Jair Bolsonaro: o "mito" que dividiu o Brasil e chacoalhou a eleição

FYI.

This story is over 5 years old.

Quem quer ser presidente

Jair Bolsonaro: o "mito" que dividiu o Brasil e chacoalhou a eleição

Na série de apresentação dos presidenciáveis para 2018, a VICE conta a trajetória de Jair Bolsonaro, candidato do PSL.

Não é possível ficar indiferente a Jair Bolsonaro. Até mesmo ao ser vítima de um atentado como o da última quinta-feira, quando foi esfaqueado durante um ato de campanha em Juiz de Fora, muitas manifestações de compaixão vieram acompanhadas, direta ou indiretamente, de senões como “mas ele instiga a violência” ou “semeou vento e colheu tempestade”. Líder nas pesquisas eleitorais no cenário sem o ex-presidente Lula, com 22% no Ibope da semana passada, o ex-capitão do Exército é amado e odiado quase na mesma proporção.

Publicidade

E, quem diria, o presidenciável mais à direita das eleições no Brasil em 2018 já foi preso por agir como um sindicalista. Até o final dos anos 80, a revista Veja tinha em sua última página um espaço chamado Ponto de Vista, em que abria espaço para representantes de diferentes setores da sociedade. Na edição de 3 de setembro de 1986, ela apareceu com um texto assinado pelo então capitão do Exército Jair Messias Bolsonaro intitulado “O salário está baixo”.


Assista ao documentário O Mito de Bolsonaro:


O Brasil naquele momento vivia a ressaca após a euforia do Plano Cruzado. Os preços e salários estavam oficialmente congelados, maneira encontrada pelo governo para tentar brecar a inflação, mas a medida teve um efeito colateral: alguns produtos desapareceram das gôndolas dos supermercados. Carne bovina, por exemplo, era artigo de luxo. Para comprar um carro zero quilômetro, era preciso esperar meses — ou pagar por fora um “ágio” à concessionária, o que muitas vezes significava pegar modelos cheios de opcionais por um preço muito maior.

Vale lembrar que ainda não havia se passado um ano e meio desde a posse de José Sarney, o primeiro presidente civil após 21 anos de ditadura militar. As notícias que vinham dos quartéis ainda repercutiam, interessavam, causavam debate. Assim, a soma da recessão que vitimava os trabalhadores com a insatisfação daqueles cujo emprego era a defesa nacional, com porte de armas, obviamente resultava num assunto de interesse, digno de ir parar na principal revista do país.

Publicidade

“Como capitão do Exército brasileiro, da ativa, sou obrigado pela minha consciência a confessar que a tropa vive uma situação crítica no que se refere a vencimentos. Uma rápida passada de olhos na tabela de salários (…) demonstra, por exemplo, que um capitão com oito a nove anos de permanência no posto recebe — incluindo soldo, quinquênio, habitação militar, indenização de tropa, representação e moradia, descontados o fundo de saúde e a pensão militar — exatos 10.433 cruzados por mês”, reclamava Bolsonaro no texto. E creditava ao baixo salário a evasão de mais de 80 cadetes da Aman (Academia Militar das Agulhas Negras), o mesmo lugar onde ele se formara anos antes. “Corro o risco de ver minha carreira de devoto militar seriamente ameaçada, mas a imposição da crise e da falta de perspectivas que enfrentamos é maior. Sou um cidadão brasileiro cumpridor dos meus deveres, patriota e portador de uma excelente folha de serviços. Apesar disso, não consigo sonhar com as necessidades mínimas que uma pessoa do meu nível cultural e social poderia almejar”, conclui o capitão.



Para se ter uma ideia, o salário citado no texto por Bolsonaro equivalia a quase 13 vezes o salário mínimo da época, de 804 cruzados. E o temor do oficial se justificou: ele levou 15 dias de detenção por "ter ferido a ética, gerando clima de inquietação no âmbito da organização militar e por ter sido indiscreto na abordagem de assuntos de caráter oficial."

Publicidade

Bolsonaro voltaria às páginas de Veja no ano seguinte, acusado de planejar um atentado a bomba numa instalação militar para pressionar os comandantes, ainda levando em conta a questão salarial. Além disso, acusou o ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, de “se comportar como um segundo Pinochet”. Novamente indiciado, foi absolvido pelo Supremo Tribunal Militar por falta de provas num processo que se estendeu até julho de 1988, mas decidiu pendurar a farda, interrompendo uma trajetória iniciada em 1971, quando o jovem Jair, aos 16 anos, se inscreveu na Escola Preparatória de Cadetes, em Campinas, onde vivia com os pais.

A transição para a política foi rápida. Filiou-se ao PDC e ainda em 1988 disputou seu primeiro cargo, de vereador no Rio de janeiro. Com apoio do general Newton Cruz, um dos mais notórios oficiais nos anos finais do regime militar, elegeu-se como o candidato mais votado da legenda. Na Câmara, cumpriu menos da metade do mandato e aventurou-se a voos mais altos: em 1990, saiu candidato a deputado federal. Novamente teve sucesso e iniciou sua trajetória de sete mandatos consecutivos como parlamentar, por vários partidos diferentes. A entrada no PSL, a legenda atual, deu-se apenas neste ano.

O início desses quase 28 anos foi discreto, com discussão principalmente de assuntos voltados às Forças Armadas. Aos poucos, porém, Bolsonaro foi mudando de pauta, como registrou este levantamento da BBC Brasil, e começou a abordar assuntos com viés mais conservador, com críticas aos Direitos Humanos e defesa da “família e bons costumes”, além de defender o retorno do regime militar. Em 1999, num programa de TV, chocou ao dar entrevista defendendo como solução para os problemas do Brasil “uma guerra civil que mate 30 mil pessoas a começar pelo FHC”, o então presidente Fernando Henrique Cardoso. No ano passado, em sabatina na revista Veja, amenizou as declarações e disse que foram apenas “momentos de chutar a barraca.”

Publicidade

Mas a fama televisiva chegou mesmo desde 2010, quando Bolsonaro se tornou figurinha carimbada em programas de entretenimento na TV aberta. Levantamento de Victor Piaia e Raul Nunes, doutorandos em Sociologia do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), aponta que o hoje presidenciável esteve em 33 programas entre 2010 e 2018, sendo 11 vezes apenas no Superpop, da RedeTV!, e outras cinco no CQC, da TV Bandeirantes. Não foi incluído na conta o quadro “Mitadas do Bolsonabo”, apresentado entre março e dezembro do ano passado no Pânico na Band, em que o parlamentar era imitado por um humorista. A conclusão dos especialistas é que a presença na TV ajudou a naturalizar o discurso de Bolsonaro, sempre no limite entre o que uns acusam de homofobia, racismo e misoginia, e outros elogiam por “não se curvar ao politicamente correto.”

Na última quinta-feira, Bolsonaro fazia uma caminhada pelo centro de Juiz de Fora quando, no momento em que era carregado nos ombros de um assessor, foi atingido na barriga por uma facada dada por Adelio Bispo de Oliveira, um auxiliar de pedreiro que disse ter agido “a mando de Deus”. Ele foi levado a um presídio federal em Campo Grande (MS) e seguirá preso até o julgamento. Bolsonaro, que sofreu complicações no intestino e chegou a correr risco de morte, passou por cirurgia ainda em Juiz de Fora e depois foi transferido para o Hospital Albert Einstein, em São Paulo. O candidato ainda não tem previsão de alta.

Jair Messias Bolsonaro
Formação: Bacharel em Educação Física pela Escola de Educação Física do Exército
Idade: 63
Patrimônio: R$ 2.286.779,48
Trajetória (partidos): PDC-PP-PPR/PPB-PTB-PFL-PP-PSC-PSL
Vice: Antônio Hamilton Martins Mourão (PRTB)

Acompanhe as trajetórias de todos os presidenciáveis na série Quem quer ser presidente. Novos perfis toda segunda, quarta e sexta.

Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter, Instagram e YouTube.