Teria a homofobia da polícia permitido que um serial killer ficasse um ano matando gays em Londres?
Ilustrações por Alex Jenkins.

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Teria a homofobia da polícia permitido que um serial killer ficasse um ano matando gays em Londres?

Stephen Port, 40, é acusado de drogar e matar quatro jovens depois de os encontrar pelo Grindr.
Max Daly
London, GB

Quando Barbara Denham, em seu passeio matinal com cachorros, viu o corpo de Gabriel Kovari sentado contra um muro num cemitério de East London, ela pensou que ele só estava dormindo. Quando passou por ele, ela achou que ele parecia imóvel demais.

"Pensei comigo 'Ele não se mexeu — não se encolheu, isso não está certo'", ela disse ao Daily Mail. "Então bati palma perto do rosto dele e gritei 'iu huu', mas nada aconteceu. Ele estava de óculos escuros, um pouco tortos. Toquei a bochecha dele e puxei a mão rapidamente, ele estava gelado."

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Era o verão de 2014 e Kovari, um artista magro e loiro de 22 anos, tinha acabado de chegar da Eslováquia. Com um punhado de amigos na cidade, Kovari postou no Grindr que estava procurando um quarto para alugar. John*, um produtor de comerciais, tinha um quarto vago em sua casa em Deptford, e eles arranjaram um encontro.

"Ele era um cara muito doce e tinha um charme discreto", disse John. "Me senti confortável em tê-lo morando comigo e nos tornamos amigos. Ele me disse que estava tentando ganhar a vida em Londres e isso fazia sentido, porque sim, a cidade atrai jovens gays de outras partes do Reino Unido e da Europa, já que parece mais tolerante e liberal comparada a outras. Ele disse que queria que sua vida começasse em Londres."

Kovari ficou na casa por seis semanas, depois disse a John que tinha encontrado um novo lugar para ficar. "Tomamos um último drinque", diz John. "Foi a última vez que o vi. Tentei entrar em contato com ele alguns dias depois, mas não tive resposta."

No dia 28 de agosto de 2014, John ouviu uma batida em sua porta. Eram dois policiais, perguntando se ele conhecia Gabriel Kovari. Ele disse que sim, que Gabriel tinha sido seu inquilino. Os policiais informaram John que Kovari tinha sido encontrado morto naquela manhã, no cemitério da igreja St Margaret em Barking, um bairro de East London. A morte ainda não estava explicada, eles disseram.

Cerca de dois meses antes, em junho, Anthony Walgate e suas amigas China e Kiera, todos de 20 e poucos anos, estavam de férias da Universidade Middlesex, onde faziam moda. China e Kiera lembram bem disso, já que foi a última vez que viram Walgate vivo.

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Eles tinham passado a tarde bebendo ao sol, aproveitando o raro tempo bom em Londres. Depois de uma refeição num café turco, eles voltaram para o quarto de Walgate, numa casa que ele compartilhava em Golder's Green, no noroeste de Londres. "Anthony estava falando animadamente sobre ir para o Royal College of Art e fazer mestrado em moda", Kiera relembra o rapaz magro e loiro de 23 anos de Hull, norte da Inglaterra. "Ele tinha se tornado mais dedicado e confiante no último ano, e estava muito ansioso para começar a trabalhar como estilista."

Mais tarde naquele domingo, Walgate disse a elas que tinha arranjado um encontro por um aplicativo na terça-feira seguinte. Como um amigo de China tinha sido assaltado por uma gangue pelo Tinder, Walgate avisou as amigas com quem ia se encontrar, além de onde e quando. Na noite de terça, Kiera lembra de enviar uma mensagem para Walgate enquanto ele se aprontava. "Anthony me falou que estava esperando a hora do encontro e que roupa ia usar", ela disse.

No dia seguinte, Walgate não apareceu para um encontro que tinha marcado com China no Soho. Ela achou que ele ainda estava dormindo depois da noite fora. No dia seguinte, ela ainda estava sem notícias; Walgate não atendia o telefone. Então China foi procurar por ele em sua casa. O quarto de Walgate estava trancado. Ela tentou gritar e ligar para o telefone dele de novo, mas só houve silêncio, então ela resolveu dar queixa do desaparecimento do amigo na polícia. O policial digitou as informações no computador e disse que, infelizmente, Anthony tinha sido encontrado morto às 4h20 da manhã em Barking, East London.

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Da esquerda para a direita: Anthony Walgate (via Instagram), Gabriel Kovari (via Facebook), Daniel Whitworth (via Twitter) e Jack Taylor (via Facebook).

Não muito depois que o corpo de seu inquilino foi encontrado, John começou a pensar que havia algo errado acontecendo. Ele tinha lido num jornal local sobre a morte inexplicada de Anthony Walgate, cujo corpo foi encontrado nos arredores do cemitério onde Kovari estava. "Lembro de pensar 'espera um pouco, isso é estranho'", disse John. "Então procurei no Google 'mortes inexplicadas' e se era comum isso acontecer tão perto uma da outra. Parecia muito suspeito. Eles tinham idades parecidas e foram encontrados numa pequena área. Era tudo muito esquisito."

Aí, em 20 de setembro, Denham, a passeadora de cães que encontrou Kovari, deu de cara com outro corpo no mesmo lugar de antes. "Havia um pequeno espaço descoberto entre a meia e a calça jeans, então toquei a perna dele", ela disse a um repórter. Como o corpo anterior, ele estava "sentado encostado num muro, quase no exato mesmo ponto".

Era o corpo de Daniel Whitwort, um aprendiz de chef de 21 anos de Gravesend, Kent, sudeste da Inglaterra. Seis dias antes, Whitworth tinha tuitado uma foto sua sorrindo e colhendo maçãs no interior ensolarado de Kent.

"Na hora pensei: 'Três caras jovens encontrados quase no mesmo lugar, num espaço de três meses, e ninguém está falando sobre isso?'", diz John.

Uma semana depois, uma matéria do Barking and Dagenham Post dizia que depois das autópsias nos corpos de Kovari e Whitworth, a polícia não procurava suspeitos pelas mortes. A matéria também mencionava a morte de Mushud Ahmed, 39 anos, cujo corpo tinha sido descoberto perto da igreja, mas que parecia ter morrido de problemas de saúde preexistentes.

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Naquela época em 2014, a polícia não ligou as mortes de Kovari em agosto e Whitworth em setembro a de Walgate em junho. O inspetor-chefe da Polícia de Barking e Dagenham, o principal detetive das mortes de Kovari e Whitworth, descreveu os incidentes com "incomuns e confusos, mas não suspeitos".

A matéria do Post indicava a possibilidade de Kovari e Whitworth serem sem-teto, dizendo: "Não pode ser descartada a possibilidade de que os dois homens viviam na abadia, que fornece algum abrigo. O inspetor-chefe Kirk disse que sua equipe encontrou roupas penduradas para secar no local".

Assassinatos em série — oficialmente definidos pela morte de três ou mais vítimas, num período de mais de três meses pela mesma pessoa — são incomuns no Reino Unido. Apenas um em cada 100 homicídios no Reino Unido é ligado a mortes em série. Na maioria dos casos de assassinatos em série, as vítimas são de minorias oucomunidades marginalizadas, como trabalhadores sexuais e gays. Não é coincidência que muitos dos notórios serial killers da Inglaterra — Jack Estripador, o Yorkshire Ripper, Dennis Nilsen, o Gay Slayer e o Estrangulador de Suffolk — visavam esses grupos. Essas comunidades tendem a ser mais vulneráveis a predadores porque as vítimas, muitas vezes, passam despercebidas.

Não são apenas os assassinos que veem essas pessoas como descartáveis. Em 1981, no começo do julgamento do Yorkshire Ripper Peter Sutcliffe, o promotor geral britânico Sir Michael Havers disse sobre as 13 vítimas de Sutcliffe: "Algumas eram prostitutas, mas talvez a parte mais triste do caso é que algumas não eram. Seis dos ataques foram contra mulheres totalmente respeitáveis".

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A tendência não se limita ao Reino Unido. Tales of the Grim Sleeper, um filme de 2015 de Nick Broomfield, conta a história do suposto serial killer americano Lonnie Franklin. Franklin está sendo julgado pela morte de 10 mulheres, mas é suspeito de mais 200 assassinatos no sul de Los Angeles entre 1985 e 2010. A maioria das mulheres mortas eram trabalhadoras sexuais, e o filme critica a polícia pela investigação lenta e a demora em dar o alerta.

Na Inglaterra, o histórico da polícia na solução de mortes em série envolvendo homens gays é tão pobre quanto a de trabalhadores sexuais. Dennis Nilsen, que entre 1978 e 1983 matou 15 homens, principalmente gays e sem-teto, depois de convidá-los para sua casa em North London, não foi pego devido a investigações policiais, mas porque os vizinhos do assassino não conseguiam mais dar a descarga por causa de todas as partes de corpos que Nilsen jogou na privada. Um homem que sobreviveu a uma tentativa de assassinato por Nilsen no começo da carreira do serial killer — ele acordou na casa de Nilsen, amarrado em uma cadeira enquanto era enforcado com sua própria gravata — alertou a polícia, mas foi ignorado porque os policiais acreditaram em Nilsen, que disse que o incidente tinha sido uma mera "briga de amantes".

A polícia foi igualmente lenta para agir quando Michele "Michael" Lupo estrangulou e mutilou quatro homens gays, num período de oito semanas, em 1986. O dono italiano de uma floricultura em Chelsea — tecnicamente um "spree killer", porque assassinou durante um período de menos de três meses — encontrava suas vítimas em bares gays. A polícia foi criticada depois que os oficiais atrasaram a autópsia da segunda vítima de Lupo, efetivamente parando as investigações, porque o morto era HIV positivo.

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A resposta da polícia ao notório caso do Gay Slayer — em que Colin Ireland estrangulou brutalmente cinco homens em três meses em 1993 — foi tão patética que Ireland começou a deixar pistas para as autoridades. Depois de limpar cuidadosamente cada cena do crime, o assassino passou a colocar camisinhas na boca dos mortos e brinquedos, incluindo dois ursos de pelúcia, em posição de 69 nos cadáveres. Apesar das pistas, a polícia não conseguiu ligar os assassinatos; no final, o próprio Ireland teve que ligar para uma delegacia e dizer que os crimes eram trabalho de um serial killer.

Um relatório de 2007 sobre as investigações da Polícia Metropolitana em 10 mortes e ataques a LGBTs, concluiu que o trabalho da polícia nesses casos era influenciado por homofobia institucional. O relatório, publicado pela consultoria independente LGBT Advisory Group, condenou a investigação da polícia no caso Gay Slayer, de 1993, como uma "séria falha de policiamento". O relatório dizia: "As investigações iniciais pareciam mais focadas em determinar promiscuidade e comportamento de risco", acrescentando que mais deveria ter sido feito para alertar a comunidade.

Na verdade, um dos maiores especialistas do mundo em serial killers, o criminologista britânico David Wilson, diz que a comunidade gay recebe "na melhor das hipóteses, um serviço desigual da polícia". Em seu livro de 2007 Serial Killers: Hunting Britons and Their Victims 1960-2006, Wilson conclui que "a homofobia criou circunstâncias em que homens gays se tornaram um dos principais alvos de serial killers no país".

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Apesar de apenas 1 a 10% da população inglesa ser LGBT, desde a condenação de Nilsen em 1983, homens gays contam todas ou a maioria das vítimas de 5 em 14 assassinos em série ativos no Reino Unido.

Em 2015, China e Kiera estavam frustradas com a abordagem da polícia na investigação da morte de Walgate. "A polícia não gostava que ligássemos para a delegacia", diz Kiera. "Eles nos davam desculpas. Eram inconsistentes, despreocupados e antipáticos. A impressão é que a polícia pensou 'É só um garoto de Hull, ninguém vai ligar para isso, eles vão aceitar nossa versão da história'."

As garotas dizem que um dos policiais deixou escapar que a polícia acreditava em crime no caso da morte de Walgate, e que o assassino nunca seria encontrado, dizendo a elas que "no final das contas, só duas pessoas sabem o que aconteceu naquela noite, e uma delas está morta".

Enquanto a polícia continuava a negar que as mortes de Walgate, Kovari e Whitworth estavam ligadas, John contatou o veterano ativista LGBT Peter Tatchell, que sugeriu que John falasse com Nick Duffy, editor do jornal gay online PinkNews. Duffy concordou com as preocupações de John, e que quem quer que estivesse por trás dos crimes, a comunidade devia ser alertada. Duffy abordou a polícia em janeiro de 2015, mas recebeu a resposta de que não havia nada de suspeito e que não havia motivo para causar pânico. Então o PinkNews decidiu não publicar uma matéria sobre as mortes.

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O que fez a polícia ter certeza de que as três mortes não estavam ligadas foi a descoberta, na mão de Daniel Whitworth, de um bilhete de suicídio.

*

Em junho de 2015, nos inquéritos dos casos de Kovari e Whitworth no tribunal de Walthamstow Coroner, uma declaração da família de Kovari dizia que o jovem era um artista talentoso, que queria fazer diferença no mundo. "Ele era cheio de amor e compaixão pelos outros, e adorava a companhia de amigos. Ele era uma criança muito curiosa e especial com talento para as artes, ele tinha um relacionamento ótimo com todos os parentes e um desejo de provar seu valor para o mundo", diz a declaração. O pai de Whitworth, Adam, descreveu o filho como um homem feliz que adorava jardinagem. "Ele era um garoto ativo e inteligente, que adorava passar os dias ao ar livre, explorando os arredores de bicicleta", disse Adam.

O legista leu então o bilhete de suicídio encontrado em Whitworth. Ele descrevia como Kovari e Whitworth tinham se envolvido na cena chemsex underground de Londres — festas de sexo facilitadas por aplicativos de encontro e drogas, incluindo GHB, metanfetamina e mefedrona. O bilhete de suicídio dizia que Kovari e Whitworth se conheciam e que, numa festa, Whitworth tinha acidentalmente dado a Kovari uma overdose de GHB, uma droga notória por ter uma dosagem muito sensível, criando um grande perigo de overdose. Como se sentia culpado, segundo o bilhete, Whitworth tinha se matado poeticamente com a mesma droga um mês depois, no mesmo lugar onde tinha deixado o corpo do amigo. Parte do bilhete dizia:

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"Não posso continuar. Tirei a vida do meu amigo Gabriel. Estávamos apenas nos divertindo na casa de um amigo, mas me deixei levar e dei a ele outra dose de G. Foi um acidente. Sei que serei preso se procurar a polícia. Tomei o G[HB] que me sobrou com pílulas para dormir. Se isso me matar, é o que mereço. Assim pelo menos estarei com Gabriel de novo."

"Amantes encontrados mortos em igreja em Barking", dizia a manchete de um jornal local logo depois do inquérito. Para o público, era uma tragédia estilo Romeu e Julieta, com o GHB como o veneno mortal. A matéria não mencionava a morte de Anthony Walgate. A teoria do serial killer era apenas fofoca. Caso encerrado.

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Mas o assassino ainda não tinha terminado. Três meses depois do inquérito, no dia 14 de setembro de 2015, um quarto corpo, do operador de empilhadeira de 25 anos Jack Taylor, foi descoberto em North Street, Barking, perto de onde os outros três corpos foram desovados. Taylor tinha estado com amigos na noite de 12 de setembro. Ele voltou para casa, mas chamou um táxi e saiu novamente nas primeiras horas de 13 de setembro. Câmeras de segurança mostravam Taylor se encontrando com um homem em Barking, entre 2 e 3 horas da madrugada, e a dupla seguindo junta na direção de igreja.

Inicialmente, a morte de Taylor não foi ligada às três anteriores. Em outubro, as investigações das quatro mortes foram tiradas do controle de Barking e passadas para o comando de homicídios da Polícia Metropolitana.

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Stephen Port. Via Facebook.

No dia 19 de outubro de 2015, a polícia acusou oficialmente Stephen Port, um chef de 40 anos de Barking, de envenenamento, abuso e desova dos quatro homens, depois de encontrá-los por sites de namoro. A polícia alega que Port matou suas vítimas com drinques batizados com altas doses de GHB. A Polícia Metropolitana anunciou que entregaria o caso para a Independent Police Complaints Commission (IPCC), por causa do que a agência chamou "vulnerabilidades em potencial da resposta" às quatro mortes.

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Seja lá quem tenha matado esses quatro jovens — um júri vai decidir se Stephen Port é culpado em seu julgamento em outubro deste ano — a investigação da polícia foi desastrosa. Apesar de vários alertas, os oficiais locais se recusaram a acreditar que os assassinatos quase idênticos eram trabalho de um serial killer, apenas por causa do bilhete na mão de Whitworth.

A polícia estava disposta demais a acreditar no cenário descrito no bilhete: isso dava a eles uma história plausível, envolvendo jovens gays, festas de sexo, drogas letais e um culpado mais provável que uma teoria de bilhete de suicídio forjado. Isso não era um romance de Agatha Christie, era Barking, eles devem ter pensado.

Colin Sutton é um ex-inspetor-chefe que rastreou o famoso assassino Levi Bellfield, um homem condenado pela morte de três jovens loiras, incluindo Milly Dowler, 13 anos, em West London nos anos 2000. Ele disse que o bilhete de suicídio deveria ter sido uma parte crítica da investigação.

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"Se fosse verdadeiro, era realmente um suicídio. Se fosse falso, então era um assassinato", disse Sutton. "Nesse caso, o bilhete era ainda mais importante, porque se fosse falso, eles estavam lidando com um terceiro assassinato e um assassino em série em seu meio, o que aumenta as apostas. Era muito importante que alguém desse o alerta. Então acho que qualquer detetive digno rapidamente verificaria se o bilhete era verdadeiro ou não."

Concluindo que os quatro homens foram assassinados, parece que a polícia decidiu depois que o bilhete suicida era falso. Existe a possibilidade de que a investigação inicial não tenha ligado de maneira forense o bilhete a Whitworth, confiando apenas na análise da letra. "Se eles não realizaram testes forenses no bilhete, procurando por impressões digitais e DNA, eles não foram honestos, porque a análise de letra é conhecida por ser pouco confiável", disse Sutton. "Isso significa que eles não provaram que o bilhete era verdadeiro de maneira científica."

Além disso, parece não haver nenhuma prova de que Whitworth e Kovari se conheciam, ainda mais que eram amantes tomando GHB em festas de sexo.

*

Quão crucial foi o papel dos aplicativos de encontro nesses assassinatos? O assassino teria conseguido fazer o que fez conhecendo pessoas num pub? China e Kiera me disseram que não culpam os aplicativos de encontro, apenas os predadores que os usam. Mas, com a popularidade desses aplicativos crescendo, a violência relacionada a eles também sobe.

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Números divulgados através do Ato de Liberdade de Informação inglês em janeiro, revelaram que no Reino Unido, crimes incluindo estupro, chantagem, abuso sexual infantil, roubos e assaltos ligados a aplicativos de encontro como o Tinder e Grindr, aumentaram sete vezes, de 55 em 2013 para 412 em 2015. Em março de 2016, dois homens pegaram seis anos de prisão por espancar e roubar um homem que atraíram para sua casa em Northampton pelo Grindr. Em dezembro de 2015, o PinkNews informou que duas pessoas tinham sido assaltadas depois de serem atraídas para Croydon, South London, para encontros via Grindr.

E a questão não se limita a vítimas LGBT. Há mais que o dobro de crimes ligados ao Tinder entre 2013 e 2015, um aplicativo mais usado por heterossexuais. Em março de 2016, Jason Lawrance, um construtor independente de 50 anos de Hampshire, pegou prisão perpétua depois de estuprar cinco mulheres e atacar outras duas que tinha conhecido pelo Match.com, que também é mais usado por heterossexuais.

Então as pessoas deveriam ter medo de marcar encontros pela internet? Matthew, um promotor de artes de 35 anos de Manchester, que usa o Grindr regularmente, não vê muita diferença entre aplicativos de namoro e bares. Os gays, ele diz, sempre tiveram que se colocar em maior risco que os héteros.

"Sinto pena porque [as vítimas de Barking] eram jovens e talvez estivessem usando o aplicativo para serem discretos, porque não queriam se 'assumir' em seu cotidiano", diz Matthew. "Pelo Grindr você pode conhecer pessoas fora da sua área local. Nesse sentido, eles foram vítimas do mesmo problema histórico que coloca gays em risco porque eles têm medo da repercussão pública. Mas dito isso, acho que todos os jovens, homens e mulheres, estão em risco na era dos encontros digitais."

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"Já me arrisquei fazendo cruising no canal em Manchester", ele diz. "Algumas pessoas acham que há um serial killer afogando gays no canal. Já fui atacado lá, já vi um corpo no canal. Uma vez, dois homens puxaram uma arma para um grupo que eu estava. Mas como estava fazendo algo ilegal, você não podia procurar a polícia. Hoje em dia as pessoas esquecem o risco, já que os aplicativos normalizaram 'encontros discretos', então isso é algo que um garoto de 13 anos vai fazer sem pensar. E tenho certeza que muitos homens e mulheres não dão queixa de crimes relacionados a aplicativos. Talvez pela vergonha de ser cúmplice em seu próprio comportamento de risco, ou se achar merecedor desse resultado."

*

Além de passar a investigação de Barking para o IPCC, a Polícia Metropolitana realizou várias reuniões públicas com a comunidade LGBT local, numa tentativa de construir uma ponte.

Na primeira reunião, em novembro do ano passado, os moradores sugeriram aos policiais no painel que, se houvesse uma tentativa séria de contatar a comunidade LGBT depois da primeira morte, os outros assassinatos poderiam ter sido evitados. Os membros da comunidade também disseram que geralmente não dão queixas de crimes de ódio por causa de como a polícia trata indivíduos LGBT. Outros disseram que não há espaços seguros, locais de socialização ou atividades voltadas para os LGBTs na área. A polícia disse que aumentou o número de agentes de ligação LGBT para oito em Londres, e que planejava atualizar o treinamento de diversidade para os oficiais locais.

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Mas John não está convencido. Numa segunda reunião em fevereiro, ele disse ao painel de policiais e líderes locais: "Minha fé nas autoridades não será restaurada, como membro da comunidade gay, até eu entender por que foram necessários quatro jovens gays mortos para que a polícia considerasse os incidentes suspeitos".

O líder do Conselho de Barking e Dagenham, Darren Rodwell, disse na reunião: "Todos concordamos que essa investigação foi desastrada, mas parte do problema é que temos 12 mil gays no bairro, mas não temos uma comunidade aberta em Barking. Se algo ruim acontece, a notícia se espalha mais rápido na comunidade se houver uma rede melhor".

Quando perguntei aos oficiais na reunião por que a polícia não tinha dado o alerta e não pensou em ligar os casos depois do terceiro assassinato, eles disseram que não podiam comentar porque o julgamento ainda estava para acontecer.

É uma surpresa, mas na época dos assassinatos em Barking, mesmo quando Port foi acusado em outubro e a história ganhou atenção nacional, muitas pessoas no bairro nunca tinham ouvido falar no caso.

"Foi difícil medir a reação entre os gays em Barking porque a maioria não sabia sobre o caso", disse um membro do grupo LGBT Network Barking and Dagenham, que não quis ser identificado. "Não há estabelecimentos gays aqui. É uma comunidade isolada, mas ainda há a necessidade de se misturar com os seus, então é fácil se envolver demais com o Grindr."

Em março, cinco meses depois que a polícia prendeu Port, perguntei a John qual tinha sido o impacto das mortes em Barking para ele. "Esses assassinatos fizeram Londres parecer mais sombria, um lugar perigoso", ele me disse. Também perguntei o que ele achava dos esforços da polícia para garantir a segurança da comunidade gay local.

"Pelo que ouvi de oficiais antigos da polícia de Barking em duas das reuniões, eles não me convenceram de que estão realmente preocupados com a comunidade LGBT", disse John. "Se eles querem evitar que esse tipo de coisa aconteça de novo, é isso que a [Polícia Metropolitana] tem que fazer. Garanto que ainda existe, em 2016, uma falta de diversidade na Met e uma falta de compaixão para com as minorias, o que leva a pontos cegos perigosos. Até que isso mude, alguns membros da sociedade sempre estarão em mais perigo que outros."

Também perguntei a Elizabeth Yardley, professora de criminologia especializada em homicídios da Birmingham City University, por que as investigações da polícia em alguns assassinatos são tão inadequadas.

"As coisas melhoraram de como eram antes, mas a polícia ainda faz suposições quando lida com vítimas gays", diz Yardley. "Isso é descrito como uma visão em túnel. Há muitos esteriótipos, subconscientes ou não, sobre o comportamento dessas pessoas; que os gays são parte de uma cultura underground. Isso pode estreitar as linhas de inquérito, o que se mostra perigoso a longo prazo. A polícia não lida com vítimas heterossexuais focando em sua sexualidade porque isso leva a uma investigação limitada. A realidade é a seguinte: parece que assassinatos de gays e trabalhadores sexuais são investigados com muito menos urgência do que o de um garoto de 12 anos, por exemplo. Uma vítima de assassinato é uma vítima de assassinato, e merece justiça."

Esse é realmente um caso moderno. O suposto uso de um aplicativo de celular para caçar as vítimas; o uso de uma droga psicoativa cada vez mais popular na cena de balada e sexo como veneno e, provavelmente, uma distração. O quanto a polícia foi incompetente nessa investigação será determinado no julgamento em outubro e no inquérito da IPCC, mas o que os assassinatos de Barking já confirmaram foi que, no Reino Unido, nem mesmo vítimas de assassinato são tratadas igualmente. É uma vergonha, mas desigualdade e preconceito continuam mesmo depois que a pessoa dá seu último suspiro.

*Várias pessoas são identificadas apenas com o primeiro nome a pedido delas.

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Tradução: Marina Schnoor