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Parkour em Chernobyl: aventura incrível, ou loucura absurda?

Hit the Road, um colectivo de parkour formado por quatro jovens "free runners" de Paris, visitou a central nuclear.

Este artigo foi originalmente publicado na nossa plataforma VICE Sports.

Quando o acidente nuclear de Chernobyl aconteceu, em Abril de 1986, disse-se que a zona seria inabitável durante os próximos 40 mil anos. Ainda que haja residentes relutantes em deixar as suas casas nas proximidades da tragédia, o temor continua. Há um consenso de que permanecer nos arredores é como assinar uma sentença de morte. Mas, talvez não seja bem assim.

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Hit the Road, um colectivo de parkour formado por quatro jovens "free runners" de Paris, visitou a central nuclear há alguns meses. "Queríamos ver com os nossos próprios olhos como a Natureza colonizou os espaços urbanos que só conhecíamos através de leituras e fotografias", contou Clément Dumais, membro do grupo, à VICE Sports num bar parisiense.

Dumains co-fundou o colectivo de "free running" em 2012, com Nico Mathieux e Paul RBD. Dois anos depois, outro "free runner", Leo Urban, juntou-se ao grupo. Com a trupe completa, o objectivo número um do colectivo foi rapidamente definido: escalar a Torre Eiffel. Aí iniciaram o processo para o grande desafio.

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A piscina pública de Prípiat, a primeira cidade evacuada depois da catástrofe. Imagem via Hit the Road.

"Valeu muito a pena ir a Chernobyl", diz Leo. "Não sabíamos o que esperar e ficámos sem palavras". Antes de partir para a cidade-fantasma, o grupo visitou Kiev para conhecer alguns "traceurs" – é assim que se chamam os praticantes de parkour ou "free running" – da cidade ucraniana.

Durante a estadia na capital, procuraram bunkers abandonados. "Foi onde encontrámos os fatos e as máscaras que levámos à zona proibida", explica Nico, enquanto nos mostra uma das máscaras, que se assemelha a algo saído de um filme de Hollywood. "Eram da Guerra Fria, protecção em caso de ataque nuclear. Encontrámos tudo em caixas fechadas, novinho em folha".

Em Kiev, encontraram uma pessoa interessada em exploração urbana, que já tinha visitado Chernobyl três ou quatro vezes com um GPS. "Ele sabia o caminho, sabia onde ficavam os postos policiais e, mais importante, como desviarmo-nos deles", revela Paul. Há muitos postos militares à volta da central nuclear para barrar o acesso à zona proibida. Quem infringir a lei pode ser preso, sem julgamento.

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Vê também: "Férias em Chernobyl: turismo na zona de exclusão"


"Conduzimos de Kiev até um lugar a vinte quilómetros do primeiro posto. Aí passámos por um buraco na cerca de aço e iniciámos a caminhada", recorda Leo. Na primeira noite, andámos durante 12 horas. Na central, o trabalho para isolar o sarcófago perfurado ainda apresenta altos riscos de exposição à radiação. Há várias patrulhas militares na região. Todos os civis são banidos.

"Para evitar os guardas, tivemos que cruzar áreas extremamente radioactivas que nos assustavam bastante", admite Clément. "O Leo cortou a mão e, quando medimos a radioactividade com um contador Geiger, vimos que era muito alta". Algumas plantas em que tocaram eram 14 vezes mais radioativas do que o limite de segurança.

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Chamam-lhe 'zona morta', porque não há vida humana, mas a natureza recuperou todo o seu terreno. Imagem via Hit the Road.

O limite diário de radiação é de 0,30mSv. O grupo chegou a 5,20 mSv no matagal, embora em exposições breves. Dormiram em locais onde a radioatividade não excedia o limite, mas tinham que ter bastante cuidado. "Ficámos impressionados com o que vimos e mal podíamos esperar por voltar a casa", garante Leo.

Para chegar a Pripyat, a cidade-fantasma a cinco quilómetros de Chernobyl, evacuada 36 horas após o acidente, o grupo Hit the Road teve que atravessar rios e vegetações e seguir caminhos ferroviários. "Estávamos exaustos de tanto andar e praticámos pouco parkour. Basicamente, explorámos a cidade e os arredores", diz Nico, sem tirar os olhos dos próprios pés. "São os mesmos ténis que usei lá. São bons para o parkour, mas não são ideais para caminhadas. Pelo menos não para caminhadas tão longas".

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Os membros do grupo andaram durante quase 160 quilómetros por zonas radioactivas em apenas quatro dias. Imagem via Hit the Road.

"A parte mais difícil foi aceitar que estávamos completamente expostos à radiação e continuar a andar", explica Leo. Os outros acenam com a cabeça em jeito de concordância. O parkour é a vida deles: uma disciplina que ultrapassa os limites físicos e mentais. E isso foi exactamente o que fizeram numa das zonas mais radioactivas do Planeta.

Ao viajar de Paris para Chernobyl, também viajaram no tempo, do século XXI à realidade da nação do Bloco Soviético nos anos 80. É uma zona intocada: tudo foi abandonado por famílias que jamais voltarão. Há símbolos comunistas por toda a parte.

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As árvores e as plantas apropriaram-se de todos os cantos de Prípiat. Imagem via Hit the Road.

"Pensávamos que, depois do trabalho dos liquidatários, não sobraria muito trabalho para ser feito em Chernobyl. Mas, percebemos que, sem os estudos e protecção contínuos do local por parte da Ucrânia, a radioactividade iria muito mais longe", diz Paul. "Parece que o acidente aconteceu há eras atrás… mas só passaram trinta anos", conclui Clément antes de nos deixar.


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