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A Plataforma das Artes podia albergar o campeonato de Chincalhão

A arquitectura vimaranense para totós.

Arquitectar é traçar um plano. É propor algo diferente num espaço. É edificar no pré-existente: seja isso um terreno baldio, um prédio ou um antigo mercado. E foi esse o desafio da concepção da Plataforma das Artes, em Guimarães. Criar uma estrutura nova, tendo em conta uma base existente, o antigo Mercado Municipal, que foi projectado por Marques da Silva.

O Marques da Silva foi uma espécie de estrela de rock das empreitadas, no início do século passado. Projectou muito no norte do país, principalmente no Porto e em Guimarães. O ateliê de arquitectura Pitágoras, constituído por Seara de Sá, Raul Roque, Manuel Roque e Alexandre Coelho Lima teve o encargo de traçar nestas condições e o facto é que já ganharam um prémio com isso. A Plataforma das Artes venceu o prémio Detail Reader Prize 2012, atribuído pela revista de arquitectura alemã com o mesmo nome. Conseguimos falar com Alexandre Coelho Lima, arquitecto e sócio da Pitágoras, para saber mais sobre a Plataforma das Artes. VICE: Projectar a Plataforma, tendo em conta que o projecto prévio é do Marques da Silva, é pesado. Foi como tocar num concerto rock, mas como se tivessem sido os Rolling Stones a fazer-vos o warm-up?
Alexandre: O projecto do antigo Mercado é rock’n’roll, porque foi elaborado por Marques da Silva, mas sofreu obras de ampliação com o projecto da filha e do genro. Não foi como elaborar um projecto para um terreno livre de referências históricas e memórias, mas o cuidado e a resolução de vários problemas seguem um método equivalente. A observação inicial é mais cuidada e quanto mais observamos, mais clara será a essência do projecto “e a música que decidimos tocar”. No fim, o que resulta não dependeu apenas da envolvente, mas de um grande número de factores, bastante complexos. Sendo o Ateliê Pitágoras um colectivo sediado em Guimarães, como é intervir na cidade onde sempre viveste? É diferente projectar nesse espaço?
Projectar para Guimarães ou para outro lugar não difere. O método de trabalho é o mesmo. O caminho é o da criação e o seu fim a construção. Não é um percurso linear, mas tortuoso e feito de persistência. Percurso que uma vez adquirida uma experiência de projecto, se desenrola por fases que se sucedem de um modo natural, quase intuitivo. Apenas o resultado final é diferente, porque o que o condiciona também o é. Talvez, projectar para Guimarães seja mais rápido e instintivo na fase inicial, por conhecermos melhor a cidade, as suas relações e a história. A fase de análise do sítio, a procura de relação num plano mais amplo poderá ser mais imediata. O edifício é revestido com tubos de latão e as fachadas ficam coloridas e iluminadas à noite. Este não é um cenário típico de uma cidade histórica. Houve alguma situação que levou à escolha deste tipo de material?
O novo edifício da Plataforma das Artes assume uma linguagem radicalmente diferente da existente e da envolvente, por contraste, quer do ponto de vista da sua expressão e imagem, descontínua e repetitiva, quer pela sucessão de volumes, acentuada pela justaposição de superfícies contrastantes. A grelha de latão acentua uma variação de texturas que se pretende evidenciar, mais opaca e densa, na maioria das faces. Optou-se por este material por ser bastante expressivo e nobre, contribuindo para a imagem de ícone que se pretendia para o edifício. Importante é a forma final e a expressão arquitectónica do edifício e, em última análise o seu “aspecto”. Isto é, a forma como será perceptível pelos utentes (do edifício, da cidade e do território) e, portanto, como estes avaliarão a sua imagem. Assim, e como prioridade, pensamos que o edifício deveria assumir uma linguagem, escala e caracter eminentemente público. Ou seja, único e claramente identificável. Não é um cenário típico da cidade histórica, nem se pretendia criar isso, mas sim contrapor. Fotografia por João Peixoto Só porque gostava de ter uma televisão daquele tamanho, tenho de perguntar: aquele LCD que está na praça, vai passar jogos de futebol algum dia?
Já passou, no Europeu… Ainda bem, porque sou da opinião que, com aquela praça enorme, dava para fazer ali umas peladinhas de bola. Por que não se incluiu marcações no chão, como nos pavilhões gimnodesportivos de ténis ou de basquetebol?
O espaço é amplo e polivalente, disponível para qualquer actividade, o desporto é uma delas. Jogar chincalhão, é uma bela modalidade a praticar por lá (risos). Os bancos da praça da Plataforma das Artes, quando estiveres cansado do desporto, são também uma excelente peça de design, funcional e apelativa para te deitares. E a arquitectura em Guimarães? Quais as obras arquitectónicas mais significativas para ti?
Claro que gosto de muitas obras em Guimarães. Para destacar, escolho duas, muito separadas no tempo. O castelo e o cinema São Mamede. O castelo, não pelas suas qualidades arquitectónicas, mas por ser marcante para cidade, por ser dos edifícios mais simbólicos do património arquitectónico português. O cinema São Mamede, construído nos anos setenta, pelo seu desenho e pelas memórias que me traz. Foi aqui que comecei a ver cinema. Sempre que lá vou admiro os pormenores, o desenho dos tectos, a ligação dos espaços… Foi e continua a ser um edifício emblemático e uma referência na divulgação cultural. A intervenção recente não o desvirtuou, mas manteve o carácter único que já possuía. Como é que a cidade convive com a arquitectura contemporânea?
Apesar de ser uma cidade histórica, património mundial, convive bem, porque também é uma cidade contemporânea, bem visível pelos novos equipamentos que surgiram nos últimos anos e que vieram requalificar zonas da cidade. No entanto, no centro histórico é quase impossível propor arquitectura contemporânea, pretende-se mais a conservação em formol. A cidade encheu-se de infra-estruturas, como prevês que elas influam na cidade? São elas que moldam a cidade e criam hábitos ou são respostas a necessidades que já existiam?
Não faço previsões… Considero que a forma como os equipamentos influem a cidade depende da sua dinâmica, da procura que têm e da equipa que os gere. Foram construídos, porque a cidade precisava deles. Guimarães está bem dotada. Para os arquitectos, não há mais nada para fazer aqui (risos). É preciso procurar novos mercados. A construção dos equipamentos, para além de responderem a uma necessidade, acabam por redefinir, redesenhar zonas da cidade. Das infra-estruturas mais recentes, o Pavilhão Multiusos é talvez o que conseguiu criar uma dinâmica mais forte que marcou a cidade e acabou por criar uma nova centralidade. A Plataforma das Artes requalificou um espaço central e inevitavelmente, pelo seu programa, imagem e dimensão será um edifício simbólico e marcante. O que representa este prémio (o Detail Reader Prize 2012) para o vosso ateliê e para Guimarães?
Significa que a aposta inicial que fizemos estava correcta e que é possível fazer empenhadamente boa arquitectura construindo edifícios, que actuando sobre a realidade e sobre as condições locais, acabam por ser também reflexo de tendências e preocupações globais. É um incentivo para continuar a trabalhar como até agora, ou melhor ainda. Reconheço que ficámos orgulhosos, pois trata-se de um prestigiado prémio mundial. Para Guimarães, é mais um. Mais turistas virão…