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Tecnologia

Eu Vendo Bitcoins Para Pessoas Aleatórias da Internet

Contar sacos de dinheiro entre pinhas dele realmente faz você apreciar as coisas.
​Crédito: ​TigerPixel/Flickr

​Eu me interessei pelo Bitcoin no momento em que li sobre a moeda, no início de 2013. Cheguei a comprar alguns na época, mas nunca tive a oportunidade de usá-los ou de interagir com essa comunidade até começar a vender bitcoins para pessoas que eu conhecia na internet. Conectar seu computador em várias bibliotecas públicas dos dois lados do Atlântico e contar montanhas de dinheiro com compradores de bitcoins fazem qualquer um agradecer à existência dessas moedinhas.

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Tudo começou de forma bem inocente: com uma transferência. Todo meu dinheiro estava em um banco americano que eu não podia contactar da Inglaterra; no entantp, esse mesmo banco estava conectado ao Coinbase, um serviço disponível apenas nos EUA e que me permitia comprar bitcoins a preço de mercado. Após a compra, eu vendia esse bitcoins pelo localbitcoins.com, que funciona como um Craiglist de moedas digitais — você publica um anúncio com um valor e os interessados entram em contato. O site é conhecido por facilitar transações cara-a-cara, algo raro no mundo do Bitcoin.

Após minha primeira negociação, eu percebi que um Bitcoin custava entre 5% a 10% mais em libras esterlinas. Isso se deve, provavelmente, ao fato do mercado de Bitcoin do Reino Unido ser mais sub-desenvolvido do que outros. O país oferece poucas oportunidades de trocas ou serviços como o Coinbase, tornando a compra de bitcoins mais difícil do que em outros países.

Quando percebi que poderia comprar essas moedas nos EUA, onde isso era mais simples, e vendê-las no Reino Unido, eu prontamente repeti a transação com o resto dos meus dólares. Após vender todas os bitcoins que eu havia comprado, enviei mais dinheiro para minha conta americana e comecei tudo de novo. Eu vendia os bitcoins entre 8% e 10% acima do preço de mercado, mas as pessoas continuavam a comprar meu produto e minha pequena quantia de dinheiro começou a crescer.

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Um dos meus anúncios.

Inicialmente, eu aceitava depósitos na minha conta inglesa, mas depois baixei o preço em vendas cara-a-cara porque estava curioso para conhecer as pessoas do outro lado da tela. Eu estava escrevendo minha tese de mestrado e passava muito tempo na biblioteca, então comecei a marcar encontros com meus clientes nas mesas que eu sempre ocupava.

A primeira pessoa a topar foi Danny. Ele queria comprar £2,240 libras (US$3,500) de bitcoins, o que na época me pareceu muito. Eu estava nervoso enquanto tentava achar uma mesa exposta o suficiente para me sentir seguro, mas escondida o suficiente para ninguém observar a movimentação que certamente pareceria suspeita.

Quando Danny chegou eu não consegui me conectar ao wifi da biblioteca, e tentei jogar conversa fora. Danny era um soldador que tinha trabalhado muito recentemente e que consgeguiu juntar uma boa quantia de dinheiro.

"Isso vai me deixar rico algum dia", ele me disse. "E foda-se esse governo conservador. Eu não quero que eles saibam onde eu gasto meu dinheiro."

Eu finalmente consegui conectar meu computador, e Danny esvaziou sua mochila em cima da mesa. A superfície ficou coberta de notas amassadas. Eu contei as notas devagar, montando uma pilha de notas bem organizadas que enfiei na minha própria mochila, e, depois disso, concluí a transação. Danny sorriu.

"Você pode vender mais outro dia?"

"Claro."

"Ok, o número que te dei era de um celular descartável, mas anota esse número aqui que eu te aviso quando quiser comprar mais."

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Eu me sentia como um traficante.

E eu não era o único a pensar assim. Alguns meses após eu começar meus negócios, eu perdi o acesso online à minha conta no Barclays, meu banco inglês. Eu fui à uma agência no mesmo dia, e eles me disseram que a conta estava sob observação. Saquei quase todo o meu saldo automaticamente. Na semana seguinte recebi uma carta que dizia que eu havia violado os termos e condições do banco e que portanto, minha conta estava sendo desativada.

O normal é dar sessenta dias para o cliente sacar seu dinheiro, mas essa violação específica e não-nomeada obrigava o banco a fechar minha conta sem nenhum avisp, e confiscar todos meus fundos. Os funcionários da minha agência e os atendentes do serviço de atendimento ao consumidor me disseram que não estavam autorizados a me informar as circustâncias do fechamento, e, no final, acabei perdendo as poucas libras que me restavam na conta.

Eu sabia que estava me metendo em uma área legalmente duvidosa, e que a atividade intensa poderia criar algumas suspeitas, mas esse cancelamento abrupto me chocou. Isso não me desencorajou. Eu abri uma nova conta, fiquei mais cuidadoso, e continuei a encontrar clientes.

Alguns meses depois, após eu ter me mudado pros Estados Unidos, onde eu ainda aceitava transferências bancárias do Reino Unido, minha nova conta teve o mesmo destino infeliz. Eu liguei para o banco várias vezes, mas a resposta mais completa que recebi foi que minha conta havia sido identificada como fraudulenta e que eu não podia fazer nada pelo telefone, mas que eu poderia tentar minha sorte em qualquer agência do banco. Na época, eu só tinha cerca de 30 libras na minha conta. A maior parte do meu negócio funcionava nos estados Unidos, de qualquer forma.

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Quando comecei a vender bitcoins na Inglaterra, eu pensei que os clientes estavam dispostos a pagar mais por causa da falta de opções. Nos EUA, é muito mais fácil comprar em grande quantidades ou usar uma corretora, como eu fazia, e comprar bitcoins à preço de mercado. Mesmo assim, as pessoas continuavam a comprar meus bitcoins. Na verdade, em uma tentativa de reduzir meus negócios e chamar menos atenção, eu levantei minha margem de lucro para 12% e aumentei a quantidade mínima de moedas, mas isso praticamente não afetou o meu número de transações.

Os sistemas de trocas e as corretoras te obrigam a fornecer uma conta de banco e seu número de passaporte e da carteira de motorista, o que tira toda sua privacidade. Algumas pessoas não possuem todos esses documentos, ou não estão interessadas em divulgá-los. O Coinbase só libera meus bitcoins após confirmar meu depósito bancário, o que leva entre quatro a cinco dias. Quando eu os vendo, o comprador os recebe de forma anônima e automática. Muitas pessoas estão dispostas a pagar mais pela comodidade.

Estou nos fundos, na sala dos répteis.

Meus clientes formam um grupo curioso. Após me mudar para Nova Iorque, um homem engravatado de meia-idade veio à biblioteca, me entregou um envelope com US$6.000 em notas de cem novinhas, e foi embora sem falar nada.

Outros parecem loucas para conversar. Alguns sabem bastante sobre tecnologia e estão procurando um ouvido amigo, e outros são novatos nesse meio e têm muitas perguntas. Ryan, um garoto de 17 anos, me encontrou no caminho da escola para casa.

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"Alguns amigos meus usaram bitcoins para comprar identidades falsas", ele me disse. "Mas eu estou mais interessado na tecnologia."

Ryan não tinha uma conta de banco ou um cartão de crédito, e usava o Bitcoin para fazer todas suas compras online. Muito depois de eu ter contado seu dinheiro e efetuado a transação, Ryan continuava falando, usando termos que eu nem sonhava em conhecer na sua idade.

"O sistema bancário de reserva fracionada não é apenas utilizado para fazer dinheiro, é com ele que governos financiam guerras. O sistema é fudido". Ele estava empolgado. "É por isso que precisamos de uma moeda politicamente agnóstica e com fluxos predeterminados; o Bitcoin irá desfoder o mundo."

Certa vez eu encontrei um casal chinês em um McDonald's; a biblioteca estava fechada. Eles haviam imigrado há pouco tempo da China e seu inglês não era muito bom, o que complicou a comunicação, mas eles tinham muitas perguntas. Eles estavam trocando seu dinheiro por bitcoins para mandá-lo para casa. "A China não [nos] deixa mandar dinheiro para a família, o Bitcoin deixa", eles me disseram.

Outro cliente curioso entrou em contato pelo Mycelium, um programa para Android que tem algumas semelhanças com o localbitcoins. Nós decidimos nos encontrar em uma área que eu não conhecia muito bem — tudo o que eu sabia é que o encontro seria em um grande pet shop. Quando ele me ligou, eu disse, "Estou nos fundos, na sala dos répteis."

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Ele era um gerente de fundos de cobertura que estava escrevendo um relatório sobre o Bitcoin, e havia decidido comprar algumas moedas para relatar a experiência na sua pesquisa. Lagartos se esquentavam sob lâmpadas especiais enquanto nós conversávamos.

"Tenho mais interesse no blockchain [o livro-razão público que reúne todas as transações com Bitcoin]", ele me contou. "Títulos de propriedade e registros de posse de commodities poderiam ser disponibilizados de forma segura e transparente, e isso seria um grande avanço."

O Bitcoin também pode mudar pessoas. Antes de ler sobre o Bitcoin, eu era um pouco tecnofóbico. Minha escova de dentes elétrica era meu terceiro pertence mais tecnológico, depois de um laptop velho e de um celular mais velho ainda. Hoje eu vendo criptomoedas para financiar gerentes de fundos que buscam uma mina de ouro.

Eu vendo bitcoins porque é um jeito fácil de ganhar dinheiro, mas eu também estou nessa porque quero ver o crescimento da comunidade e o sucesso dessa tecnologia. Antes de entrar no negócio, tudo isso parecia um conceito abstrato. Alguns compradores são apenas especuladores, mas quanto mais eu interajo com eles, mais eu vejo como muitos não apenas estudam o Bitcoin, mas também o usam diariamente.

Eu sou um deles. Converto todo o lucro das minhas vendas de volta para bitcoins, e uso essa moeda para pagar tudo, desde a cerveja no meu barzinho favorito até o meu aluguel. Existem muitas formas de usar o Bitcoin que ainda se resumem a conceitos abstratos, mas, para mim, a moeda se tornou algo bem real.

Tradução: Ananda Pieratti