitamente. O processo, desde que se apresentam os expedientes até que se concede a nacionalidade, demora entre um ano e um ano e meio, mas o verdadeiro problema são as datas que lhes dão para pedir a entrevista inicial e poder apresentar os documentos requeridos. "Em lugares como Barcelona (cidade) dão-te actualmente data para outubro de 2016, em Vilanova i la Geltrú (província de Barcelona) para abril de 2019, em Badalona (província de Barcelona) para abril de 2018 e em Santa Coloma de Gramanet (província de Barcelona) para depois de 2020", explica Morales. A isto é preciso juntar os 10 anos de residência legal e continuada que exigem, para poder pedir a nacionalidade — os imigrantes que provêm de países de ex-colónias ibero-americanas podem pedir a nacionalidade depois de dois anos de residência legal e continuada.

Segundo o departamento de Imigração e Cidadania do ICV (Iniciativa per Catalunya Verds), o que a burocracia administrativa pretende é o desgaste do solicitante, e por esta razão abriram um gabinete parlamentário de imigração, onde ajudam aqueles que se deparam com problemas, no momento de formalizar a sua nacionalidade. A este clima de infinidade há que juntar as rejeições massivas, que têm acontecido desde 2012 com a implementação do Plano Intensivo de Nacionalidade (PIN) e que, evidentemente, não fazem mais consolidar este estado de suspensão. No dia 26 de junho de 2012 assinou-se a Encomenda de Gestão de Expedientes de Nacionalidade Espanhola, com o objectivo de que se trabalhasse em 450.000 expedientes de petição de nacionalidade que estavam em parados desde 2007, na sede da Direcção Geral dos Registros e do Notariado. O responsável foi o Ministro da Justiça, Alberto Ruiz Gallardón. Desde então, a execução deste plano foi objeto de críticas e erros, porque em três meses tramitaram 83% dos expedientes recebidos, e as rejeições multiplicaram-se por cinco. Muitas delas foram justificadas alegando uma falta de integração na sociedade espanhola (diagnosticada através deste teste), mas também por falta de boa conduta cívica, por antecedentes penais ou por falta de residência legal e continuada. Muitas das rejeições analisadas pela Oficina Parlamentária de Imigração do ICV continham erros. Foram recorridas e posteriormente aprovadas, já que não correspondiam à realidade. Esta mesma oficina acredita que todas estas políticas de desgaste e denegação justificam um possível caso de racismo institucional. O que está claro é que existe uma enorme falta de interesse por parte das instituições na hora de solucionar um problema que afecta gravemente os milhares de cidadãos que residem legalmente em território espanhol.

A existência do teste (que quer legalizar-se com o anteprojecto de Lei de Reforma Integral dos Registros apresentado pelo PP) supõe pensar na superioridade do espanhol frente ao estrangeiro. A nossa existência como seres colectivos, com uma história, características, idiossincrasias e tradições, choca plenamente com estes novos hábitos alienígenas e exóticos. O Estado considera anómalas todas essas rotinas e práticas religiosas que são, ao fim e ao cabo, deformações, exageros e carências culturais. Supõe-se que com a doutrinação deste teste queremos moldá-los, para que deixem de ser eles próprios — umas aberrações culturais — para que se transformem em nós.

Todos estes factores alimentam a concepção que o ICV tem acerca da imigração em Espanha, cujos pilares responderiam a dois factores concretos: tomar decisões que não estão necessariamente baseadas na lei, e coletar verba. O primeiro ponto estaria relacionado à intenção de manter o status quo de estratificação de classes, de mão de obra barata e precariedade extrema. "A Europa não é um clube de cidadãos exemplares, é um mercado, cuja lei de imigração diz que és ilegal e que não podes estar aqui, mas que também diz que se aguentares três anos e apresentares um contrato de trabalho, talvez tenha direito a cá ficar", comenta Gabriela Poblet. Por outro lado, no que diz respeito a coletar fundos, os estrangeiros pagam taxas, constantemente. Poblet afirma que, "para renovar a residência devem pagar 200 euros, e toda a gente que não formalizou a nacionalidade agora, terá que pagar uma nova taxa, [que no caso de que se aprove o anteprojecto de lei, será de 75 €]". Também temos que ter em conta que, adquirir a nacionalidade em países de nosso entorno tem um preço muito mais elevado, comparativamente. Espanha é o país da UE em que é mais fácil conseguir a nacionalidade, para a maioria dos imigrantes não comunitários.

A imigração é parte de um grande negócio onde entram em jogo vários elementos: empresas de gestão de fronteiras (FRONTEX, EUROSUR,…), construção de cercas, venda de dispositivos de segurança, vigilância fronteiriça e claro, como já mencionámos antes, a entrada de mão de obra barata no mercado, divorciada de qualquer tipo de direitos. Sem todo este aglomerado de segurança os imigrantes não viajariam por rotas cada vez mais perigosas, e que por sua vez requerem novas medidas de controlo, o que supõe um enorme investimento por parte do Estado. Actualmente, a solução alimenta o problema.

A situação de letargia em que muitos imigrantes se encontram faz com que muitos desistam, na hora de obter a nacionalidade, criando uma massa cada vez mais avultada de cidadãos sem direitos fundamentais. Seria preciso uma mudança da visão política para transformar esta concepção de proteccionismo, e rumar a um estado de direito para todos aqueles que partilham o mesmo território.