​O pré-sal, "nosso passaporte para o futuro", perdeu a validade?
Cerimônia de batismo da Plataforma P-52 da Petrobras em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. Crédito: Ricardo Stuckert/PR - Agência Brasil

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Tecnologia

​O pré-sal, "nosso passaporte para o futuro", perdeu a validade?

Em meio às crises internas e à busca mundial por menos emissões de carbono, uma das grandes apostas econômicas do Brasil parece parada no tempo.

Era o "bilhete premiado," o "nosso passaporte para o futuro". Quando o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou, em 2008, as descobertas das reservas de petróleo em águas profundas, na camada pré-sal, não faltaram apelidos entusiasmados. O mundo estava prestes a enfrentar o tsunami da crise financeira, mas o Brasil parecia navegar em mares calmos; a economia crescia e, para muitos – senão todos – analistas, o país tinha perspectivas de gerar mais riqueza com a nova exploração de gás e petróleo debaixo da terra.

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As reservas, estimadas entre 119 bilhões e 217 bilhões de barris, tinham o potencial de colocar o país no clube seleto dos maiores produtores de petróleo do mundo. Ao longo dos anos, porém, reviravoltas no cenário interno e no contexto internacional colocaram em xeque se a exploração do pré-sal ainda é viável do ponto de vista econômico. Além da crise política nacional, autoridades do mundo todo concordaram que, para evitar que a temperatura da Terra suba acima de 1,5 °C, a população vai precisar abandonar, pelo menos em parte, os combustíveis fósseis.

Os resultados já são sentidos nos preços. Quando o pré-sal foi anunciado, o barril do petróleo valia em torno de US$ 140, a Petrobras era robusta e o real estava valorizado perante o dólar (R$ 1,67). De lá para cá, muita água passou por debaixo da ponte. Mais volátil do que nunca, o barril do petróleo hoje está cotado em US$ 45 a unidade e, antes disso, no início de 2016, chegou a US$ 30, o que pode sinalizar que a exploração do óleo em águas profundas, que requer tecnologias mais caras, pode não ser viável economicamente. No cenário nacional, a economia brasileira entrou em recessão, o dólar valorizou-se perante o real e as investigações da Operação Lava-Jato revelaram uma Petrobras carcomida pela corrupção, com dívida bruta estimada em R$ 450 bilhões, sem grau de investimento (selo de bom pagador), com os papéis em baixa na bolsa de valores e obrigada a vender ativos para levantar capital.

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A sangria acabou chegando ao pré-sal. No final de julho, a empresa anunciou a primeira venda de um campo de exploração do pré-sal, na Bacia de Santos, para a petroleira norueguesa StatOil. O negócio envolveu a venda de 66% do Campo de Carcará por US$ 2,5 bilhões, e deve ajudar a reduzir a dívida e levantar recursos para o biênio 2015-2016 com a venda de bens. Na ocasião, a Petrobrás revelou que sua estratégia é manter ativos que gerem receita no curto prazo. Em setembro, a estatal anuncia seu plano de investimentos para o próximo ano.

O ex-presidente Lula e o ex-presidente da Petrobras, Sergio Gabrielli, com óleo extraído da camada pré-sal nas mãos, em 2008. Crédito: Ricardo Stuckert/PR - Agência Brasil

Não que o pré-sal não esteja gerando receitas para o país. A produção passou de cerca de 41 mil barris/dia em 2010 para 1 milhão de barris/dia em 59 poços, que também produzem 38,1 milhões de metros cúbicos/dia de gás natural, segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP). É um recorde de produção desde que as reservas começaram a ser exploradas. Os custos de extração vêm decrescendo e hoje são de cerca de US$ 8 por barril, o que é considerado competitivo pelo mercado – exceto se os preços do barril do petróleo caírem mais. Ainda assim, talvez não seja o suficiente.

"O limite de preço de US$ 50 do barril do petróleo ainda viabiliza moderadamente o pré-sal brasileiro. Prospectar novos poços e desenvolver tecnologias, porém, demanda mais investimento, o que fica inviável se o preço do barril cair mais", afirma Luiz Pinguelli Rosa, professor de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ.

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Segundo Rosa, apesar da necessidade de reduzir emissões de gases de efeito estufa para conter as mudanças climáticas, no médio prazo o mundo continuará demandando petróleo para abastecer seus carros, navios, aviões e tanques militares. "Não podemos escapar do pré-sal. O mundo vai continuar dependente do petróleo por muitos anos ainda, e não é o com o Brasil deixando de explorar essas reservas que nós vamos estancar o aquecimento global", afirma o professor, que é ex-secretário do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas.

As questões ambientais são um fator de sombra sobre o pré-sal. A exploração de petróleo em águas profundas é uma atividade de alto risco ambiental inerente, e existem muitos questionamentos em relação aos potenciais impactos de um vazamento de óleo nos locais onde os campos estão localizados – Bacia de Santos (SP), de Campos (RJ) e Bacia do Espírito Santo. Além disso, ambientalistas questionam se as emissões de gases de efeito estufa oriundas da exploração do pré-sal poderão colocar em risco as metas de redução das emissões de carbono firmadas no acordo de Paris, quando 195 países se comprometeram com metas voluntárias em frear o aquecimento global, sob as bênçãos das Nações Unidas. O desafio é evitar que a temperatura da Terra suba mais que 1,5 °C, e para isso será preciso investir mais em energias renováveis (eólica, solar, hídrica, biomassa) e menos em petróleo, gás e carvão.

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"Há vários fatores que apontam para a perda de protagonismo dos combustíveis fósseis no cenário internacional."

"A manutenção dos investimentos na exploração de petróleo em águas profundas tem que ser analisada em um contexto em que o preço do barril de petróleo já não é tão favorável", diz Carlos Rittl, presidente executivo do Observatório do Clima, rede de ONGs que acompanha o tema das mudanças climáticas. "Além disso, há vários fatores que apontam para a perda de protagonismo dos combustíveis fósseis no cenário internacional."

Países como China, Índia e Estados Unidos já estão em uma corrida para substituir o petróleo e o carvão e garantir que parte importante da energia que consomem venha de fontes que emitam pouco carbono. Investidores de grande porte, como o fundo soberano da Noruega e fundos de pensão europeus estão retirando recursos de energia fóssil e realocando em energias renováveis. Até os países árabes tem feito vultosos investimentos em energia solar porque entendem que a soberania do petróleo está com os dias contados. "A descarbonização das economias é um caminho sem volta. A velocidade depende de vários fatores, mas basta ver como os investimentos em inovação têm sido direcionados para tecnologias de baixo carbono", diz Rittl.

Um relatório do Greenpeace lançado no final de agosto sugere que o Brasil não perderá com o abandono progressivo dos combustíveis fósseis até 2050 – pelo contrário, a transição para uma matriz composta 100% por energias limpas custaria R$ 1,7 trilhão em investimentos ao longo dos próximos anos, cerca de 6% a mais em relação ao que o Brasil precisa investir em energia, de acordo com as políticas atuais para o setor. Batizado de Revolução Energética, o relatório da ONG sugere abrir mão do carvão até 2030, do petróleo até 2040 e banir completamente a aposta no pré-sal. "A exploração do pré-sal é uma verdadeira bomba de carbono, que não poderá ser explorada diante da crise climática que enfrentamos", diz o documento.

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O ex-diretor da Petrobras, Ildo Sauer, que hoje comanda o Instituto de Energia e Ambiente da USP, acha a proposta inviável. "A ideia de que o pré-sal deve ser esquecido é uma ideia polêmica que merece debate e reflexão", afirma. Segundo ele, o modelo econômico vigente ainda não viabiliza o abandono dos combustíveis fósseis, a menos que haja uma revolução tecnológica que torne as energias renováveis incrivelmente baratas. "O sistema socioeconômico foi construído para produzir e satisfazer necessidades físicas da sociedade, e tem se orientado a buscar as fontes de energia de menor custo e maior produtividade. Cada barril de petróleo da Arábia Saudita custa US$ 1 para ser produzido."

Mas não seria justamente o baixo custo de produção do petróleo em alguns países a causa de sua própria decadência? A recente queda nos preços do petróleo teve como um de seus fatores o excesso de oferta. No período em os preços do petróleo estavam em patamares elevados – justamente quando as reservas do pré-sal foram descobertas – foram feitos muitos investimentos e abertas novas áreas de exploração no mundo todo, o que acabou levando a um excedente de produção em um momento em que a economia global não cresce tanto. De 2008 em diante, vários países europeus entraram em crise e até o apetite por crescimento dos países emergentes arrefeceu. A China, que foi o motor da economia global, cresceu 10,3% em 2010. No ano passado, a alta do PIB chinês foi de 6,9%.

"Hoje o cenário para o pré-sal não é dos mais promissores porque o mercado internacional não está absorvendo a produção."

"Isso acarreta uma diferença significativa na demanda por commodities como o petróleo. Hoje o cenário para o pré-sal não é dos mais promissores porque o mercado internacional não está absorvendo a produção", diz Alexandre Miserani, professor de economia e administração da Faculdade Arnaldo, de Belo Horizonte, em Minas Gerais.

Soma-se a isso o fato de que grandes produtores de óleo, como a Arábia Saudita, fizeram mudanças na estratégia. No passado, esses países faziam cortes em sua produção para manter os preços estáveis quando havia muita volatilidade no preço do petróleo. Mas, com a entrada de novos países produtores no jogo, os árabes vêm evitando usar essa estratégia, com receio de perder mercado. Nesse contexto, segundo Miserani, os investimentos no pré-sal só se justificam se houver uma retomada firme da economia brasileira, o que ainda é incerto. "O pré-sal deixou de ser o bilhete premiado por uma série de políticas internas equivocadas e um cenário internacional desfavorável", conclui.