A Missão para Salvar 'P.T.', o Jogo
Crédito: captura de tela de P.T.

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A Missão para Salvar 'P.T.', o Jogo

A Konami quer que seu game de terror psicológico desapareça, mas os fãs não deixarão.

Em 12 de agosto de 2014, a publisher japonesa de games Konami lançou uma demo chamada P.T., também conhecida como "o primeiro teaser interativo do mundo", para o PlayStation 4.

P.T. era um minigame de terror psicológico. Havia, entre muitos elementos soturnos, um corredor sujão que nunca chegava ao fim e um bebê morto na pia de um banheiro. De forma artística, o game dava poucas informações acerca das coisas horrendas dispostas por lá. Restava ao jogador especular, aos arrepios, o que de fato havia acontecido. Depois de nove dias resolvendo quebra-cabeças de forma lancinante, alguns jogadores enfim juntaram as peças para formar um terrível todo. Mas a alegria duraria pouco.

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A Konami encerrou a distribuição de P.T. e o retirou da loja virtual do PlayStation 4 no último 29 de abril. A empresa foi além: removeu-o do histórico de downloads de quem já houvesse baixado o teaser, o que não é nada comum. O P.T., de fato, deixou de existir.

O suspense psicológico em looping do jogo conquistou muitos fãs. A combinação de ambiente fechado, quebra-cabeças, atmosfera assustadora e um toque sobrenatural afetava as pessoas. Os nerds de terror adoravam aquilo. Os derradeiros momentos revelavam ser um teaser jogável de um novo título da popular franquia de terror Silent Hill. E o mais legal era que figurões do audiovisual como Hideo Kojima (Metal Gear Solid), Guillermo del Toro (Círculo de Fogo) e Norman Reedus (The Walking Dead) estavam envolvidos na produção.

Sem mais nem menos, como quem deseja apagar o passado, a Konami cancelou Silent Hills. Passaram-se meses de confusão em torno do papel de Hideo Kojima na empresa e, seja lá o que aconteceu lá dentro, também foi o prenúncio da morte do game. Não haveria Silent Hills e, portanto, não havia motivos para existirP.T.

Ainda assim, ninguém tem certeza do que fez a publisher se esforçar tanto para acabar com o tal teaser.

Só há uma forma de jogar P.T.: em um PlayStation 4 que havia feito o download anteriormente e não o tenha apagado desde então. Não existe nenhuma forma comercial de acessar a coisa.

Ser removido de uma loja de games é comum. (Na maioria dos casos ocorre com games que contam com licenças de livros, filmes ou programas de TV.) Mesmo assim, os títulos podem ser baixados novamente. Ser "removido" na verdade significa que você não encontrará quando buscar pelo título na loja. Scott Pilgrim vs. the World é um exemplo de game removido.

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"Infelizmente foi o primeiro game em muito tempo que me fez sentir algo próximo do medo."

Em geral, downloads como Scott Pilgrim continuam no histórico do usuário, o que significa que qualquer produto comprado digitalmente pode ser acessado e baixado mesmo que deletado do console depois. A Konami pegou pesado com o P.T. Foi um castigo incomum. O argumento era que o teaser era gratuito – não houve transação e garantia de permanência, logo, os jogadores não deveriam se sentir no direito de posse.

Graças ao esforço absurdo da empresa para acabar com o joguinho, o número de consoles que tem P.T. em sua memória diminuirá cada vez mais. Caso os consoles quebrem ou gamers resolvam liberar algum espaço, puf, o jogo desaparece. É questão de tempo para que o game suma.

Quer dizer, isso se a comunidade de fãs deixar.

Antes de tudo, P.T. existe agora como um ponto de referências para gamers apaixonados. "Infelizmente foi o primeiro game em muito tempo que me fez sentir algo próximo do medo", escreveu o usuário do reddit deadering. No mesmo tópico, o usuário Metalcentraldialog lamenta a perda do teaser por seu foco "no clima e o conceito de estar impotente".

O game teve um impacto tão grande que inspirou uma sequência não-oficial. Allison Road, desenvolvido por um estúdio londrino, inspira-se fortemente sem assumir na caruda. Fotorrealismo extremo, ambientação similar ao se passar em grande parte dentro de uma casa e ao menos uma citação vinda diretamente de P.T. indicam sua influência. O estúdio chegou a lançar uma campanha no Kickstarter que comparava ambos ainda mais. A equipe conseguiu levantar impressionantes 145.959 libras antes de ser descoberta por uma publisher e retirar a campanha.

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"Creio que P.T. será jogável no futuro", disse Steve Lin, conservacionista e ex-diretor geral da GREE Canada. "Seja porque as coisas mudarão na Konami ou os jogadores que farão isso acontecer de forma não-oficial." Ele está certo de que P.T. foi arquivado e compartilhado, por mais que não haja como instalar e rodar em um PlayStation 4.

Para Lin e muitos como ele, não é uma questão de lucro o que pesa. "O objetivo da preservação não é lucrar, mas garantir acessibilidade para pesquisa e estudos no futuro", disse.

Frank Cifaldi, Diretor de Restauração da Digital Eclipse e produtor-designer da recém-lançada Mega Man Legacy Collection, segue otimista. "Não temo por sua segurança", disse Cifaldi. "Acredito que em dez anos, se alguém do campo acadêmico quisesse jogar P.T. e observá-lo, poderá."

Tanto Lin quanto Cifaldi especulam que provavelmente há uma questão de direitos ou obrigação contratual no cerne do mistério. Uma das hipóteses é que, ao encerrar seu relacionamento com del Toro, a Konami não mais poderia distribuir o fruto de seu trabalho. "É possível que haja alguma razão subjacente para a retirada", disse Cifaldi. "Mas como nossa indústria adora segredos, estamos deixando gente chateada em vez de sermos francos."

Tal tipo de treta por licenciamento não é novidade, mas lojas digitais são um novo campo de batalha para velhos conflitos. O popular serviço Steam vende licenças para jogar games e poderia, em tese, encerrar o serviço amanhã levando todas. "No papel, é diferente de comprar um CD", ressalta Cifaldi. "Você compra uma licença para ouvir aquela música indefinidamente contanto que use aquele disco. O problema é que não dá pra guardar games do Steam na garagem."

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Quando questionado se havia plano para preservar ou arquivar o teaser, um porta-voz da Konami se negou a responder.

Mas e o que o público pode fazer para impedir que games como P.T. sumam por completo no futuro? É complicado… E talvez ilegal.

"Não apoio a pirataria de software", diz Lin, cauteloso. "Mas resta o fato de que existem games cujas versões pirateadas são as únicas disponíveis."

Cifaldi tem visão semelhante. Ele diz que a pirataria pode ter bom efeito na preservação de games, mas também admite que há uma complexidade na questão. "É uma situação bizarra que não creio que tenha uma resposta."

Tradução: Thiago "Índio" Silva