Opinião

António Costa Silva. Quem acredita em “almoços grátis” na política?

O novo conselheiro do primeiro-ministro não aufere remuneração. É ele o homem que se segue na EDP ou vai a Partex finalmente explorar gás e petróleo no Algarve?
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Preparado para degustar mais um cozinhado governamental? (Foto de João Brilhante)

Quando parecia termos um primeiro-ministro a crescer no capítulo do bom senso, devido à condução positiva até à data da pandemia, eis que o velho normal está de volta. A contratação do conselheiro António Costa Silva (68 anos, natural de Angola) tinha tudo para ser bem-vinda, mas o processo faz lembrar outra actuação opaca do actual inquilino de São Bento. Já lá vamos.

O PM, António Costa, faz bem em olhar para a sociedade civil e refrescar o mindset governamental. Por aquilo que se tem ouvido por parte de quem convive intelectualmente com Costa Silva, estamos perante alguém que pensa fora da caixa, brilhante, audaz e com conhecimento profundo em muitas matérias. Oxalá o homem cuja tarefa passa por projectar o Plano de Recuperação Económica de Portugal nos próximos dez anos, venha a confirmar os elogios.

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Sob outra perspectiva, quem lidera o governo podia ter alargado o espectro de think-thanks. Eis onze nomes que podiam contribuir com a sua visão para o país: Álvaro Covões (empresário), António Pinto Ribeiro (programador cultural), António Barreto (sociólogo), António Horta Osório (economista), Carmo Machado (professora), Elvira Fortunato (investigadora), João Paulo Batalha (activista social), José Gil (filósofo), Miguel Guimarães (médico), Paula Silva (engenheira florestal) e Raquel Varela (historiadora).

A inexplicável borla, a “bazuca” e as possíveis recompensas

Num artigo extenso na SAPO24, conhecemos o percurso do CEO da Partex Oil and Gas (empresa que gere a pasta petrolífera do grupo Gulbenkian).

Foi torturado e esteve à beira de ser fuzilado durante os primeiros anos da independência angolana, foi empregado da Sonangol, licenciou-se em Portugal (em Engenharia das Minas no Instituto Superior Técnico onde é professor), fez mestrado em Londres na área da Engenharia de Petróleos e exerceu lugares de topo em prestigiadas instituições francesas, o que o levou a controlar projectos na Arábia Saudita, Irão, México, Rússia ou Venezuela.

Costa Silva tem ainda uma veia poética patente no livro Fotografias Lentas do Diabo na Cama (2014), escrito a quatro mãos com o jornalista Nicolau Santos. Sobre o seu olhar pela actualidade e ideias em geral, podes consultar os seus textos no Público.

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O que não se percebe é como esta figura com muita experiência e muito mundo dentro de si, aceita redigir um plano fundamental para Portugal à borla. De graça, sem receber um centavo. Alguém - a começar pelo próprio - acredita em “almoços grátis” na política? Ou Costa Silva leva o patriotismo aos píncaros e é o salvador que meio país estava à espera? Sinceramente, por todas as razões imagináveis (a começar pela transparência), era preferível que auferisse de um salário chorudo.

Mas, lá está, António Costa (sim, o PM) tinha saudades do seu “eu” pré-Covid. Lembras-te da nomeação de Lacerda Machado? Em Abril do ano passado, o caso foi aqui descrito da seguinte forma:

“Costa teve o desplante de encarregar o amigo pessoal, Diogo Lacerda Machado - que não tinha nenhum vínculo com o Estado [e, por consequência, sem receber um chavo] -, a representar o governo nas negociações com a TAP. Após a borrada, tentou emendar a mão com um contrato feito para que a posição de Lacerda Machado fosse legalizada. (…) No ano seguinte [2017], o Executivo nomeia o colaborador inicialmente ilegal para administrador da transportadora aérea (…)”. Sujinho, sujinho…

Não sei se os dois Antónios têm alguma na manga para “remunerar” o trabalho do gestor. Não sei se a estratégia para a próxima década vai ser aprovada (pelo parlamento) e ser efectiva no terreno. É que planos a longo prazo do PS ou PSD têm, aparentemente, seguido o mantra “Como distribuir os milhões por familiares, amigos, amantes e enteados - e os europeus ricos que se lixem se ficam espantados com a nossa amazing frota de automóveis de luxo”. Aliás, como é provável que recebamos a “bazuca” de 15 mil milhões da Europa a fundo perdido, há quem sonhe com o deboche dos anos 90.

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Para ajudar à festa, o jornal económico online, ECO, escreve que Portugal faz parte de “uma lista de 15 países com baixo nível de cumprimento das recomendações anticorrupção dirigidas a deputados, juízes e procuradores”. O relatório lançado no início deste mês é assinado pelo Grupo de Estados contra a Corrupção (GRECO).

Esta brandura faz com que as nossas instituições sejam fracas a combater os infractores e haja pouca vontade em dissuadir crimes de colarinho branco. Depois não culpem os holandeses ou outras nações “frugais” por nos criticarem (a propósito do país das tulipas, o Observador tem um óptimo artigo do professor universitário Gonçalo Homem de Almeida Correia, que lecciona na Holanda e na China).

O facto do novo conselheiro não receber qualquer pagamento financeiro, abre espaço a dúvidas e suspeitas. A coisa pública aparenta ser novamente tratada como se fosse uma negociata na sala de estar de um dos envolvidos.

Para apimentar a perplexidade, vamos a apostas. Como Costa Silva parece estar de saída da Partex, não pretende qualquer cargo no governo e sabendo que Mexia está com metade do corpo fora da EDP, é ele o líder que se segue na eléctrica (tendo a anuência de Pequim)? Ou a eventual compensação passa pela possibilidade de, finalmente, ser possível explorar gás e petróleo no Algarve?

Pode ser que não haja qualquer agenda oculta (o que era surpreendente e muito bom sinal), mas o CEO e o PM não se deviam ter posto a jeito. Na política, uma mão lavar a outra é tão natural como respirar.

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É ver o que o pulmão do futuro nos reserva.

Nota finais

  • Também no último fim-de-semana, o Correio da Manhã informa que José Sócrates abdica da subvenção vitalícia e, desde Março, é consultor no privado. Ainda não se sabe o nome da empresa que conta com a colaboração do político mais polémico da democracia portuguesa.


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