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Tecnologia

O Domo Antifedor Chinês e Outras Tristes Ideias para Sobreviver ao Futuro

O caso de Hangzhou não é o primeiro em que um domo é sugerido em resposta a poluição.
Crédito: Xinhua

Os representantes e executivos chineses, como os de qualquer país que têm uma imprensa frágil, têm um histórico de encobrir desastres ambientais e de saúde pública – lembre-se de como a SARS foi encoberta, ou da chuva artificial sobre certas cidades, ou da vez em que pintaram aquela montanha de verde.

Mas nem todo acontecimento pode ser escondido; especialmente quando a omissão é do tamanho de três campos de futebol e fica bem no centro da cidade.

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Num esforço para sanar um grande terreno altamente contaminado na cidade de Hangzhou, na região leste da China, os engenheiros conseguiram libertar um fedor tão forte que, semana passada, os proprietários do local decidiram apelar para uma nova tática: uma tenda gigante para cobrir tudo.

O solo está tóxico devido ao lixo e à poluição deixados por uma fábrica de inseticidas que funcionou por cinquenta anos no local, fechando em 2009, segundo a imprensa oficial chinesa. Dizem os vizinhos que a nova dona do terreno, uma companhia de investimentos, tomou medidas para remover o cheiro, como injetar desodorante na terra, mas elas foram pouco eficazes. Amostras de solo foram enviadas a institutos científicos de Pequim e Xangai.

E mesmo após o domo ser instalado, os vizinhos continuam reclamando que o terrível odor volátil permanece. Embora a tenda de poliéster de 20 mil metros quadrados ocupe uma área de cerca de três campos de futebol e tenha 36 metros de altura, ela cobre menos da metade da área contaminada.

O domo aparece em um momento decisivo para Hangzhou, uma cidade próspera na costa leste conhecida por seus lagos e montanhas. Há duas semanas, os protestos contra os planos de instalar um incinerador terminaram em violência, com dois carros de polícia incendiados, dezenas de veículos virados, 60 pessoas presas e “dezenas” de feridos. Foi um dos três grandes incidentes públicos recentes ligados à poluição urbana, e mais um sinal de que a classe média chinesa tem exigido ar e solo limpos.

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Funcionários do governo têm feito apelos em prol da transparência. Um levantamento do governo feito por nove anos e publicado em abril alertou que o solo chinês está contaminado por poluentes como mercúrio e arsênico, colocando em risco a produção de alimentos. Um artigo não assinado da imprensa oficial chinesa sobre o incidente (“Protesto em Hangzhou testa a capacidade de governar chinesa”) terminou com o seguinte arremate, bastante incomum, ainda que inexpressivo:

Este movimento popular anticonstrução de estruturas poluentes representa certas preocupações entre os moradores, notavelmente as ambientais.

"A China conseguiu se desenvolver economicamente ao custo de maltratar o meio ambiente. A poluição ambiental resultante tem afetado os corpos e as mentes das pessoas", diz Yang Jianhua, diretor do Instituto de Políticas Públicas da Academia Chekiang de Ciências Sociais. "A prioridade absoluta para o governo é reconquistar a confiança do povo", disse ele.

A demanda pública para participar da governança social tem crescido junto com a China. Yang pediu mudanças no modelo de gestão do governo.

Decisões lentas ou ineptas de um governo podem levar a questionamentos e protestos. Discussões e avaliações em conjunto permitiriam uma decisão mais equilibrada, diz Yang.

Reformas como estas levaram anos para acontecer ou, pelo menos, para serem planejadas. Mas durante o último ano, a poluição extrema tem forçado o governo a tomar medidas mais fortes do que o normal, dando à mídia mais liberdade de ação para reportar grandes manifestações populares. Há um novo regime de sanções contra fábricas e empresas que poluem, um "tribunal ambiental" recém-inaugurado, e um movimento para tirar de circulação até cinco milhões de carros velhos. (Tendo em mente que, se o ar de Pequim é ruim, Londres e Nova Delhi ainda são campeãs em algumas medições de poluição.)

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A captura e armazenamento de carbono – o chamado "carvão limpo" – está crescendo na China. O governo diz que vai cortar o consumo de carbono e energia por unidade de crescimento em cerca de 4% este ano, e gastou cerca de 54 bilhões de dólares em medidas para gastar menos energia e proteger ao meio ambiente. Muitas cidades simplesmente fecharam fábricas ou limitaram o uso de carros particulares a certos dias na semana. Em Xi'an, os governantes têm usado canhões de névoa para umedecer a atmosfera poluída (os especialistas dizem que isso não adianta muito, só serve para molhar as pessoas).

Mas alguns esforços para coibir a poluição dão a impressão de serem mais drásticos ou até derrotistas. Além de semear as nuvens, os funcionários do governo chinês (quando não são os cientistas) cismaram com a ideia de geoengenharia, em especial a de um controle de clima “positivo”, envenenando a atmosfera com aerossóis para impedir o sol de penetrar nela.

"Máquina de controlar o clima", cartões do ano 2000, Alemanha. Crédito: Paleofuture

Ano passado, a ideia de proteger a Terra com um domo feito de produtos químicos tornou-se uma das prioridades de pesquisa da geologia chinesa "em uma mudança marcante no cenário internacional de preocupação com as mudanças no clima", assinalou o Guardian.

Mas a China só estava tentando acompanhar o resto do mundo. A situação climática tem piorado a ponto de tornar a geoengenharia um foco cada vez mais atraente para cientistas e planejadores políticos do Kremlin à Casa Branca. O National Research Council, comitê de ciência e tecnologia da Câmara dos Deputados dos EUA, e o equivalente norte-americano à Controladoria Geral da União brasileira têm fomentado mais pesquisas, assim como uma porção de centros de pesquisa ao redor de Washington.

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É uma tentação compreensível, e que se autoperpetua: quanto mais rápido os impactos climáticos previstos acontecem, mais urgente se torna a geoengenharia. E uma vez que a geoengenharia comece em larga escala, ninguém sabe quais serão de fato os efeitos colaterais, especialmente sobre pessoas que não estão controlando os canhões climáticos.

Enquanto isso, os moradores de Pequim escolhem suas máscaras ou respiradores preferidos para andar na rua à noite. Em muitos dos luxuosos arranha-céus da cidade, os moradores respiram ar filtrado por sistemas sofisticados. Alguns casarões históricos remodelados no centro da cidade se gabam de terem domos sobre seus pátios centrais. Até mesmo uma das estruturas modernas icônicas da cidade, o Teatro Nacional de Paul Andreu, é uma bolha gigante de vidro e, ecoando a Cidade Proibida ao lado, é separada da rua por um fosso.

Quanto menos você tem capacidade para lutar contra o que está do lado de fora, mais você quer viver dentro de uma bolha. Sendo assim, será que falta muito para um domo antipoluição do tamanho de um bairro?

O pavilhão dos EUA de Buckminster Fuller, construído para a Exposição de Montreal de 1967. Crédito: Guilherme Duarte Garcia

A VIDA NA REDOMA

O caso de Hangzhou não é o primeiro em que um domo – especificamente, "uma abóbada curva erigida sobre uma base circular e que é semicircular, pontuda ou bulbosa ao ser seccionada", segundo uma fonte seminal – é sugerido em resposta a poluição. Ano passado, a International School of Beijing, uma escola de elite chinesa que segue o sistema escolar norte-americano e pode custar até 35 mil dólares por ano, construiu dois novos domos antipoluição (ou “domos esportivos”) para evitar a persistente atmosfera poluída da cidade.

E, no mês passado, Rajat Sodhi, um arquiteto indiano que trabalha em Pequim, propôs um domo modular do tamanho de um bairro feito de bolhas plásticas infladas, similares aos utilizados no Cubo d’Água olímpico. A ideia nasceu quando Sodhi percebeu "que, nos países em desenvolvimento, especialmente nas grandes cidades da Índia e da China, a qualidade do ar chegou a índices inaceitáveis. Simplesmente não é possível sair à rua e ficar ao relento. Você só vai passando de um ambiente refrigerado a outro".

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Página dupla de “Fact or Fantasy (The World of Tomorrow)”, Neal Ardley, 1982. Crédito: Paleofuture

Uma das primeiras propostas sérias para um domo do tamanho de um bairro na vida real, segundo o Paleofuture, foi detalhada no jornal Edwardsville Intelligencer, de Edwardsville, Illinois, em 15 de dezembro de 1952. "Comunidades 'climaticamente condicionadas' serão perfeitamente possíveis no futuro", dizia a reportagem. "Ambrose M. Richardson, da Universidade do Illinois, anunciou que seus alunos pós-graduandos em Arquitetura já estão projetando um modelo feito de almofadas plásticas cheias de hélio, que, ligadas entre si, formarão um domo flutuante de 1,5 km de altura.” Um possível próximo passo seria "cobrir áreas de 40 a 60 mil metros quadrados, tais como estádios de futebol e beisebol”, antes de construir "domos maiores – feitos de milhares de almofadas transparentes, cada uma com um ou dois metros de lado – cobrindo comunidades inteiras".

Essas ideias evocam visões maiores e mais especulativas sobre vidas embaixo do domo – e devem ter sido inspiradas por elas. Na ficção científica, a cidade sob o domo é um tropo: quando não está embaixo d’água ou em outro planeta (pense em O vingador do futuro), é um símbolo da humanidade em seus estertores finais (provavelmente também o caso de O vingador do futuro).

No filme dos Simpsons de 2007, a Agência de Proteção Ambiental (EPA) norte-americana cobriu Springfield com um domo gigante depois que Homer acidentalmente poluiu o reservatório d’água da cidade. O meme do domo continuou no verão passado com a minissérie de sucesso da CBS, Under the Dome, baseada em um livro de Stephen King situado, é claro, em uma cidadezinha misteriosamente cercada por uma redoma gigante.

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Em seu livro de 1982, Fact or Fantasy (World of Tomorrow), Neil Ardley conjura futuras cidades sob redomas, necessárias para proteger a humanidade do “frio cruel” que haveria de nos assolar. Em Logan's Run (Fuga no Século 23), de 1970, a vida na redoma parece confortável, mas também se torna um meio de vigiar e controlar a população.

Na vida real, em 1960, Buckminster Fuller propôs seu famoso Domo sobre Manhattan, que cobriria a maior parte da cidade, sendo capaz de regular a temperatura e reduzir a poluição do ar. Fuller, vovô do domo geodésico, acreditava que sua abordagem modular à construção significaria que o domo de 1,5 km de altura poderia ser construído em poucos meses por uma frota de helicópteros a um custo de 200 milhões de dólares, um custo que, alegava Fuller, seria facilmente compensado pela economia que a cidade faria em não ter que retirar a neve do caminho.

Seu biógrafo, Alden Hatch, escreveu:

Sua película exterior consistiria de vidro antiestilhaçamento reforçado com arame, permitindo a visão apenas de dentro para fora, e banhado em alumínio, de forma a cortar o brilho do sol, porém admitindo a claridade. Por fora, o domo teria a aparência de um grande espelho hemisférico faiscante, enquanto que de dentro seus elementos estruturais seriam tão invisíveis quanto os fios de uma porta de tela, aparecendo como um filme translúcido pelo qual seriam visíveis o céu, as nuvens e as estrelas.

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O domo nunca foi construído, mas Fuller veria seus domos geodésicos aparecerem em formas muito menores por toda a parte, especialmente na forma de seu Pavilhão dos EUA na Exposição de Montreal em 1967, um domo que haveria de inspirar a Nave Espacial Terra do Epcot Center. Consistindo de três quartos de esfera e feita de 1900 painéis modelados e transparentes de acrílico, a estrutura tem somente 60 metros de altura e cobre 4 mil metros quadrados.

Domo sobre Manhattan, Buckminster Fuller, 1960

Ainda assim, haveria tentativas de construir domos em escala urbana. Em 1979, depois de algumas taças de vinho, um grupo de jovens urbanistas em Winooski, Vermont (a quatro horas da cidade natal de Stephen King, Portland, no Maine!) tiveram a ideia de construir uma redoma que cobrisse quase a cidade inteira, 800 vezes maior que o pavilhão de Fuller. O Domo Golden Onion, como foi chamado, era uma resposta, diziam eles meio de brincadeira, à segunda crise energética do país em uma década e à inflação de dois dígitos. Também era uma forma de tornar a cidadezinha invernal de 7.000 pessoas mais habitável durante o ano todo.

​Um modesto pedido de financiamento federal foi vetado pelo próprio presidente Jimmy Carter, mas não antes que o domo virasse notícia no mundo todo e levasse o principal urbanista, Mark Tigan, ao talk-show do Letterman. Em março de 1980 houve até mesmo um Simpósio de Domos, ao qual Fuller compareceu para mostrar o seu apoio.

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"Em uma época de população crescente e recursos decrescentes, em especial a energia”, disse o mestre dos domos, "é obrigação da tecnologia dedicar-se a fornecer à humanidade meios de se proteger dos elementos com a menor quantidade possível de materiais e recursos. Domos são inerentemente capazes de cumprir esse objetivo, e, em especial com a utilização do princípio de tensegridade e com o desenvolvimento de materiais que possuem uma razão entre resistência e massa cada vez maior, o projeto para pôr Winooski sob uma redoma é perfeitamente factível".

Projeto para a proposta do Domo Golden Onion em Winooski, Vermont. Crédito: John Anderson/International Dome Symposium

"Economicamente, é um gol de placa", Tigan, hoje professor adjunto de Desenvolvimento de Comunidades na Clark University, disse à H+ em 2009. O uso de desapropriação para assegurar as bordas do domo seria uma complicação, disse ele, pois a legislação sobre o direito à terra só vai ficar mais complexa nessa era de devastação ambiental desenfreada. “Dava para pescar com moscas o ano inteiro”, disse ele.

Em 2010, uma empreiteira russa apresentou o projeto de uma cidade de “eco-luxo” sob redoma a ser instalada em uma mina siberiana abandonada. Em 2009, engenheiros propuseram erguer um domo sobre o centro de Houston. No fim dos anos 1960, apareceu um domo numa proposta para a MXC, ou a Cidade Experimental de Minnesota, um projeto que imaginava uma cidade futurista cujo meio de transporte seriam casulos sobre trilhos, e ficaria debaixo de um domo geodésico gigantesco a três horas ao norte das Cidades Gêmeas. O plano chegou a receber 250 mil dólares em capital semente do governo federal antes de se evaporar no fim dos anos 1970. Hoje em dia, a cidade de Swatara mais parece uma cidade-fantasma.

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Mas Minnesota não está exatamente carente de cidades sob redomas. O Mall of America, construído em 1992 próximo a Minneapolis, contém em seus 32 hectares de espaço mais de 500 lojas, 80 restaurantes e um parque de diversões coberto. Há um quê de domo em uma série de construções "públicas" modernas, tais como aeroportos, estádios e shopping centers. Um estádio com redoma recobre de 3 a 4 hectares. E, é claro, há laboratórios como o Biosphere 2 (1,27 hectares) e as duas estufas inglesas Eden, em forma de domo geodésico (2 hectares).

Mas enquanto a maioria desses domos é feita para conter pessoas, estabelecendo uma barreira com o mundo exterior por algum motivo, tal como regular o clima e proteger a população, o domo em Hangzhou é feito especificamente para manter as pessoas de fora.

Isso pode ser necessário ao lidar com terrenos devastados tão tóxicos e radioativos que parecem irrecuperáveis. Pensemos no terceiro e mais novo terreno contemplado pelo Superfund [Lei de Reação Ambiental norte-americana] em Nova York: uma rua em Ridgewood, no Queens, que costumava ser o lar de um dos processadores de tório da cidade na época em que o elemento radioativo estava sendo testado pelas primeiras vezes para uso militar. A EPA está se preparando para uma limpeza extensa (ainda falta determinar quem irá pagar), mas já instalou placas de concreto e chumbo sobre a maior parte da radiação, uma prática comum em antigos locais de atividade nuclear, onde muitas vezes não resta nada a fazer a não ser enterrar o problema.

Crédito: Xinhua

Teoricamente, não há nada de errado com um domo gigante. Será que um domo contém um problema ou só o deixa de fora? Quando é que uma solução temporária cria um problema muito maior? O que acontece quando um domo temporário acaba virando permanente? E quanto às pessoas que moram fora de um habitat sob domo ou próximo a um domo de contenção? Será que redomas vão virar lugar comum? Essas perguntas precisam ser feitas devido ao futuro sob redomas que, pelo jeito, pode estar novamente próximo.

E outra pergunta: será que um domo – seja ele virtual, feito de aerossóis, ou geodésico, ou ainda uma tenda plástica gigante – realmente consegue nos separar de algo tão ruim quanto um fedor horrível? Ainda não.

"Só conseguimos diminuir o cheiro enfiando panos nas brechas das esquadrias da janela", disse um vizinho do Domo de Hangzhou, de sobrenome Shao, a um site local. "Não podemos nos dar ao luxo de abrir uma janela ou pendurar roupas para secar. Também paramos de fazer caminhadas à noite."

Para certas autoridades, isso seria motivo para outro domo.

Tradução: Simone Campos