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Opinião

As leis sobre armas que os Estados Unidos deviam aprovar, mas não aprovam

Muitos norte-americanos são a favor de um controlo de armas mais apertado, no entanto, os Republicanos que lideram o Congresso nem sequer estão dispostos a considerar essa possibilidade.
A gun show in Texas in 2016. Photo by Spencer Platt/Getty Images

Este artigo foi originalmente publicado na VICE USA.

No domingo, 1 de Outubro, os norte-americanos foram recordados de que quase a qualquer altura, em quase qualquer local, há a possibilidade de um homem - praticamente sempre um homem - disparar mortalmente sobre eles. Grande parte dos tiroteios em massa acabam por não ter tanta relevância mediática; a terrível escala e a dimensão da mortandade, foi o que fez de Las Vegas um caso tão notável. Cinquenta e nove mortos, 527 feridos, um atirador com dezenas de armas e um plano aterradoramente bem estruturado para infligir o máximo de danos possível sobre uma multidão anónima.

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Três dias depois do massacre, os motivos do atirador ainda não são claros, o que não permite qualquer tipo de espaço para debates públicos sobre extremismo ou doença mental. A única coisa que é óbvia é que se tratava de um homem que queria matar pessoas - e que as armas lhe permitiram fazê-lo.

A questão política mais relevante é, pois, se o Partido Republicano, actualmente na liderança do Congresso norte-americano, e a Casa Branca têm algum interesse em tentarem prevenir este tipo de coisas. A história recente diz-nos que não.

Os factos e números relacionados com a violência levada a cabo com uso de armas são já nossos conhecidos e voltam a entrar na consciência pública de cada vez que um tiroteio em massa é tão horrível que se torna notícia a nível nacional. Em comparação com outros países desenvolvidos, os EUA têm muito mais armas, muitas mais ocorrências deste género e muitas mais mortes causadas por armas de fogo, incluíndo homicídios, suicídios e acidentes. No Nevada, morrem mais pessoas devido a disparos de armas, do que em acidentes de viação. É também inacreditavelmente fácil comprar uma arma naquele Estado. Graças ao chamado "gun show loophole", um cidadão pode comprar praticamente qualquer tipo de arma sem que lhe seja feita uma verificação de antecedentes criminais, por exemplo. De qualquer maneira, o atirador de Las Vegas, Stephen Paddock, teria alegadamente passado essa verificação de qualquer forma.

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Nenhum regime legal consegue prevenir um louco de matar pessoas, em particular alguém como Paddock que, aparentemente, não teria qualquer historial de doenças mentais ou de violência. no entanto, há alterações às leis que têm de ser feitas e que já deviam ser tremendamente óbvias tanto para os especialistas, como para o comum cidadão, o que faz com que a total falta de acção por parte do Congresso nos últimos anos e a rendição absoluta aos interesses do lobby das armas seja ainda mais obscena.

A reforma mais clara e simples em cima da mesa é a de alargar as verificações de antecedentes a mais vendas de armas, prevenindo assim a possibilidade de algumas pessoas, como criminosos violentos, doentes mentais, ou indivíduos com historial de violência doméstica, comprarem armas.


Vê também: "'A Smarter Gun': quem está a travar as armas inteligentes?"

Esta e outras medidas poderiam ajudar pelo menos a reduzir o número de mortes ligadas a armas de fogo. Por exemplo, períodos de espera de aquisição poderiam impedir pessoas perturbadas de comprarem pistolas que utilizam imediatamente após a compra para cometerem suicídio. Ainda assim, é difícil perceber de que forma é que mesmo com estas medidas implementadas se poderia ter evitado algo como o que aconteceu em Las Vegas. É aqui que entram propostas como a da proibição de venda de carregadores de munições de alta capacidade e de equipamento que converte armas semi-automáticas em automáticas. Restrições desse género, dizem os seus defensores, poderiam, pelo menos, fazer com que fosse mais difícil alguém matar dezenas de pessoas ao mesmo tempo. Note-se que Paddock teria., alegadamente, várias armas convertidas para automáticas entre as 23 encontradas no seu quarto de hotel.

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Ainda mais simples que outra coisa qualquer seria financiar investigações e estudos sobre a violência com armas de fogo. É tremendamente chocante que este seja um tema que continue a ser tão pouco estudado. Isto, porque o Congresso impede efectivamente que dinheiro federal seja aplicado numa investigação que pode concluir que mais armas significa que mais pessoas são mortas por essas armas. Este impedimento torna mais complicado, por exemplo, que os serviços de emergência possam reagir com mais eficiência a situações de tiroteios em massa.

Qualquer medida para aumentar o controlo de armas vai, inevitavelmente, enfrentar desafios ao nível dos tribunais. Uma proposta de proibição dos carregadores de munições de alta capacidade na Califórnia está neste momento em disputa na justiça. Por outro lado, no ano passado, o Supremo Tribunal deliberou que é constitucional proibir acusados de violência doméstica de terem armas. A questão é que o problema não está nos tribunais, mas sim no Congresso, onde o controlo de armas é visto como uma impossibilidade política, graças à desproporcional influência do lobby das armas no Partido Republicano.

Em 2013, depois do assassinato de 20 crianças e seis adultos numa escola em Sandy Hook, Connecticut, o Democrata Joe Manchin e o Republicano Pat Toomey, ambos senadores pró-armas, apoiaram uma medida para a verificação de antecedentes na venda de armas que fossem efectuadas sem ser entre familiares ou amigos. Era a reforma mais moderada que se possa imaginar e, ainda assim, falhou, graças, em grande parte, à oposição dos Republicanos (alguns Democratas pró-armas também votaram contra).

Muitos eleitores - incluindo republicanos - até podem apoiar este tipo de políticas de controlo, no entanto, as vozes pró-armas lideradas pela National Rifle Association (NRA) falam extremamente alto e de uma forma incrivelmente zangada. Como resultado, qualquer tipo de debate racional tem sido bloqueado. A posição da NRA e dos seus aliados é a de que as armas são uma coisa boa e a única solução para a violência é haver mais armas, para que o comum cidadão possa disparar contra qualquer um que tente disparar sobre ele. Essa lógica leva a que a NRA defenda o "porte de arma sem restrições", tornando legal mostrar armas em público, naquilo que é uma prática a que muitos departamentos de polícia se opõem e que em tempos até foi condenada pela própria NRA. No seguimento dos acontecimentos em Las Vegas, o grupo tem mantido o silêncio, como habitualmente acontece depois de tragédias deste tipo.

Na terça-feira, 3 de Outubro, Donald Trump disse que a América "vai falar sobre leis das armas ao longo do tempo". Mas, já se falou muito sobre leis das armas antes de Trump ser sequer candidato. Não precisamos de mais conversa. Os termos de debate são: o Congresso pode tentar reduzir a violência tornando mais difícil a compra de armas, ou então pode continuar a não fazer nada. Se não fizer nada, está a admitir que os tiroteios em massa são algo com que os norte-americanos, simplesmente, têm de viver - se tiverem sorte e não forem apanhados num, claro.

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