FYI.

This story is over 5 years old.

Tecnologia

O Especial de Natal de 'Star Wars' É a Pior Coisa Que Já Passou na Televisão

As instruções de George Lucas significavam que o programa perigava parecer “um longo episódio de Lassie”.
​Lumpawaroo, filho do Chewbacca, no filme Star Wars Holiday Special, de 1978, que não serve nem para uma noitada de filmes ruins.

A antiga fita VHS de Guerra nas Estrelas que habitava a casa do meu avô fazia parte das estranhas celebrações de Natal da nossa família, uma espécie de refúgio pós-presentes contra mais uma sessão de A Felicidade Não Se Compra. Mas ninguém nunca me mostrou o especial de fim de ano.

E é exatamente isso que George Lucas, Harrison Ford, James Earl Jones e quase todo mundo envolvido no filme de 1978, da rede CBS, aparentemente queria.

Publicidade

Como era o primeiro spin-off da saga, um ano depois de Guerra nas Estrelas bater todos os recordes de bilheteria e se tornar o filme mais lucrativo de todos os tempos, a lógica financeira de um especial do tipo parecia impecável. Para os diretores da CBS (ninguém sabe ao certo quem propôs a ideia primeiro), o programa era uma promessa de pontos de audiência, e Lucas e os representantes da empresa então conhecida como The Star Wars Corporation viram nele uma oportunidade para estender a franquia, manter a atenção dos espectadores arrebatada pela universo de Guerra nas Estrelas, vender mais brinquedos e angariar novos fãs.

O especial foi programado para ser transmitido na CBS logo antes do Dia de Ação de Graças, quando as audiências eram fartas, agradando assim os diretores do canal e dando uma nova chance a Lucas para lembras a audiência de seu universo geek em plena temporada de compra de brinquedos. Um ano antes, quando o filme ainda estava nos cinemas, programas de auditório produziram segmentos com aliens de Cantina, apresentados por Donny e Marie Osmond e Richard Pryor, e ajudaram a alavancar as vendas de ingressos. Como a sequência só seria lançada dali a dois anos (o longametragem O Império Contra-Ataca), um especial de festividades soava como uma boa ideia para manter a saga de Guerra nas Estrelas fresquinha.

Isso, claro, foi bem antes de acusarem Lucas de ​sabotar a franquia com continuações vergonhosas. O próprio Lucas mal participou do processo de produção, mas ele insistiu em um aspecto: que a sinopse girasse em torno da família Wookie do Chewbacca, baseada em, segundo anotações da produção, "um verdadeiro poço de informações sobre o histórico do estilo de vida 'Wookie', registrado numa 'bíblia' de 40 páginas que nunca foi usada, ligada ao filme original".

Publicidade

Bruce Vilanch, roteirista de humor e colega de classe de Lucas na Universidade do Sul da Califórnia, indicado para escrever o especial, não confiou muito na ideia. Conforme ​ele contou a Frank DiGiacomo, da Vanity Fair, em 2008, as instruções de Lucas significavam que o programa perigava parecer "um longo episódio de Lassie".

"Eu disse: 'Você optou por construir uma história sobre personagens que não falam. O único som que fazem parece uma pessoa gorda tendo um orgasmo'", lembrou Vilanch. "Aliás, cheguei a dizer a ele que poderia deixar um gravador no meu quarto e colocar o som em looping depois, que eu faria o trabalho do Foley com prazer."

Lucas era irredutível, não faltava gente em Hollywood disposta a seguir as ordens dele, e a CBS estava decidida a seguir em frente com a ideia. (Vilanch, famoso por suas contribuições humorísticas para os Muppets, o jogo televisivo Hollywood Squares e outros programas de auditório, largou a produção no meio do caminho, e também tentou tirar seu nome dos créditos.) A direção caiu nas mãos de Steve Binder, um veterano de programas de variedades, conhecido por persuadir Elvis a retomar as baladas populares para um especial da NBC, em 1968, programa que às vezes é apontado como precursor da série Acústico, da MTV. Mas mesmo esse legado teve dificuldades para suplantar a memória de uma celebração Wookie, laica.

Enfim, a sinopse foi amarrada por uma história sobre Chewbacca e Han Solo visitando Kashyyyk, o planeta natal de Chewbacca, no mesmo momento em que o Império começou uma barricada por lá em busca dos Rebeldes, poucos dias antes de uma celebração Wookie tradicional, o Dia da Vida. (Os nerds na plateia notarão que o Dia da Vida foi originalmente uma tentativa de substituir o Dia de Ação de Graças; a transmissão tardia em outros países, onde não se celebra Ação de Graças, ​gerou a impressãode que o Dia da Vida, na verdade, era para ser uma versão Wookie do Natal; dizem que o próprio Lucas já se referiu ao programa como "especial de Natal" sem querer)

Publicidade

Depois de um prólogo incrivelmente longo tomar a tela, a ação começa com bebês Wookie brincando com — surprisa! — brinquedos licenciados de Guerra nas Estrelas. Intercalados com longos trechos, quase avant-garde, de diálogos Wookie intraduzíveis, grunhidos, surgem números musicais, apresentações dignas de programas de variedades e aparições de celebridades dos anos 70, como Art Carney (The Honeymooners), Harvey Korman (The Carol Burnett Show, Banzé no Oeste) e Bea Arthur (As Super Gatas). Korman interpreta mais de um personagem, incluindo uma Palmirinha intergalática de quatro braços, cozinhando uma iguaria de Natal chamada "Surpresa de Bantha". Art Carney faz uma serenata para os Chewbaccas com o refrão: "Por que esses rostos longos, peludões?" Então, ele faz com que Attichitcuk, ou "Itchy", pai de Chewbacca, sente em frente a uma máquina de realidade virtual, na qual Diahann Carroll aparece para uma performance que pode ser descrita apenas como sexo holográfico por telefone.

"Eu sei que você está me procurando", ela ronrona. "Estou aqui. Minha voz só serve a você. Apenas os seus olhos me vêem. Existo para você. Estou na sua mente à medida que você me cria. Ah, sim. Posso sentir minha criação. Estou recebendo a sua mensagem. Você está recebendo a minha? Ah! Ah! Estamos animados, não estamos? Relaxe. Relaxe. Sim. Agora podemos nos divertir, não podemos? Vou contar um segredo. Acho você adorável." Então, começa uma apresentação de acrobacia circense, com paralelas assimétricas e malabarismo. Seria meio engraçado, meio esquisito, não fosse completamente esquisito.

Publicidade

"As pessoas me falaram desse número anos atrás, então eu estava ansioso por ele", um crítico chamado Chad Webb escreveu no Nether Regions, seu blog sobre DVDs obscuros. "Mas fiquei chocado e perplexo ao ver o quão lisérgico e sugestivo era de fato. Nossa, isso acontece mesmo."

A essa altura, o pulo do tubarão já passou faz tempo, quando a banda Jefferson Starship aparece na máquina de hologramas, ​tocando uma versão de "Light the Sky on Fire" para um policial do Império enfeitiçado.Mais para frente, Harrison Ford, Carrie Fisher e Mark Hamill entram em cena aparentemente como reféns. Algumas coisas estão além de descrições; outras sequer merecem ser descritas. E pouquíssimas coisas se encaixam perfeitamente em ambas as categorias.

"SE EU TIVESSE TEMPO E UMA MARRETA", DECLAROU GEORGE LUCAS, "EU RASTREARIA E DESTRUIRIA TODAS AS CÓPIAS DO PROGRAMA."

"Foi uma iteração muito estranha do conceito do filme original e dos programas de variedade habituais, estilo Carol Burnett", Craig Chaquico, antigo guitarrista e compositor da Jefferson Starship, contou a DiGiacamo em 2008. "Eu mesmo pirei, fiquei viajando."

No final, a Princesa Leia encerra o filme liderando a trupe numa rendição da canção "Happy Life Day", que, por incrível que pareça, é uma releitura da música-tema de Guerra nas Estrelas, com letras. Ela introduz a canção com um discurso que transforma o Dia da Vida numa causa em prol de direitos civis, heroísmo e amor, tudo ao mesmo tempo:

Publicidade

"Este feriado é de vocês", ela diz a uma plateia de Wookies, "mas todos nós compartilhamos da esperança de que este dia nos aproxime da liberdade, da harmonia e da paz. Não importa o quão diferentes somos, estamos todos na mesma batalha contra o poder do mal e da escuridão. Espero que esta data seja sempre um dia de alegria, um dia para perpetuarmos nossa dedicação e nossa coragem. E mais do que isso, nosso amor pelo próximo. Esta é a promessa da Árvore da Vida."

"Estou convencido de que o especial foi escrito e dirigido por um pacote vivo de cocaína", Nathan Rabin, do site AV Club, escreveu numa monografia recente sobre o tema. Se o programa tem "uma virtude, é que uma hora acaba".

Nenhum truque mental dos Jedi seria capaz de fazer o mundo esquecer. Mas Lucas tinha a tecnologia a seu favor: o filme passou na TV americana apenas uma vez, no dia 17 de novembro de 1978, na CBS, das 20h às 22h. Na época, a internet ainda vestia paninhos de ninar, restringindo as transmissões clandestinas à rede de bootlegs em VHS. Nessas fitas, escondem-se os restos, as versões existentes do especial.

Uma gravação de primeira geração, da Des Moines, um canal de Iowa, está disponível em diversos sites de BitTorrent; outras gravações da WMAR-TV, rede de Baltimore, Maryland, afiliada então à CBS, flutuam em partes pelo YouTube, com os comerciais originais da época inclusos, mesmerizantes. Procurando por imagens, esbarrei com alguns encartes feitos por fãs, mas que parecem reais, para uma versão do filme em DVD, item que certamente jamais existirá.

Publicidade

"Se eu tivesse tempo e uma marreta", George Lucas declarou numa convenção de fãs alguns anos atrás, "eu rastrearia e destruiria todas as cópias do programa."

Embora ele não negue a responsabilidade pela história dos Wookies, numa entrevista de 2005, Lucas passou a batata para a equipe de produção. "O especial de 1978 não teve a ver com a gente, sabe", Lucas contou à StaticMultimedia.com. "Não lembro que canal passou o filme, mas foi algo que produziram. E nós meio que deixamos. Foi feito por… Sequer consigo me lembrar da equipe, mas eram pessoas de programas de variedade. Liberamos o uso dos personagens e afins, e acho que não foi uma boa decisão, mas aprendemos com a experiência."

Para os fãs de carteirinha, o especial é, de qualquer forma, um tesouro do universo de Guerra nas Estrelas. O programa apresenta três membros da família do Chewbacca — seu pai, Attichitcuk; sua esposa, Mallatobuck; e seu filho, Lumpawarrump — e marca a primeira aparição do caçador de recompensas Boba Fett, personagem que tem um culto de fãs.

Para os demais, foram as piores duas horas da televisão de todos os tempos. Essa foi a avaliação de David Hofstede, autor do livro What Were They Thinking?: The 100 Dumbest Events in Television History (Onde Eles Estavam com a Cabeça?: Os 100 Piores Eventos da História da Televisão). Para Shepard Smith, âncora da Fox, foi um "descarrilamento dos anos 70, combinando o pior de Guerra nas Estrelas com o pior da televisão". Em 2006, Conan O'Brian guardou alguns minutos de sua entrevista com Harrison Ford para indagar sobre o caso. Ford simulou ignorância, e então expressou nervosismo quando Conan passou um trecho. "Obrigado", ele murmurou.

Publicidade

Por mais meticuloso e protetor que Lucas seja, o especial é um lembrete de que Guerra nas Estrelas sempre foi um grande negócio. Apesar dos arrependimentos, a lógica comercial de Lucas continuou expandindo o universo com sequências dúbias, que, sob alguns pontos de vista, parecem meras justificativas para produtos licenciados, jogos de videogame, aplicativos de realidade aumentada e comerciais da Adidas.

O preço dos erros de Lucas não são comerciais, não mesmo: apesar dos passos em falso que começaram com o especial em, questão, Guerra nas Estrelas ainda é uma das marcas mais lucrativas da história do cinema. Isso não reduz a moral do caso: qualquer boa história corre o risco de ser arruinada logo no início, mesmo no ápice. Nenhum universo está a salvo das leis de entropia, ou de um especial descuidado, um programa tão ruim que é quase bom. Quase.

Ainda assim, Carrie Fisher — sem esquecer de seus próprios fracassos pessoais — encontrou um ponto positivo na experiência toda. Para gravar os comentários dos DVDs de Guerra nas Estrelas, ela pediu a Lucas, em troca, uma cópia do especial. Segundo uma conversa de Fisher com David Carr, ela pediu o filme para usá-lo em festas, "para a hora que quero mandar todo mundo embora".​


Esta história foi originalmente publicada em 2010, e foi atualizada no dia 20 de dezembro de 2013.

Tradução: Stephanie Fernandes