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VICE Sports

Por que é tão difícil uma mulher correr na rua sem sofrer assédio

Sair pra praticar esporte é quase impossível se você estiver vestida com roupa de corrida.

Três anos atrás, a professora de yoga Gizele Dias Ribeiro, 32, corria perto de sua casa, na zona sul de São Paulo, quando viu um cara passar olhando para ela. Tensa, decidiu se alongar e, pouco depois, continuou o trajeto. Algo parecia estar errado. Quando desceu a rua e passou pelo homem novamente, ouviu passadas rápidas atrás de si. Sabia que iria ser abordada, então diminuiu a velocidade como forma de proteção.

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O homem a abordou com uma arma no peito e disse pra Gizele entrar na mata. Quando ele deu uma brecha, ela reagiu. “Encaixei minha perna no meio das dele e o empurrei pro meio da rua segurando a arma e gritando muito alto”, relembra. O criminoso acabou fugindo.

Essa situação fez Gizele se afastar da corrida por dois meses por ordem de sua família. Em casa, remoeu o fato com raiva. “A corrida na rua me passa a sensação de liberdade, por isso que eu amo tanto. Eu não queria me limitar só por conta de alguns idiotas”, disse. “Quem tem que se educar são eles, não a gente.”

O caso da professora de yoga não é incomum nas cidades brasileiras. Karla Silva, 38, corre em Florianópolis, em Santa Catarina, e já sofreu todos os tipos de assédio. Mesmo sob a luz do dia e na avenida mais movimentada da capital, a Beira Mar, não saiu ilesa. Em um dia de sol, com muita gente na rua e em frente ao posto da Polícia Federal, a professora de inglês se alongou e se deparou com um ato obsceno. “Passei e um cara saiu de trás de uma árvore, colocou o pênis pra fora e começou a se masturbar ali. Foi uma situação que me pegou de surpresa porque era um lugar e horário que eu esperava que jamais isso fosse acontecer.”

Karla iniciou o hobby porque precisava se exercitar e acha a academia um lugar muito monótono. Foi procurando algo pra sair de casa que ela descobriu o mundo das corridas. “A corrida pra mim é um momento meu, quando me desligo de tudo”, diz. “É o que me ajuda a continuar nos momentos de desânimo.”

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Para sua própria segurança, Karla corre em locais que tem mais movimento. “Procuro correr em avenidas e parques, mas o assédio acontece nesses lugares também, independentemente da hora.”

Não há dados sobre o tema, mas as atletas amadoras concordam que muitas mulheres deixam de correr nas ruas por medo de lidar com o assédio. Segundo uma pesquisa do Datafolha, em 2017, uma em cada três mulheres acima de 16 anos já sofreu assédio sexual nas ruas. Com as frequentes situações, o assovio, as olhadas e as ameaças, é natural que elas se sintam intimidadas.

A atleta amadora e professora de biologia, Giseli Trento, outra corredora que enfrentou uma série de assédios nos últimos anos, sofreu tanto com a situação que criou uma conta no Instagram de como se proteger de corridas de rua. O “Só Quero Treinar” é um espaço de dicas, relatos e encontro das mulheres que correm por todo o Brasil. Em dois meses de existência, sem qualquer campanha, a conta já tem seis mil seguidores no Brasil todo. “Toda vida eu ia treinar com medo e voltava com medo, e isso me deu uma sensação de impotência tão grande que precisei fazer alguma coisa pra divulgar que isso existe.”

A atleta comenta que os conteúdos que coloca no seu perfil são feitos com ajuda do próprio público. “Várias pessoas me falam que através do meu perfil criaram grupos em suas cidades para correr sem perigo”, comenta.

Ela diz que todas as histórias que chegam pra ela são bem parecidas com o que vive até hoje. “Muitas mulheres até nem contam [que estão correndo] em casa com medo do marido não deixe ela fazer sozinha. A gente até se sente culpada”, recorda.

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Hoje seu público é 25% masculino. “É um dos públicos que a gente quer atingir para que eles não pratiquem essa tentativa inconveniente ou coisas piores”, afirma Giseli.

O apoio masculino é fundamental até para ajudar a conscientizar policiais. Muitas vezes a pior parte, afirmam as corredoras, é prestar queixa na delegacia. No caso da Gizele, quando foi denunciar sobre a tentativa de estupro, disse que ainda teve que ouvir a clássica frase: “mas você corre sempre com essa roupa?".

Até maio de 2001, não havia regulamentação jurídica específica para o crime de assédio sexual. Por ser uma lei recente, o preparo dos oficiais de justiça para questões como essas ainda é mínimo e muitas mulheres deixam de prestar queixas.

Essa problemática é levantada em uma tese da cientista social e especialista em segurança pública, Rachel Fukuda. No texto, ela cita que o processo judicial para vítimas de assédio é interpretado a partir de dois pilares: a investigação policial e normas sociais, o que leva para um lado mais subjetivo de julgamento.

Segundo a pesquisadora, quando a subjetividade está presente, a chance de ocorrer pré-julgamentos e preconceitos é muito grande, o que acaba atrapalhando o caso e distanciando as vítimas.

Enquanto o combate ao assédio caminha a passos lentos na Justiça, para Giseli, além da conscientização dos homens, as mulheres também podem procurar assessorias esportivas, ter grupos de WhatsApp e sempre andar em grupo. “Infelizmente enquanto não houver respeito, vamos nos sentir inseguras em um momento que deveríamos relaxar.”

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