A Terra Terá Oceanos Completamente Diferentes em 2100
O Oceano Pacífico. Crédito: NASA

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A Terra Terá Oceanos Completamente Diferentes em 2100

Mais quentes, com níveis mais altos, muito lixo e sem peixes: um levantamento detalhado de como serão as águas oceânicas no fim do século.

Os oceanos estão em meio a uma mudança radical causada pelo homem. Soa meio loucura dizer que um dos maiores bens da Terra — o mar cobre 71% do planeta, veja bem — pode ser transformado por um bando de mamíferos não tão grandes como nós. Mas os seres humanos estão, de fato, refazendo o oceano. De tudo que é forma que se possa imaginar. Não resta dúvida aos cientistas que as águas em que milhões de pessoas nadam, pescam e surfam serão bem diferentes no fim do século.

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"Só existe um oceano global", como a National Ocean and Atmospheric Administration (NOAA) costuma dizer. Quando ele muda de maneiras diferentes e em locais distintos, um sistema enorme é afetado: o lixo jogado na costa australiana pode parar na Grande Mancha de Lixo do Pacífico; a poluição chinesa é levada pela maré à América do Norte; as ações dos moradores de Sheboygan, nos EUA, afetaram de alguma forma as águas em Bangladesh. Todas nossas emissões de carbono são absorvidas por oceanos em todo o mundo. É esse o lance da mudança climática.

Não é só o fato de que o oceano tem absorvido mais calor que em qualquer momento dos últimos 10.000 anos e seu nível está aumentando. Ele também está mais ácido. Sua composição química está em mudança. Ecossistemas serão reordenados e correntes, alteradas. Para os bilhões que vivem próximos a ele, o oceano ficará mais hostil. Enchentes costeiras ameaçarão cidades, passagens pelo Ártico criarão novas rotas comerciais e pescadores que dependem dos mares para sobreviver terão que se virar pra lidar com os biomas aquáticos em mutação.

"Na pior das hipóteses, ou seja, uma em que agiremos normalmente ao final do século, os oceanos parecerão com algo saído de algum filme pós-apocalíptico", diz o climatologista americano Michael Mann. "Estamos falando da extinção de peixes por causa da pesca predatória, a morte de diversas formas de vida marinha devido à poluição e acidificação do oceano, a destruição de recifes de corais por conta do impacto desta acidificação e do clareamento causado por águas oceânicas cada vez mais quentes."

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E é exatamente por causa dessas previsões que vale a pena observar as mudanças que alteram o corpo de água que define nosso planeta. Tendo como base o ano de 2100, fui atrás de projeções de modelos climáticos, relatórios de síntese voltados à práticas e recomendações com base em pesquisas para líderes políticos.

Ao passar um pente fino por todo esse conteúdo e conversando com oceanógrafos e cientistas especializados no clima, tentei criar um retrato do possível futuro de nossos oceanos.

Marés Crescentes

O oceano está crescendo neste exato momento. Isso ocorre por causa de dois fatores: o derretimento do gelo continental vindo do Ártico e da Antárctica e a expansão termal. No oceano, a expansão termal ocorre quando a água aumenta de temperatura. Isso leva a um aumento no volume e a uma redução na densidade. Agora o oceano absorve cerca de 90% do excesso de calor gerado pelo aquecimento global e recebe água do gelo derretido do Ártico e Antártica.

Para os estudiosos, não resta dúvida que os níveis do mar estão aumentando. Mas quanto?

O diretor do Instituto Goddard para Estudos Espaciais da NASA, Gavin Schmidt, me disse que a melhor previsão disponível sobre o futuro de nossos oceanos sob a ação do aquecimento global é o último relatório do Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Conhecida por trilhar um caminho mais conservador, a enorme pesquisa de 2014 é uma fonte de informações inestimável. Sua previsão é de um aumento de 0,1 a 1,5 metros ao final do século, o que pode variar de acordo com nossas emissões de gases do efeito estufa.

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"Para emissões mais altas o IPCC prevê um aumento global de 52-98 cm até 2100, o que ameaçaria a sobrevivência de cidades costeiras e ilhas inteiras", explica o oceanógrafo e climatologista Stefan Rahmstorf. As projeções maiores nos colocam na casa de 1,5 metro de aumento no nível do mar.

"Mas mesmo com reduções agressivas nas emissões, um aumento de 28-61 cm é esperado", comenta Rahmstorf. "Neste cenário altamente otimista, talvez vejamos mais do que meio metro de oceano aumentado, com impactos sérios a diversas regiões costeiras, incluindo erosão e um risco muito maior de enchentes." Em outras palavras, mesmo que reduzamos tais emissões de modo rápido e súbito, o oceano subirá de nível. Haja o que houver.

Outros cientistas alertam que a situação pode levar a aumentos bem maiores. O bambambam da climatologia, o americano James Hansen, recentemente publicou, ao lado de outros 16 respeitadíssimos co-autores, novas pesquisam que afirmam que o gelo continental na Antárctica e Groenlândia derreterão 10 vezes mais rápido e adicionarão três metros ao aumento do nível do mar em um período brevíssimo de no máximo 50 anos. O estudo é controverso e segue sob análise, porém.

Mas o que isso tudo significa? Como seria este aumento de 1,5 metro no oceano, comparado a 3? Como poderíamos vislumbrar esse inchaço oceânico?

Há uma série de ferramentas que ajudam a determinar como o evento se manifestará: a Climate Central, por exemplo, tem uma ferramenta que usa o Google Maps para demonstrar o quanto das cidades costeiras e terras dos EUA seriam engolidas pelo aumento das marés. A NOAA tem algo semelhante.

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A maior parte de Nova Orleans ficará debaixo d'água com um aumento de 1,5m, bem como grandes partes de Miami e Nova York. Algumas cidades talvez sejam poupadas com o uso de tecnologias caríssimas de tratamento de água; outras teriam que mudar de lugar. Outras, as mais pobres, seriam evacuadas e abandonadas.

Em 2100, então, os oceanos incluiriam ao menos uma parte de alguma infraestrutura humana em suas porções mais rasas; casas de praia, docas, calçadões à beira-mar e as estradas que usávamos para chegar até lá. Para ilustrar, eis Miami três metros abaixo do mar.

Água Quente

A água é capaz de absorver muito mais calor que o ar. É esse o motivo pelo qual o oceano engoliu boa parte do calor resultante do aquecimento global. Isso é ótimo para o clima. Significa que o ar não está aquecendo tão rápido como deveria – e é o motivo pelo qual rolou uma suposta "pausa" no aquecimento. Mas também significa que o oceano começou a esquentar. Mesmo.

"Ao longo dos últimos 39 anos, os oceanos aqueceram na média de >0.1˚C por década nos seus 75 metros superiores e 0.015˚C por década a 700 metros de profundidade", afirma o relatório do Framing Climate Change (FCC). Pode não parecer muito, mas é. As águas superficiais estão aquecendo. E rápido. Ao final do século, se o aquecimento seguir acelerado, essas mesmas águas podem subir um grau inteiro, na média. O efeito pode ser perigoso para ecossistemas marinhos e, de quebra, contribuir para tempestades tropicais.

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Aumentos graduais na temperatura levam também à descoloração de corais. Junto da acidificação, da qual trataremos em breve, há risco dos corais serem extintos até o final do século. Esta é a conclusão de uma pesquisa publicada em 2012 na Science. "Praticamente todos os recifes de corais do mundo poderá estar morrendo em 2100 se a tendência de emissão de dióxido de carbono se manter", declarou a revista.

Enquanto isso, como a água mais quente evapora com maior facilidade, os oceanos contribuem para tempestades mais fortes. Some a isso o nível mais alto do mar em 2100. Haverá ainda maiores chances do mar subir em comunidades próximas no caso de um furacão ou tempestade tropical. E por mais que as águas aquecidas sejam problemáticas em qualquer lugar, o aquecimento será maior quanto mais distante da linha do equador.

"A maior tendência de aquecimento se encontra em latitudes altas", longe da linha do equador, de acordo com o IPCC. O caso do Ártico e da Antárctica é emblemático. Lá as águas mais quentes derretem icebergs e gelo por baixo. Elas contribuem para o aumento no nível do mar e tomam os hábitats dos ursos polares (o mais famoso mascote do aquecimento global), leões-marinhos e demais animais. No ano passado, a falta de gelo no mar forçou 35.000 leões-marinhos a se juntarem pela primeira vez na história. Foi o mais icônico exemplo do aquecimento global.

O Ártico está aquecendo no dobro da velocidade da média global; logo, de acordo com projeções de órgãos como a NOAA e a Agência Meteorológica Britânica, o gelo do mar no Ártico pode muito bem ter derretido por completo nos verões do fim do século. "De fato", afirma a NOAA, "pensa-se que o derretimento do gelo do mar pode acelerar ao longo do Séc. XXI, com pouquíssimo gelo restando até o ano 2100".

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Águas mais quentes também são terreno fértil para espécies invasivas também, o que explica o surgimento de caranguejos caribenhos em mares mais ao norte. A vida marinha por todo o mundo está sendo direcionada para o norte — os peixes vão rumo aos pólos; tubarões dão à luz mais ao norte.

As algas se desenvolvem com maior facilidade no calor. Uma temperatura maior que o normal no Pacífico levou ao crescimento recorde de algas tóxicas que passa pela Califórnia agora, por exemplo. "É o maior desenvolvimento deste tipo de alga que já vimos na Costa Oeste, possivelmente no mundo, em qualquer época", declarou à CBS News Raphael Kudela, professor de oceanologia na Universidade da Califórnia Santa Cruz.

E por último, o desdobramento mais terrível de todos: uma expansão nas zonas mortas marinhas, onde os níveis de oxigênio são tão baixos que poucas espécies conseguem sobreviver. Talvez o caso mais conhecido seja o do Golfo do México. Uma série de estudos mostrou que o aquecimento das águas levou à expansão dessas zonas mortas marinhas, fenômeno também conhecido como hipóxia – e que, segundo os pesquisadores, se tornará parte da nossa rotina daqui pra frente.

"Qualquer aumento nas zonas mortas derivado do aquecimento global durará milhares de anos", disse à National Geographic Gary Shaffer, da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, especialista em zonas mortas. Seu modelo prevê que "o aquecimento global poderia fazer com que estas zonas mortas crescessem 10 vezes mais rápido ou mais em 2100". "No pior dos casos, as zonas mortas poderiam encobrir mais de um quinto dos oceanos do mundo.

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Esta é a pior das previsões. Talvez não vejamos zonas mortas desse tamanho, mas é certo que veremos mais zonas do que agora. Em suma, ao passo em que os oceanos são aquecidos, eles se transformarão de formas muitas vezes imprevisíveis e radicais.

Então como Gavin Schmidt, o diretor do Instituto Goddard para Estudos Espaciais da NASA e que me pareceu equilibrado nas análises, acha que serão os oceanos em 2100?

"Quentes o bastante para cozinhar um sapo", disse. "Metaforicamente." O sapo, nesse caso, somos nós.

Mergulho no Ácido

Mas não estamos só cozinhando; estamos correndo o risco de tomar um banho de ácido também. Cerca de 30 a 40% de todas as emissões de carbono vão parar no oceano e geram ácido carbônico. Como resultado, o pH na superfície oceânica hoje está 0.1 unidade abaixo do que era antes da Revolução Industrial. E as pesquisas mais recentes indicam que essas águas serão muito mais ácidas em 2100 – uma diferença de 150% ou mais. Ou seja, ao final do século, o oceano será quase duas vezes mais ácido do que na era pré-industrial.

Isto foi o que o Taro Takahashi, professor do Instituto da Terra da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, que estuda a acidificação do oceano, me disse. Ele disse concordar com o estudo de 2009 de Richard Freely que tentou projetar os níveis de acidificação do futuro.

"A magnitude da acidificação depende primeiramente da quantidade de CO2 no ar, e concordo com sua previsão desta: o pH da superfície do oceano diminuirá dos atuais 8.1 para7.75 até 2100, um aumento de 225% na concentração de íons de hidrogênio", comenta.

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Se continuarmos emitindo dióxido de carbon neste ritmo, chegaremos a 800 partes por milhão ao final do século (estamos em 400 ppm agora). Nesse caso, Freely explica, "o pH da superfície da água cairá de um valor anterior à indústria de 8.2 para 7.8. Ao final deste século, aumentando a acidez do oceano em cerca de 150% em comparação ao início da era industrial."(Estudos mais recentes indicam que pode ser até pior.)

Mas e aí? Qual o perigo de um oceano mais ácido?

De cara, os crustáceos estão em apuros. Em alguns locais, caso de certas áreas do Pacífico, o oceano já é ácido demais para que as conchas de alguns caracóis se formem corretamente. Em 2100, ecossistemas completos podem ser exterminados; não só corais e caracóis, mas muitas outras criaturas cujos exoesqueletos são constituídos de carbonato de cálcio.

Ilhas de Lixo e Peixes Cadentes

Mas não é só carbono e aquecimento, não. Os humanos afetam os oceanos diretamente também, é claro. Estamos cobrindo tudo com lixo, para começo de conversa. Três pesquisas importantes publicadas em 2014 buscavam contabilizar a quantidade de lixo que despejamos no mar. Como explicado pela National Geographic, "existem 5,25 trilhões de pedaços de plástico no oceano; destes, 269.000 toneladas flutuam na superfície, enquanto cerca de 4 bilhões de microfibras plásticas por quilômetro quadrado poluem o oceano profundo".

Nós cobrimos o leito marinho e a superfície do mar com refugos. Alterando a natureza desses ambientes por completo. E imagine que tipos de lixo 85 anos de desenvolvimento e capitalismo de livre mercado gerarão em 2100.

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"Uma estimativa recente da quantidade de plástico que adentra os oceanos anualmente é de 8 milhões de toneladas métricas de 192 países", de acordo com Asma Mahdi, da NOAA. "Essas estimativas não diferenciam os tipos de plástico. É bem complicado, levando em conta que a gestão desses detritos varia muito ao redor do mundo. Se as coisas continuarem assim, o lixo tomará os oceanos."

Se continuarmos a despejar 8 milhões de toneladas métricas de lixo no mar todo ano, será um total de 680 milhões de toneladas em 2100. Parte disso será limpado, comenta a NOAA, mas parte continuará a formar grandes massas artificiais no Pacífico e onde mais for.

Sendo direto: o oceano em 2100 estará cheio de lixo.

Talvez ele tome o lugar dos peixes, sobretudo de diversas espécies que estão sendo pescadas à extinção por todo o planeta. Uma pesquisa da Pew revelou que "90% dos estoques de peixes do mundo são pescados exacerbadamente ou já foram inteiramente pescados", Até mesmo os mais temíveis dentre os peixes, os tubarões, estão correndo risco de extinção: impressionantes 100 milhões são mortos todos os anos.

A EDF, um conhecido grupo de defesa ambiental, afirma que "de todas as ameaças enfrentadas pelos oceanos hoje, a pesca desenfreada é a que mais atinge a vida marinha e as pessoas".

Isso provavelmente é verdade agora, já que centenas de milhões de pessoas dependem de frutos do mar como fonte de proteína, e as práticas pesqueiras que secam nossos mares são bem destrutivas – lembram do arrastão?

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Uma pesquisa de 2006 da Science mostrou que estávamos a caminho de testemunhar o colapso pesqueiro no meio do século, caso as práticas danosas continuassem. E elas continuam. Após o colapso, em 2050, afirma o estudo, pegaríamos apenas 10% dos peixes em relação ao que se pescava anteriormente. Outros estudos sugerem algo menos dramático, mas concordam em grande parte que estamos exaurindo as fontes de peixes de que humanos e outros animais dependem.

Difícil saber o que restará exatamente em 2100.

Os Oceanos de 2100

"Nunca dê as costas para o oceano", meu pai costumava dizer, sempre que eu e meu irmão brincávamos perto demais das ondas. Duas coisas me impressionam sobre essa pequena pérola agora. Em primeiro lugar me parece que fizemos exatamente isso: poluímos, pescamos demais, o tornamos ácido e o aquecemos. Conseguimos destruir a parada.

Segundo: é meio esquisito pensar como o oceano de 2100 será diferente daquele para o qual eu literalmente dava as costas. A próxima geração, e a que vier depois dessa, crescerá com um oceano muito diferente daquele que eu não conseguia encarar. E o quão drasticamente mudará depende muito de como agiremos agora. Depende de quais políticas e princípios seguiremos.

E por isso o Dr. Mann, que me deu o pior dos prognósticos, ainda tem alguma esperança.

"A boa nova é que este não precisa ser nosso futuro", disse. "Ainda há tempo pra agir e salvar os oceanos para as próximas gerações."

Tradução: Thiago "Índio" Silva