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Receitaram-me umas pastilhas (cor-de-rosa) para o pipi que me tramaram a vida

Receitaram-me uns óvulos vaginais artificialmente coloridos que me provocaram uma comichão terrível e eu mais parecia um chihuahua sarnento.

Há uma verdade que reina sobre as outras verdades, talvez por ser básica e imediata, e essa verdade é que às vezes o chichi pica. Uma pessoa diz: ah, eu consigo aguentar, na boa, não há problema. De certeza que é só uma comichãozinha, uma pequena alteração do PH, porque ultimamente tenho bebido um pouco mais e não me tenho alimentado bem. Ou talvez seja porque cometi a VALENTE ESTUPIDEZ de me deixar levar pela Gillete e "limpar" a passarinha todinha, até ao último pêlo. Mas há alturas em que a comichão chega a um ponto em que uma pessoa não consegue concentrar-se, e apenas deseja coçar-se até não poder mais.

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Conversas com alguém, olhando-o nos olhos, soltas uns "hum, sim", consentes com a cabeça e sorris, mas apenas pensas numa coisa: COÇAR. Vês os cães que passam na rua a esfregar imponentemente o rabo contra o tronco de uma árvore e até se te humedecem os olhos de tanta inveja. Tentas migrar a tua alma para esse corpo rechonchudo e peludo com os caninos salientes, e sentir o prazer da madeira áspera contra os teus genitais. COÇAR, COÇAR. Escondes-te do outro lado de uma esquina e, sem que pareça demasiado evidente (NÃO SEI SE SABEM, mas nós, mulheres, não podemos tocar no meio das nossas pernas sem sermos alvo de chacota, comentários e olhares estranhos), em vez de avançares com as unhas, dás breves e contundentes pancadas com a bolsa. Isto é um truque da minha mãe. Obrigada, mãe. BATER, BATER, BATER. O teu mais-que-tudo ajoelha-se a teus pés e pede-te que celebrem o vosso amor numa cerimónia matrimonial no bosque tipo Robin e Marian, tu olha-o nos olhos e dizes: Ok, sim, mas podes COÇAR-ME?

Neste estado de angústia, vives impulsivamente a agarras-te (sem pensar duas vezes) a qualquer conselho que ouças por aí. A primeira vez que isto aconteceu, tinha 15 anos. A bíblia da saúde feminina que a senhora minha mãe guardava junto à sua Simone de Beauvoir com o seu "A mulher multi-orgásmica" falava do alho como uma espécie de feijão mágico, sagrado até, como antibiótico natural contras as infecções vaginais. Os meus 15 eram ainda mais ansiosos que os meus actuais e vulneráveis 31, por isso enfiei o alho, tal e qual, com a esperança de poder sair à noite e beber o meu vinho com coca cola sem angústia nem comichões. Só que, VALHA-ME DEUS, não li as letras pequeninas, as quais indicavam que o alho deveria ser envolvido previamente numa compressa para assim o poder extrair mais tarde tipo um tampão super cómodo. A noite acabou com as minhas amigas bêbedas a inserir os seus dedos nas minhas partes íntimas. Finalmente, a minha amiga com os dedos mais compridos ganhou o prémio, e tudo não passou de um susto para mais tarde recordar e DETURPAR durante séculos e séculos (uma vez, vivia eu em Madrid, quando voltei de férias para a minha cidade, um ex-amigo comentou-me que durante um tempo correu o rumor de que tinha enfiado UMA CEBOLA).

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Inconsciência dos 15 anos à parte, é melhor ir directa à questão: há algum tempo, aquela comichão voltou a visitar-me novamente. Estando eu numa situação de stress, não pude dedicar-me com cuidado e delicadeza a este problema, por isso decidi receber de braços abertos a temível MEDICINA DA ALOPATIA. O que é isso?, perguntam vocês. É uma magia negra que acontece num lugar chamado hospital, no qual um médico distraído é capaz de te receitar toneladas de antibióticos sem sequer olhar-te nos olhos. Podes até olhar para ele e dizer-lhe: 'olhe, desculpe, já tomei seis caixas de antibióticos nos últimos seis meses'. Mas não interessa. Os médicos de família, sejam homens ou mulheres, são uma espécie de machos-alfa egoístas que pensam que é sempre A TUA PRIMEIRA VEZ com eles, que chegas virgem e limpa e que não tens um passado de antibióticos no teu corpo.

Então, fui a um templo do veneno e, depois de me comentarem coisas da mudança do PH e do crescimento de bactérias, receitaram-me uns óvulos antibióticos (que são, nada mais nada menos, que umas pastilhas que se enfiam no templo sagrado que produz vida humana). Quando fui comprá-los, fiquei surpreendida com o seu tamanho (grande) e cor viva, mas decidi baixar a cabeça e acatar as instruções da senhora doutora. Fui obediente, enfiei uma pastilha todas as noites, e fiquei (ilusoriamente) à espera da sua cura. Desde o início do tratamento senti umas pequenas borbulhas nas pernas, cabeça e mãos, mas no último dia converteram-se numa alergia selvagem. No momento em que comecei a despir-me e comecei a fazer uma dança louca do coça-chora-coça, e o meu corpo parecia o de um chihuahua sarnoso, o meu coração disse-me: vamos às urgências.

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[A cápsula de gelatina branda, úvulo, de TREXEN DUO contém colorante vermelho NO.6 que pode produzir reacções alérgicas.]

Eu estava teimosa, como uma miúda de quatro anos que faz birra para entrar no infantário. "Não, não, vão-me dar mais veneno. Não, vão-me matar". Mas chegou o momento crítico da comichão, no qual comecei a ter delírios tipo: "Quero a minha mãe, quero ir para o colinho da minha mãe". E como o colo da minha mãe se encontrava a uma distância de 16 horas de avião, apanhei um taxi e fui para o hospital. Dali a nada já passeava de maca pelos corredores das urgências com uma dessas camisas largas do hospital, aquelas que te deixam o rabo ao léu, com corticoide a correr-me pelas veias. O diagnóstico: alergia às pastilhas que estava a introduzir, todas as noites, vagina adentro. A intolerância, em concreto, não se devia à composição química dos comprimidos, mas à TINTA QUE AS COLORIA.

PRIMEIRA PERGUNTA: Que necessidade há em colorir artificialmente um comprimido?

RESPOSTA: Nenhuma. Não se trata de uma questão médica, mas de uma decisão puramente ESTÉTICA. E em termos sanitários, não é totalmente prescindível e absurdo adicionar cor aos comprimidos, sobretudo quando se sabe, porque está escrito na parte lateral da caixa, que essa tinta pode causar uma reacção alérgica grave?

SEGUNDA PERGUNTA: Qual era a cor desses comprimidos fabricados para que as fêmeas as introduzam na sua vagina para aliviarem as suas ardências e comichões?

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RESPOSTA: Eram COR-DE-ROSA.

A partir daqui, o meu cérebro começou a compreender realmente que os caminhos da indústria farmacêutica não eram absurdos nem monetários, mas perversos. Suponho que nos seus cérebros maquiavélicos, para uma mulher não é nada atractivo medicar a sua passarinha com comprimidos brancos. Acho que pensaram que, para que a medicação seja absolutamente irresistível e acalme a comichão - não a da vagina - deva primar pelo requinte que existe no coração de cada delicada mulher-princesa, deva ser da cor dos sonhos das meninas.

Muitas mulheres de hoje em dia, afectadas pela palavra 'puta' balançando perigosamente nas suas cabeças, sentiram pelo menos uma vez na vida que a sua vagina é um território (talvez) demasiado transitado e esgotado, que não é esse templo sagrado e incorrupto que na realidade deveria ser. E nada melhor que, desesperada por uma comichão nas partes íntimas (uma comichão que às tantas está relacionada com essa actividade sexual desenfreada que a faz sentir culpável), que purificá-las com uma cápsula que as faça retroceder à sua infância, com aquelas adoráveis cuequinhas de algodão de quando a sua vulva era simplesmente mais uma parte do corpo, como um braço ou uma perna, algo que estava ali e não havia qualquer problema?

Quando me deram alta e pude remover a agulha e a camisa-destapa-rabos, o médico receitou-me uns comprimidos para continuar a tratar a reacção alérgica. Fui buscá-los à farmácia. Desta vez, os comprimidos NÃO ERAM ROSAS. Eram AZUIS. Tomei-os, o ardor corporal cessou. Nenhum efeito secundário a considerar. Entrei em contacto com um amigo ginecologista, contei-lhe todo o meu drama, ansiosa por criticar todo o inferno colorido da indústria farmacêutica. A sua resposta, sensível e contundente, foi a seguinte: "Por alguma razão, vejo bastantes mais casos de alergia com medicamentos cor-de-rosa do que de outras cores. Deve estar relacionado com a tinta rosa que lhes colocam. E a ti não te aconteceu nada. Já vi mulheres com a garganta completamente fechada depois de inserir os tais óvulos vaginais."

Perguntei-lhe: "Mas, se sabem que podem causar alergia, por que é que o fazem??? Por que é que os tingem?" Ele que, no fundo, trabalha no sistema, respondeu-me simplesmente: "Pois, suponho que é por o que tu dizes. A cor rosa e as mulheres e isso… Ah ah ah". Não sei por que raio veio aquele "Ah ah ah". Pareceu-me a merda de um "Ah ah ah" simbólico de toda a indústria farmacêutica, da merda dos standards de que uma mulher deseja para o seu corpo. Pareceu-me e não estou a exagerar, o "Ah ah ah" generalizado perante a violência de género quotidiana. Porque, queridas pessoas, não sei se sabem que isto, precisamente isto, também é micro-violência de género que nos colam pelos requisitos da vida sem que nos demos conta. A mim, particularmente, colou-me de uma ponta a outra do corpo.