​O que aprendi a ver as eleições norte-americanas como se fosse a noite dos Óscares

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​O que aprendi a ver as eleições norte-americanas como se fosse a noite dos Óscares

"As noites de festa em Hollywood também são assim, só que os fãs vão só lá para ver se vislumbram alguém famoso. Não têm voto na matéria".

Só me ocorre a piada fácil da canção dos Europe, It's The Final Countdown, ao ver o relógio em contagem decrescente da CNN. Esta estação adora contagens. Depois de andar a contar os dias e depois as 24 horas que faltavam para a emissão especial sobre as eleições, às 21h00 (hora portuguesa continental, 16h00 em Nova Iorque) a coisa foi substituída por outro relógio a anunciar que faltavam 60 minutos para a saída dos primeiros resultados.

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É claro que, à hora marcada, nada de resultados. Estes vieram, de facto, mais tarde, mas eram sondagens de estados de alma, expectativas e convicções e, sim, apareceu ainda uma outra contagem a dizer que faltava uma hora para fecharem as primeiras urnas. Lá pelas 23h00 de cá, saíram as primeiras projecções, mas que eram, na realidade, uma ínfima fracção de todas as contagens.

Por falar em contagens, com isto tudo, Pedro Dias, a monte durante quase um mês e suspeito de dois homicídios em Aguiar da Beira, entregou-se à polícia, em Arouca e em exclusivo para a RTP, na noite eleitoral americana. O timming é interessante, com mediatismo à mistura. O que é certo, é que todas as horas dedicadas a este caso, ficaram meio divididas nos media portugueses com a sobreposição de acontecimentos.

A generalidade dos canais noticiosos já tinha começado a falar com mais afinco das eleições americanas desde a véspera. Depois de um ex-actor como presidente, Ronald Regan, tínhamos agora uma ex-estrela de televisão como candidato, Donald Trump e não faltam premonições interessantes no cinema, como em Regresso Ao Futuro II (1989,) em que uma personagem, Biff, se parece bastante com Trump… mas, se calhar, é só um lugar-comum do redneck americano.

Faltam menos de duas horas para a noite eleitoral. Pipocas, tremoços, amendoins, chá… tudo o que é preciso para reunir as condições para a prática da modalidade. Será que vale a pena ir buscar camarão? Isto não é propriamente uma sede de campanha no Hotel Altis, acho que vou só buscar um frango, vá.

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No dia de votar, as filas são enormes, parece que há sempre algo de podre no reino do sistema eleitoral norte-americano, mas, por outro lado, vota-se a uma terça-feira, há mobilização popular, há voluntários, há quem vá buscar a casa quem precisar, há descontos na Uber e até autocolantes a dizer I Voted Today.

As noites dos Óscares também são assim, com filas, só que os fãs vão só lá para ver se vislumbram alguém famoso. Não têm voto na matéria. Lá dentro, quanto às votações a prémios para as melhores categorias, há sempre quem diga "It's rigged!". Ia jurar que já ouvi isto em qualquer lado.

Quanto à passadeira vermelha, é preciso não confundir graus de aprovação com popularidade e, neste caso, ambos os candidatos são verdadeiras estrelas, tal como os actores o são em Hollywood. O que não significa que tenham grandes atributos profissionais.

O guarda-roupa de Trump é aborrecido, com um certo ar brilhante e caro, típico de quem arrota guita a rodos, mas não a sabe aplicar em bom gosto. Nem liga a isso, que o diga quem lhe corta o cabelo. Clinton tem aquela armação capilar, clássica de quem despeja meia lata de laca Fiero antes de sair de casa. A indumentária, que também tenta ser discreta, por vezes faz lembrar as vestes de líderes norte-coreanos. O que é uma ironia do caraças. Ou não.

O endorsement é algo que acontece aos políticos, via personalidades ou instituições populares, para criar empatia, algo que nem sempre os candidatos conseguem fazer sozinhos. E depois há aquelas "coincidências": o National Geographic lançou recentemente o documentário Before The Flood, com Leonardo DiCaprio a viajar pelo Mundo e com o tema do aquecimento global como pano de fundo.

Nele fala-se explicitamente do lobby republicano contra o tema. Vem mesmo a calhar a Hillary, apesar de também ajudar, em muito menor escala, a candidata Jill Stein, do partido ecologista. Quem? Perguntam muito bem. O bipartidarismo é esmagador.

A noite foi avançando, as sondagens foram saindo e a realidade foi tomando conta das redacções. Trump vai mesmo ganhar? A coisa fica séria lá pelas cinco da manhã em Portugal continental e os resultados não param de dar vantagem à estrela de televisão. Na CNN, que nas Primárias ignorou olimpicamente Bernie Sanders em favor de Clinton, o ambiente fica estranho.

Subitamente, o que supostamente seria pouco provável acontece mesmo. Justifica-se que com o Brexit foi a mesma coisa e que as sondagens já não são o que eram. Clinton não vai falar, depois dá-se a notícia que ela já telefonou a Trump para o felicitar e o vencedor da noite faz o seu discurso de aclamação. Isto de só dar atenção a alguns dá nisto. Para além da América que não aparece nos roteiros, também a CNN acabou por ajudar a eleger Trump como se de um blockbuster se tratasse. Só que, ao contrário das cerimónias dos Óscares, aqui foi feia a festa, pá. Muito feia.