Uma Análise Não Muito Científica Sobre a Ciência das Músicas para Cachorros
​Crédito: Vivienstock/Shutterstock

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Uma Análise Não Muito Científica Sobre a Ciência das Músicas para Cachorros

O Spotify tem um número surpreendente de álbuns para cachorros. Eu não sei quantos no total, mas eu posso afirmar com total certeza que o número é surpreendente, já que ele é maior que zero.

O Spotify tem um número surpreendente de álbuns para cachorros. Eu não sei quantos no total, mas eu posso afirmar com total certeza que o número é surpreendente, já que ele é maior que zero. Para ser exato, eles não bem para cachorros, mas sim para donos de cachorros tocarem para seus cachorros. Ninguém sabe ao certo o quanto os cachorros gostam de música, ou qual é sua capacidade de curti-la, mas isso não impediu que esses álbuns arrecadassem dezenas de milhares de ouvidas. É o equivalente animal da moda de tocar Mozart para fetos.

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Meu próprio cachorro, uma mistura de border collie e cocker spaniel chamada Lua, nunca havia demonstrado nenhuma preferência, ao menos não que eu houvesse notado, até outra noite. Eu não conseguia dormir, então liguei o som. Quando Dorothy Ashby, uma harpista que toca jazz, começou a tocar, Lua levantou do chão do meu quarto, abriu a porta com o focinho e foi se deitar no sofá da sala.

Eu não vou defender a Dorothy Ashby — afinal de contas, ela me faz dormir — mas essa foi uma crítica deveras voraz vinda de alguém que pensa que o lixo do banheiro é uma cornucópia de prazeres.

No entanto, esse incidente e a descoberta da seção estranha de música para animais de estimação do Spotify me pareceram uma boa oportunidade para um pouco de ciência cidadã (experiências científicas conduzidas por não-profissionais). Em uma experiência de ciência-cidadã-e-psicologia-canina anterior, eu tentei jogar dois de seus brinquedos favoritos em direções opostas para ver de qual deles ela gostava mais (me senti um pouco sádico, mas ela pareceu se divertir).

Talvez a Lua goste mais de algumas músicas do que de outras. Eu escuto muita música quando estou em casa; talvez eu esteja vivendo com uma versão (um pouco mais) peluda do Lester Bangs e nunca tenha percebido. Será que os cachorros gostam de música, ou será que as pessoas que tocam a versão da Música Relaxante Para Cachorros: Versões Acústicas de "Moon Shadow" para seus animais estão apenas projetando — o equivalente animal de colocar uma camiseta do Ramones em um bebê?

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Crédito: Ben Richmond

Minha pesquisa foi conduzida de maneira extremamente largada e nada profissional — eu nem ao menos tinha um grupo de controle — então é um alívio saber que a ciência de verdade tem explorado essa questão. Em 2012, pesquisadores da Universidade do Estado de Colorado publicaram pesquisas que sugeriam que cães enjaulados dormiam mais e latiam menos quando ouviam música clássica (Betthoven, Strauss, Bach) e ficavam mais agitados quando heavy metal (Mötörhead, Slayer, Judas Priest) era tocado.

No entanto, os cachorros não tiverem nenhuma reação ao álbum "Pelos Ouvidos de Um Cachorro", que foi "criado com o propósito de acalmar e tranquilizar cachorros em abrigos e em situações domésticas". De acordo com os pesquisadores, "os criadores do álbum explicaram que a música havia sido desenvolvida psicoacusticamente com o objetivo específico de criar músicas relaxantes para cachorros", mas no final isso não fez muita diferença.

Pesquisadores da Universidade de Queens em Belfast também descobriram que os cachorros uivavam ao som de Beethoven, ficavam tensos quando ouviam Metallica e não ligavam muito quando os cientistas tocavam Britney Spears e Bob Marley.

Eu comecei minha grande experiência científica da música canina com um versão de "Gymnopedie #3", de Erik Satie, parte do álbum Música Relaxante para Cachorros: As Músicas Mais Populares para Acalmar seu Cachorro, Filhote ou Animal de Estimação.

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Eu gosto bastante do Satie; e parece que a Lua também gosta, já que ela logo começou a se sacudir do meu lado. Mas ela também gosta de receber atenção, então quem sabe se isso tem algo a ver com a música? Eu não sou cientista o suficiente para me proibir de fazer carinho no meu cachorro enquanto relaxo no meu sofá, então nós comprometemos a pesquisa até o momento em que Satie acabou sua música e a próxima faixa começou. Ciência é uma parada difícil.

Existe um bom número de evidências anedóticas que envolvem cachorros respondendo à canções e até mesmo demonstrando preferências musicais. O compositor que escreveu "Pompa e Circunstância" tinha um carinho especial por um buldogue que rosnava para os membros do coral que erravam a nota. Richard Wagner tinha um banquinho especial em seu estúdio para seu Cavalier King Charles Spaniel, chamado "Peps", sentar.

De acordo com um artigo que Dr. Stanley Coren escreveu para o Psychology Today, "quando Wagner compunha ele dedilhava o piano, ou cantava passagens da composição na qual ele estava trabalhando. O compositor mantinha seus olhos em seu cachorro, e modificava frases musicais de acordo com as reações do animal. Wagner notou que Peps respondia de forma diferente às melodias, dependendo do tom da composição. Logo, certas passagens em um tom poderiam causar uma balançada de rabo ocasional, enquanto trechos em outros tons poderiam resultar em respostas mais entusiasmadas."

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APESAR DE ELA ODIAR GATOS QUASE TANTO QUANTO ELA ODEIA OUTROS CACHORROS, LUA SE MANTEVE INDIFERENTE À DOIS CANTORES DE ÓPERA MIANDO UM PARA O OUTRO.

Eu não faço a mínima ideia do porquê Rossini compôs o "Duetto buffo di due gatti", o famoso "dueto de dois gatos". Apesar dela odiar gatos quase tanto quanto ela odeia outros cachorros, Lua se manteve indiferente à dois cantores de ópera miando um para o outro.

A julgar pela capa de Músicas Românticas para Cachorros, ele parece um álbum criado para deixar os cachorros prontos para o cruzamento, o que não era a vibe que eu queria criar. Ao invés disso, eu logo fui em direção ao álbum de versões acústicas para cachorros. Durante "Here Comes the Sun" Lua se interessou pelo som das pessoas andando na rua. Não há nada conclusivo a ser tirar disso, mas a música não estava exatamente chamando a atenção desse cachorro. Apesar de que, se formos justos, esse tipo de música é entendiante por definição.

Apesar disso, eu não sei se o tipo de música faria muita diferença. Charles Snowdon, cientista que estudou como os animais reagem à musica, teoriza que os animais tem um bom ouvido absoluto, mas que seus ouvidos relativos não são muito bons. Ele disse para o Discovery Channel que, "[humanos] compreendem a música de forma diferente dos animais."

De acordo com o trabalho de Snowdon, humanos, "gostam de músicas que se encaixam em nosso alcance vocal e acústico, usam tons que nós compreendemos, e que progridem em um andamento parecido com o de nossos corações". Snowdon e o compositor de violoncelo David Teie escreveram músicas baseadas nos sons de empolgação dos saguis, e em seguida músicas baseadas nas vocalizações de saguis calminhos, seguindo o andamento da pulsação arterial dos saguis em movimento e em descanso. As vocalizações dos saguis estão três oitavas acima das nossas, e a música soou meio estridente para os humanos; mas quando os pesquisadores tocaram as "músicas dos saguis calminhos" para os próprios saguis os macacos relaxaram. Quando Snowdon e Teie tocaram a "música empolgada", os saguis ficaram agitados.

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Cachorros de algumas espécies vocalizam em tons próximos ao nosso, então é possível que os cachorros grandes gostem das nossas músicas.

Na primeira faixa de Música para Filhotes: Músicas Tranquilas para Cachorros um som estranho e agudo de sintetizador corta o tom da música sem nenhuma razão aparente. O resto das músicas parecem ter sido feitas para pessoas que tratam seus cachorros como filhos.

Crédito: Ben Richmond

Lua, por sua vez, ficou mansinha enquanto a música tocava, suspirando e deitando no chão. Apesar de eu não gostar da música, eu jurei que a deixaria tocar, pelo bem da ciência. Para meu sofrimento, uma flauta de pã começou a tocar, e eu percebi que a música tinha oito minutos de duração. Tive medo de imaginar o que o Spotify iria me recomendar após eu ouvir algo chamado Música para Relaxar Meu Cachorro.

Fugindo um pouco dessa temática, eu achei um álbum do Neely de 2002 chamado Songs for the Dogs. O álbum soa mais como uma homenagem aos cachorros de Neely do que algo feito para sua apreciação. Ele tinha sido ouvido menos de 1.000 vezes, então eu deixei uma música country, "Bells (Joe & Ruby's Hotel)" tocando por um tempo até eu sentir que havia feito a minha parte e dado uma fração de alguns centavos para o Neely. Depois escutei "More Sad than Sad and Blue". O Neely canta demais.

Aí eu mudei de vibe completamente e coloquei um CD do Ravi Shankar que eu havia encontrado na rua mais cedo. Eu dei de cara com uma caixa de vinis jogada ao lado de umas latas de lixo, sinais de um amor — seja por vinil ou por alguém — que acabou mal e mandou uma coleção de discos muito foda para a sarjeta. Eu só estava fazendo a minha parte em não desperdiçá-los — tinha um álbum do Fela Kuti lá! — e eu posso, ou não, ter falado que aquele foi o melhor dia da minha vida.

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De qualquer forma, "Live at the International Monterey Pop Festival" é um ótimo disco para testar a diferença entre vinis e música digital. Talvez a Lua consiga ouvir as nuances perdidas na qualidade do som (eu não consigo ouví-las, mas as pessoas dizem que elas existem). O vinil está em ótimo estado, e eu me pergunto como todos essa álbuns foram parar no lixo.

Esse raga tem 26 minutes de duração, ou seja, três faixas do álbum Relaxe Meu Cachorro. Eu não sei nada sobre Ravi Shankar além dele ter inspirado George Harrison a fazer "Within Without You", que eu acho horrível, e que Shankar era popular na América o suficiente para tocar em Monterey. Será que ele era popular na Índia? Lua pareceu se animar e até ficar um pouco agitada por causa do Ravi Shankar; mas talvez porque já estava na hora do seu passeio noturno.

Crédito: Relax My Dog

Alguns especulam que os cachorros não conseguem ouvir mudanças sutis de tom tão bem quanto nós graças ao córtex auditivo super-sensível dos humanos. É possível que os cachorros possam ouvir mudanças de cerca de um terço de uma oitava, o que significa que cítaras, que podem gerar quartos de tons—intervalos de metade da metade de uma nota — não seriam apreciadas por eles, de qualquer forma. Também é possível que a Lua seja uma chauvinista pró-música ocidental.

Eu coloquei um último álbum encontrado no lixo para tocar antes de sair para passear. New Morning, do Bob Dylan, é um álbum do começo dos anos 70 que vai de "um pouco decepcionante, mas bom o suficiente" para "bem ruim" em apenas uma música chamada, de forma muita apropriada, "If Dogs Run Free" ("Se Os Cachorros Correm Livremente").

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O fato de alguém ter permitido Dylan gravar qualquer outra coisa depois dele colocar "If Dogs Run Free" no mundo é uma prova da força de sua obra na década de 60. A música parece uma paródia do pior jazz imaginável, completa com uma cantora de scat que improvisa até começar a soar como alguém que está limpando a garganta. E tudo enquanto Bob Dylan canta/recita a letra mais insípida do mundo incluindo versos do tipo (mas não apenas) "Just do your thing, and you'll be king", ("Faça seu negócio, e você será o rei") e terminado cada verso com "if dogs run free" ("se os cachorros correm livremente"). É o equivalente musical de uma batida de moto, e, se ele insistiu em usar uma boina e óculos de sol durante a gravação dessa música, eu não ficaria nada surpreso.

SNOWDON DIRIA QUE QUALQUER GOSTO MUSICAL QUE EU ATRIBUÍSSE AO MEU CACHORRO SERIA APENAS UMA PROJEÇÃO DE MIM MESMO

O que quer que a música estivesse fazendo, ela não estava fazendo muita diferença para Lua, que, naquele momento, já havia entendido que a gente ia sair e estava saltitando alegremente pelo apartamento.

Independente de qual música eu colocava para tocar, ela se mantinha muito antenada em mim, aparentemente capaz de captar minhas intenções. Snowdon diria que qualquer gosto musical que eu atribuísse ao meu cachorro seria apenas uma projeção de mim mesmo.

A maioria dos álbuns para cachorros do Spotify são, de certa forma, relaxantes para pessoas — ou bebês — o que pode relaxar um cachorro por osmose. Afinal, eles passaram anos evoluindo para se conectar com pessoas, e não com a música. A diferença entre as músicas melancólicas para piano de Satie ou "The Ace of Spades" é clara o suficiente mesmo quando não podemos discernir seus tons — em termos de andamento e alcance. No fundo, até as preferências musicais humanas estão mais ligadas à cultura que cerca a música do que à teoria musical.

Ainda assim, se considerarmos que ela parece odiar Dorothy Ashby, eu imagino — ou projeto — que Lua odeia "If Dogs Run Free", ainda que ela não possa apreciar a estupidez de suas palavras. Ela pôde sentir meu corpo se contraindo com ódio, até a agulha do toca-discos se levantar piedosamente e nós sairmos para respirar o frio ar da noite.

Tradução: Ananda Pieratti