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Tecnologia

​Por que Não Consigo Mais Zerar um Jogo?

O problema talvez esteja na existência de um final.
Tela de Metro 2033, mais um que não zerei.

O primeiro game que não zerei foi também o primeiro título hype que joguei: Fallout: New Vegas. O próximo que não terminei foi Stalker: Call of Pripyat. Daí não acabei Mass Effect, Bioshock, Metro 2033 e Metro: Last Light Redux. (Ok, fechei Walking Dead Season 1, da Telltales, mas aquilo ali é mais um livro do que um game.) Ao não zerar esse último trio, comecei a achar que tinha algo errado. E como não estou terminando um relacionamento, não direi que o problema sou eu. Na real, a treta é mais dos games do que minha.

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Não havia pensado sobre minha tendência até não acabar Metro 2003 Redux. Que fique claro que acho que esse talvez seja o melhor game já feito. Mas ele termina bem antes do seu final verdadeiro. A história foi contada e os mistérios, revelados — o que resta ao pobre jogador é se arrastar até o fim. Penso bastante nesse jogo e até mesmo rejoguei minha fase favorita, mas não tenho o menor interesse em zerá-lo.

De certa forma isso tem a ver com o combate contra os monstros do game, que é cagado. A inteligência artificial dos inimigos é excelente e as batalhas contra humanos sempre são interessantes — não só da perspectiva do combate, mas do ponto de vista da história também. O problema é que os monstros só surgem em ondas.

O jogo conta com alguns monstrengos bacanas que fazem coisas legais, como os trágicos e simiescos "bibliotecários" (abaixo) que olham confusos para o seu personagem e com um quê de desespero, mas eles aparecem pouco na telinha em comparação com a boiada de sangue e dentes que compõem a maior parte dos níveis. Monstros surgem em hordas cada vez maiores e longevas ao passo em que o game dá armas mais poderosas ao seu personagem, incluindo aí uma ridícula espingarda-metranca de tiro rápido. Por que isso? Não faço ideia.

As seções cagadas contra monstros de Metro não teriam se destacado tanto se o jogo não se valesse delas de forma tão preguiçosa. É chato e vazio. E o mesmo vale para qualquer um dos jogos que mencionei acima, o que com certeza inclui Bioshock Infinite, exemplo mais notável do que estou falando. Consegui terminá-lo, em partes, porque, por mais que a conclusão da história esteja nos títulos dos capítulos, queria ver como os dois universos de Bioshock se misturariam. E o game é inteligente o bastante ao poupar o jogador de um chefão final tedioso (o mesmo vale pra Dishonored, que zerei e amo). Ainda assim, não foi lá muito interessante.

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Eu gostaria de zerar um jogo e não sentir que fiquei andando em círculos por horas e horas. Vale dizer que não sou o único na prática do abandono serial de jogos: de acordo com uma apresentação na Game Developers Conference de 2014, o índice de conclusão de games para grandes títulos vai de 66% (Walking Dead da Telltales) a 30% (Borderlands 2). Já para Skyrim, um dos games mais amados de todos os tempos, o índice é de 32%. (Aliás, zerei Oblivion e achei demais; mas ainda preciso começar a jogar Skyrim de verdade, o que acontecerá algum dia.)

O diretor de criação da Ubisoft, Jason VandenBerghe, escreveu uma espécie de manifesto sobre o tema há uns anos. Ele comentou que a monotonia dos finais de games é um ciclo de retorno. Cada vez menos jogadores zeram games, assim os desenvolvedores se esforçam cada vez menos com os finais. VandenBerghe argumentou que essas estatísticas deveriam ser encaradas como uma oportunidade de fazer algo completamente louco em vez de algo chato.

"Contem a porra da verdade", advertiu.

"O primeiro Modern Warfare tinha um grande exemplo disso", escreveu VandenBerghe. "A missão final era uma loucura tremenda, punitiva e quase impossível de se terminar. Não havia quase nenhuma explicação e era simplesmente brilhante. A fase era uma celebração do game que você acabava de fechar, uma cereja de autorreferência armada até os dentes no topo do bolo. Era desnecessária, mas se tornou lendária."

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Observando a lista de games que não completei, começo a pensar se o problema não é bem como são os finais, e sim o fato de haver finais. A ideia de conclusão é compatível com a de um jogo? Um jogo, no sentido old school da coisa, é um conjunto de regras, não o desenrolar de uma história. Não perguntamos do que o rei é rei; perguntamos como o rei pode se mover. Por que esses dois exércitos simétricos estão brigando? Sabe, nunca pensei em questionar. Xadrez é só um conjunto de regras e símbolos tridimensionais que representam essas regras, não é?

Enredo e regras não são excludentes, mas é difícil imaginar um jogo com valor de replay infinito baseado em uma história com início, meio e fim. Talvez games episódicos ou semi-episódicos sejam a resposta. Se sabemos que o final está mais para o início do que para o fim — caso da série Mass Effect — continuaremos jogando, e os responsáveis aos poucos deixarão de sufocar seus games no último ato.

Não acho que é impossível surgir um jogo totalmente zerável focado na história. Os créditos sobem assim que os momentos finais do game se esgotam, cada um tão rico quanto seus primeiros momentos. O mais próximo que cheguei disso foi com Dishonored, um game que se assemelha a uma amálgama de diversos outros (Bioshock, especialmente). E até aí tudo bem, porque as mecânicas sobrepostas sobre essa amálgama são diferentes.

Então, sim, vamos encerrar em tom positivo: Dishonored não me entediou e isso porque sua combinação de enredo e regras foi coesa, ao menos em relação a qualquer outro game que joguei. As regras são físicas, em grande parte relacionadas a como um jogador pode se mover em uma paisagem tridimensional, e são excelentes. Um novo poder pode alterar a forma como o jogador se move ou ao menos por que o jogador se moveria. Corvo, o protagonista da máscara de ferro do game, começa como um mero peão e termina como uma rainha, de certa forma. Os locais e inimigos são simples e não precisam ir além disso. O jogador muda com as regras e, na maior parte do tempo, isso é o bastante. Em seus melhores momentos, Dishonored parece um misto de jogo de tabuleiro com balé.

Deveria haver mais games assim.

Tradução: Thiago "Índio" Silva