A morte da onça Juma escancara que o Brasil não consegue lidar com seus animais
Crédito: Ignacio Aronovich

FYI.

This story is over 5 years old.

Tecnologia

A morte da onça Juma escancara que o Brasil não consegue lidar com seus animais

“Imagina se, nos jogos de Pequim, eles tivessem exposto um panda e, depois de ele abrir a boca, tivessem dado um tiro?”

A cerimônia de revezamento da tocha olímpica por Manaus acabou em morte, decepção e revolta. Durante a passagem do evento pelo zoológico do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) na segunda-feira, duas onças pintadas foram exibidas ao público, que interagiu e tirou fotos com os animais. Pouco tempo depois, uma delas, Juma, tentou se soltar, atacou um tratador e teve de ser abatida a tiros.

A notícia correu o mundo e a imagem triste do animal, encoleirado e acorrentado ao chão, alertou ativistas e pesquisadores. A pergunta que surgiu: faz sentido exibir animais selvagens em grandes eventos desse tipo?

Publicidade

"O que aconteceu é completamente inaceitável. Foi uma coisa amadora, mal planejada", diz Carlos Alberts, biólogo da Unesp que pesquisa o comportamento dos felinos, entre eles a onça pintada. "Isso queima completamente a imagem do país, do animal e da relação de seus habitantes com a natureza. O evento perdeu completamente a importância perto desse fato. A impressão que fica é que estamos no meio de bárbaros, sem a ideia de como tratar os animais."

Segundo o pesquisador, a ideia de exibir esses animais não é necessariamente ruim. O fato de a população poder vê-los de perto gera empatia, uma visão positiva que pode ajudar em sua conservação. Mas um animal desse porte nunca poderia participar de um evento desses, interagindo diretamente com o público. "A onça pintada, quando criada em cativeiro, é muito confiável, mais do que a maioria dos cachorros. Ainda assim, é um animal muito poderoso, que pode matar sozinho um boi", diz. "Mesmo seres humanos podem se descontrolar numa grande multidão."

Para piorar, o modo como o exército lidou com a situação ao sacrificar o animal demonstra despreparo. "É muito pouco provável que uma onça assustada atacasse as pessoas e precisasse ser detida desse modo. A pessoa que atirou provavelmente não conhecia o animal, se assustou com algum movimento e o tratou como um bandido perigoso."

Segundo o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), o exército brasileiro possui autorização para criar as duas onças exibidas durante o evento. Na verdade, ao fazer isso, ele presta um serviço ao país. O Comando Militar da Amazônia (CMA) resgata os animais ainda pequenos da mão de criadores ilegais ou caçadores.

Publicidade

Depois de anos convivendo com os seres humanos, eles não podem voltar à natureza, seja por não saber mais como sobreviver na floresta ou por poder carregar doenças transmissíveis. Acabam sendo criados em zoológicos ou santuários.

Por causa disso, as onças pintadas se tornaram um símbolo do CMA e passaram a ser utilizadas em diversas cerimônias, como desfiles do 7 de setembro ou formaturas do exército. "Para permitirmos que esses animais sejam utilizados nesses eventos, o CMA precisa nos informar que tem uma equipe preparada de veterinários, seguranças e médicos, para proteger o animal e as pessoas", disse a assessoria do Ipaam.

O Simba, uma das onças apresentadas durante o revezamento da tocha, possuía essa autorização. Mas Juma não. Agora, o técnicos do Ipaam avaliam exatamente o o que aconteceu. Dependendo do resultado da investigação, o fato pode gerar multa e até influenciar no licenciamento do zoológico mantido pelo exército.

Segundo Carlos Alberts, é necessário repensar a utilização das onças nesse tipo de evento. Mesmo que Juma não tivesse tentado fugir, a própria imagem do animal encoleirado não ajudaria na imagem que o Brasil quer passar para o resto do mundo. "A onça acorrentada passa a impressão do homem dominando o animal, o que é uma bobagem. Se ela realmente quisesse fugir, conseguiria arrastar até quatro tratadores", diz. "A noção que queríamos passar para o resto do mundo, de uma convivência harmônica com a natureza, já se mostrava falsa por essa imagem."

O próprio Comitê Rio 2016 reconheceu que errou na concepção do evento. "Erramos ao permitir que a Tocha Olímpica, símbolo da paz e da união entre os povos, fosse exibida ao lado de um animal selvagem acorrentado. Essa cena contraria nossas crenças e valores", disseram em um comunicado veiculado no Facebook.

Segundo Alberts, esse fato vem se somar a uma grande lista de fatos que atrapalham a imagem das Olimpíadas no Brasil. "Temos a crise política, as obras que nunca terminam, o Zika vírus, o lixo na lagoa Rodrigo de Freitas. Isso foi só a cereja podre do bolo."

"Imagina se nos jogos de Pequim, eles tivessem exposto um panda e depois de ele abrir a boca, tivessem dado um tiro?", diz o pesquisador. "Se eu tivesse algum poder de decisão nos países participantes, cancelaria a vinda aos jogos por causa disso."