​Uma breve análise antropológica dos filmes pornô em realidade virtual
Crédito: Naughty America

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​Uma breve análise antropológica dos filmes pornô em realidade virtual

Eu estava em casa com minha esposa e um óculos RV. Por que não explorar?

Você está deitado em uma mesa de massagem num quartinho decorado de modo espartano. Cadeira de madeira, lençóis brancos, biombo, almofadas. Você vê seu peito cabeludo em primeiro plano; pouco abaixo, avista sua barriga que não é tão grande quanto você pensava e, mais pra lá, uma toalha na cintura a cobrir sua genitália. Ao virar a cabeça, vê um cachepot com um ficus e, do outro lado, uma mesinha com garrafas de líquidos coloridos.

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De trás do biombo surge uma loira sorridente. Ela veste um robe de seda que termina quando começam as coxas. Apresenta-se, pega uma garrafinha e afrouxa o robe. Num movimento ensaiado, saltam dois seios fartos e matematicamente redondos. Os olhos dela estão em você o tempo todo. Ela esfrega óleo nas suas pernas peludas. Pergunta, com voz macia e melodiosa, se está bom, se você está relaxado. Sobe na mesa, tira a toalha e começa a massagear seu órgão mais sensível. Seu pau está bem maior do que o normal e você não lembra de ter feito uma circuncisão, mas e daí? Logo a loira está sentada sobre você. Revolve os quadris e se inclina para frente, os peitos tão perto que você quase consegue lamber os mamilos. Só não consegue porque, bem, como você deve ter sacado, eles não estão ali. Você só acha que existem porque está com um óculos de realidade virtual amarrado na cabeça.

A cena acima é parte do filme Kinsley Eden in Wet Massage, da produtora americana Naughty America, um dos primeiros pornôs filmados com câmeras especiais para serem consumidos via realidade virtual. Você bota um óculos desses (Samsung Gear VR, Oculus Rift, HTC Vive – dezenas de outras marcas devem entrar nesse mercado até o final do ano) e "entra" dentro do filme. Dizem por aí que esse é o futuro da pornografia. Perto do pornô RV, os vídeos convencionais do RedTube e semelhantes iram algo tão excitante quanto as clássicas revistinhas do Carlos Zéfiro. Algo que em alguns anos vai se restringir a sites de curiosidades vintage. Como eu estava equipado com um Gear VR na mão para testar games, resolvi checar se a realidade batia com o hype virtual.

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Botei mais um pra rolar: Hookers, também da Naughty America. Junto de Badoink e VR Porn, a NA é uma das pioneiras do VR Porn. Pioneirismo tecnológico, você deve saber, é uma característica das empresas de pornografia. Foram as imagens e vídeos eróticos que ajudaram a difundir o uso do videocassete e da internet. Com a realidade virtual, não podia ser diferente. Já existem dezenas de sites com filmes VR e até LiveCams VR, todos com um ou dois teasers para experimentar. Se você digitar VR Porn no seu tracker de torrente favorito com certeza vai achar uma porrada de vídeos prontos para consumo. O Samsung Gear VR, por ser o mais barato (US$ 99 lá fora, R$ 600-700 aqui), foi minha porta de entrada: você só precisa ter um Samsung Galaxy 6 (ou o recém-lançado 7) para começar a usar. Ainda existem poucos aplicativos (uns 200), mas a lista cresce diariamente. Os games têm uma resolução de Playstation 3 (alguns de PS2) e sensação de estar dentro de um armazém rodeado de zumbis ou flutuando no espaço atirando em naves é de perder o fôlego. Mas se o que move a indústria é o pornô, falemos de pornô.

Cena de Hooker. Crédito: Naughty America

Em Hooker, depois de dar o play com um toque no trackpad na lateral do Gear VR, você está sentado em uma cadeira, olhando pra baixo – mais precisamente para uma calça jeans surrada com sua "mala" protuberante. Duas mulheres atraentes entram pela porta da frente do que parece ser uma mansão que acabou de ser assaltada. Quase não há móveis ou decoração. Elas se aproximam, falam umas bobagens, se ajoelham na sua frente, acariciam seu membro sobre a calça, jogam beijinhos e vão embora subindo uma escada lateral. E aí você fica parado olhando aquela calça jeans vagabunda e um pau duro que, vale lembrar, não é o seu, por DOIS MINUTOS E FUCKING TRINTA E CINCO SEGUNDOS enquanto as damas trocam de roupa!

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A primeira decepção com o VR Porn é essa. Não tem como cortar uma cena sem quebrar a "experiência" que é como eles chamam essa imersão em um ambiente virtual. Não tem zoom ou cortes nem "money shots" com os quais o punheteiro padrão está acostumado. Isso significa que as "atrizes" precisam ser ainda mais convincentes, o que fica mais dificil se você pensar que elas estão contracenando com caras com uma câmera amarrada na cabeça pra dar a tal sensação de imersão. Depois da jornada, as duas enfim voltam vestidas com macacões pretos de plástico colantes de bondage. Elas se ajoelham novamente e aí a ação começa: fazem sexo oral, esfregam a bunda em sua cara e se pegam na sua frente.

Em um dado momento, resolvi olhar pra trás, só por curiosidade. Em vez de encontrar, como eu imaginava, uma equipe de filmagem e o diretor do filme sentado numa cadeira pronto para gritar "CORTA!" eu vejo a mesmíssima cena que está na minha frente. As mesmas minas, o mesmo membro gigante, tudo duplicado. Segunda decepção com o VR Porn: a maioria dos filmes não é 360º, mas 180º. Se você pensar, faz sentido, posto que toda a ação ocorre na sua frente (não testei nenhum VR Porn Gay, mas imagino que eles devam seguir o mesmo esquema). Perguntei pro Ian Paul, CIO da Naughty America, porque isso acontece e ele disse que o problema é o tamanho dos vídeos. "Não vale a pena. Os filmes VR tem de 4GB pra cima e fazer em 360º só para você ver uma parede atrás de você iria dobrar esse tamanho. Além disso, com 180º conseguimos aumentar a resolução e fazer a experiência muito mais realista", falou.

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A realidade virtual é um salto do pornô 2D papai e mamãe como conhecemos

Mas, desde que você não olhe pra trás, essas decepções não são nada perto do impacto de estar dentro de um filme pornô. Claro que você encontra muita bizarrice porque é tudo muito novo: aparelhos, câmeras, linguagem etc. Naughty America, Badoink e VRPorn mantêm um padrão de qualidade constante em seus vídeos, mas, se você começar a vasculhar a rede e conhecer a produção do Leste Europeu, vai ver que não basta uma câmera na cabeça pra fazer um bom filme VR. Tem muita coisa tosca, como se pode ver nessa nova empreitada do Pornhub que tenta, sem muito sucesso, ser um portal imersivo de pornô.

Não encontrei nenhum filme brasileiro por um bom motivo: a produção de filmes VR é bem mais cara que filmes HD ou mesmo 4K. Nem tanto pela gravação em si. O que encarece são os custos extras de pesquisa, finalização, suporte técnico e orientação ao usuário para que ele não baixe um filme que não roda no aparelho dele. Não é só mais um formato de vídeo que entra no processo normal de produção. É uma tecnologia muito nova e toda hora aparece uma nova câmera ou um novo capacete que pode ser o que vai dominar o mercado (só vamos saber o vencedor depois do Natal deste ano). Os equipamentos são de ponta, a linguagem é diferente, até a iluminação e o tipo de "interpretação" precisa ser pensada para o VR.

Mas essas são as dores do parto de uma nova mídia nascendo. Não há duvida que o Porno RV é o futuro. Pinturas rupestres, estátuas dos templos de Khajuraho, Kama Sutra, Marquês de Sade, Tijuana Bibles, Porno Chic, Redtube – toda a história do pornô representa a tentativa de chegar onde a tecnologia chegou agora: colocar você imerso no sexo, na fantasia. O que não vai faltar é gente inventando traquitanas para "aumentar o realismo" da experiência. Mas, segundo alguns da indústria, nem precisa. Paul, da NA, não acha que o futuro do Porn VR está no teledildonics, mas no chroma key. "Vamos começar a usar tela verde pra colocar você fazendo sexo em lugares improváveis, como no meio de uma balada lotada, num avião ou no espaço."

Como último teste, emprestei o Gear VR para minha mulher – uma pessoa bem aberta a novas experiências – dar uma voltinha. "Uau", foi a reação. Ela achou divertido ser ator pornô por uns minutos e comer umas mulheres com seu pênis virtual. Achou menos sexista do que o pornô tradicional porque "a mina tá te olhando nos olhos, não rola tanto aquele lance de submissão". Faz sentido, já que a ação na maioria dos vídeos é da atriz. O ator precisa ficar parado para não quebrar a ideia de que ele é o seu "avatar". No máximo, rola uns apertões e dedadas. Ela também reclamou da falta de um vídeo VR com o POV da mulher (procurei, mas não achei; com travesti, porém, tem de monte).

O resultado final da pesquisa – ou breve análise, como preferir – foi bem positivo. A realidade virtual é um salto do pornô 2D papai e mamãe como conhecemos. Por enquanto, temos filmes gravados com muitas limitações, mas o futuro da tecnologia é promissor. Quando os aplicativos de RV tiverem evoluído para permitir a interação entre todos os usuários, aí sim vai ser uma putaria. No bom sentido, claro. Você vai poder transar com quem quiser e ser quem você quiser, homem, mulher ou centauro alado azul.