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O que Levou o Informante Haim Bodek a Expor o Maior Golpe de Wall Street?

Bodek, que trabalhou para a Goldman Sachs, já foi o que Wall Street chama de “pica grossa”. Agora, dois anos depois de procurar as autoridades com o que ele acreditava ser o maior golpe na história de Wall Street, ele se tornou praticamente uma pária.

Quando conheci Haim Bodek, em novembro de 2013, ele estava atirando para todo lado num loft no centro de Nova York. Entrando no amplo apartamento, vi um grupo de caras de finanças jogando Call of Duty numa tela projetada na parede, com as rajadas soando mais alto que a música de fundo. A bolsa tinha fechado havia menos de uma hora e a festa já estava a pleno vapor. Andando entre a multidão de engomadinhos da Geração Y, alguém me passou um baseado.

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Me pareceu um lugar improvável para encontrar o quarentão Bodek, mas lá estava ele, no fundo da sala, sorrindo timidamente. Tempos atrás, o homem me cumprimentando com um aperto de mão efusivo ganhava milhões de dólares por ano no mercado de ações. Bodek, que trabalhou para a Goldman Sachs, já foi o que Wall Street chama de "pica grossa".

Mas, dois anos depois de procurar as autoridades com o que ele acreditava ser o maior golpe na história de Wall Street, ele se tornou praticamente uma pária. Apelidado pela mídia russa de "o Edward Snowden das finanças", Bodek teve de arrumar um jeito de sustentar a esposa e os filhos enquanto esperava as investigações do SEC (a Comissão de Títulos e Câmbio dos EUA).

Essa, ele garante, é a parte escrota de Wall Street: os incentivos estão desproporcionalmente do lado dos "bandidos". Por isso, não vemos mais informantes nessa indústria. Se há um esquema para garantir o lucro, você não mata o ganso dos ovos de ouro – você exige uma parte, especialmente se souber como é fútil lutar contra o sistema.

Isso, claro, só deixa o caso de Bodek mais curioso. Eu passaria as cinco horas seguintes tentando entender como um homem que tinha tudo estava disposto a arriscar seu lugar no mundo para enfrentar um oponente que nunca conseguiria derrotar. Numa noite, aprendi mais sobre Wall Street do que nos dois anos em que trabalhei para um banco de investimentos.

Sempre que eu lhe perguntava por que tinha aberto o bico, ele parecia incerto apesar de permanecer inflexível sobre uma coisa: ele estava numa busca pela verdade. Era seu cientista interior falando.

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"Cresci cercado por cientistas de foguete e físicos de partículas", explicou Bodek, lembrando da infância correndo pelo Fermilab, o acelerador de partículas de Ilinóis. Seu pai, Arie Bodek, é um físico premiado cujo trabalho foi fundamental para a descoberta do quark, uma das grandes realizações da ciência contemporânea.

Então, o filho teria que dar duro para responder às expectativas; quando chegou à adolescência, seu pai falou que esperava que ele um dia ganhasse o Prêmio Nobel. Mas Bodek deu as costas para a academia e, para desgosto do pai, seguiu o dinheiro. "Ele achava que eu estava desperdiçando meu talento", afirmou.

Depois da faculdade, Bodek se viu na Hull Trading Company, uma empresa prestigiada de Chicago na vanguarda da negociação algorítmica eletrônica. Um paraíso para nerds de matemática e físicos, a Hull enfatizava o método científico e as soluções quantitativas, e sua cultura estava mais perto da NASA do que de Wall Street. Mas o sucesso da Hull não escaparia das garras de Wall Street para sempre: em 1999, a Goldman Sachs adquiriu a empresa por mais de meio bilhão de dólares.

"Entrei pela porta dos fundos", explicou, descrevendo sua ascensão até o alto escalão das finanças globais. Mas se Bodek sentia que não se encaixava ali, isso não pareceu afetar sua atuação. Em 2003, ele era o chefe global de Volatilidade de Negociação Eletrônica na UBS. Quatro anos mais tarde, estava comandando sua própria empresa, a Trading Machines, que, no auge, respondia por metade da porcentagem de todo o mercado de opções.

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Foi aí que tudo deu errado.

"Wall Street é um jogo de soma zero. Há vencedores e perdedores, e quem é um perdedor só pode culpar a si mesmo."

Num dia normal de 2009, a Trading Machines começou a vazar dinheiro. "Não fazia nenhum sentido", ele frisou. Procurando uma explicação, Bodek passou os próximos seis meses escrutinando seu software, com mais de um milhão de linhas de código, e vasculhando divulgações públicas infinitas sobre o mercado de opções buscando pistas. Sua investigação não deu em nada. Ele ficou desconcertado.

Wall Street é um jogo de soma zero. Há vencedores e perdedores, e quem é um perdedor só pode culpar a si mesmo – você simplesmente não é bom o suficiente. Alguém é mais inteligente, mais rápido. O fracasso inexplicável de Bodek consumiu sua autoconfiança. Aos olhos de Wall Street, ele era um perdedor.

Mas ninguém nunca se deu bem sem um pouco de sorte. Bodek finalmente teve sua chance numa festa de Natal da Direct Edge, uma empresa líder que executa de 1 a 2 bilhões de negócios por dia. Lá, o diretor de vendas da companhia, Eugene Davidovich, lhe contou que não era um bug misterioso no software que estava minando seu fundo. Ele estava usando o order type errado (uma instrução em negociação computadorizada de alta frequência para negociar dentro de parâmetros específicos). Bodek era um cara old school. Ele ainda estava usando ordens básicas – o mesmo tipo que você ou eu usaria quando ligássemos para um corretor. Enquanto Davidovich falava, Bodek pegou uma caneta e rabiscou num guardanapo: HIDE NOT SLIDE.

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Acontece que "Hide Not Slide" era o nome de um order type secreto, lançado na mesma época em que a companhia de Bodek começou a ir mal. Mas, na verdade, isso era um código para trapacear – e, se fosse corretamente usado, significava lucro garantido.

Da maneira que Bodek explica isso, abusar do "Hide Not Slide" era como vender ingressos para um show esgotado. O negócio dos cambistas é uma questão de chegar primeiro, não muito diferente da necessidade de rapidez das negociações de alta frequência. E é até possível argumentar que isso é um sistema justo. Não é inconcebível que aqueles dispostos a adquirir o conhecimento e a investir para serem o primeiro da fila sejam recompensados pelo esforço.

"Em vez de ser um perdedor, ele foi vítima de desgraçados que tinham manipulado o jogo."

O aspecto sinistro do "Hide Not Slide" era que, explorando um buraco na lei, qualquer um com a senha secreta podia furar a fila sempre que quisesse. Como geralmente é o caso, o grande golpe nas Negociações de Alta Frequência estava fundamentado no conflito de interesses. A suposta conspiração de Bodek envolvia apenas alguns oportunistas proeminentes: jogadores privilegiados que dominavam não apenas as ações mas também as operações de negociação que as serviam. A partir disso, roubo era algo trivial. Só era preciso criar uma order type que ninguém conhecesse, uma que fornecesse certas vantagens que apenas seus arquitetos conheceriam. E foi exatamente isso que eles fizeram.

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Para Bodek, a descoberta da existência do "Hide Not Slide" foi um momento de despertar. Em vez de ser um perdedor, ele foi vítima de desgraçados que tinham manipulado o jogo. O problema, claro, era que mais ninguém sabia disso. De repente, sua busca se tornou clara. O desejo de reparação acabou levando-o até Scott Patterson, um escritor de best-sellers do New York Times, que colocou a descoberta de Bodek na primeira página do Wall Street Journal e, mais tarde, no livro Dark Pools.

E essa atenção da mídia o tinha trazido até ali, para nosso encontro nesse refúgio questionável. O loft não era apenas uma fraternidade improvisada em Manhattan – era a casa e escritório da Sang Lucci, então uma promessa dos fundos de cobertura.

"Li sobre o Haim em Dark Pools", comentou o cofundador Charlie Bathgate, formado em Duke e um legítimo bro da Califórnia. Antes de se tornar o chefe de marketing da Sang Lucci, ele trabalhou numa loja de skate.

"Charlie disse, tipo, você tem que ler sobre esse cara", destacou Peter Zhang, outro cofundador e a pessoa que me passou o baseado. Ele também é o CEO.

"Abordei Haim pelo Twitter", contou Bathgate. Esses caras não estavam presos pelas regras implícitas do establishment; então, não viam problema em trabalhar com Bodek e fizeram dele sócio da empresa. Eles acreditaram na história dele como eu tinha acreditado – mesmo que, na época, estivéssemos em minoria. Para Wall Street, isso pareceu uma conspiração.

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A conta bancária da Sang Lucci era um nada perto do que Bodek fazia quando estava no topo, mas o respeito era mútuo. "Nós, os mais velhos, não podemos operar sem nossos modelos e sistemas", disse Bodek. "Essa nova geração de garotos tem intuição. É como se eles estivessem pilotando no manual."

"Em certos momentos, você via merdas bizarras na tela", ele continuou. "Não era muito dinheiro; então, você desconsiderava aquilo como um glitch na matriz. Agora eu sei que eram aqueles caras atacando e fugindo."

Se a Geração Y, sendo a Geração Perdida da sociedade moderna, se sente passada para trás pelos Baby Boomers, ela não tem testemunho melhor que o estado do mundo das finanças, uma indústria envenenada pelos eventos da história recente. O que torna a aliança entre Bodek e esses garotos ainda mais surpreendente.

Era uma imagem bonita ainda que não tão rentável. Pelo menos, ainda não. Enquanto caminhávamos até o metrô, perguntei a Bodek sobre sua busca pela verdade. "Valeu a pena?"

"Eu posso perder minha casa", ele respondeu, descendo até a estação.

Por um momento, parecia que os bandidos iam se safar, sem nenhum arranhão e com suas reputações intactas, rotulados como trapaceiros mas também como gênios.

Mas aí, no meio de 2014, o escritor Michael Lewis lançou o livro Flash Boys. Apesar de não mencionar Bodek especificamente, duvido muito que Lewis não tenha se baseado em parte do seu trabalho. Seja qual for o caso, a marca e a credibilidade do escritor foram mais do que suficientes para mudar a opinião do público a favor de Bodek.

E, hoje, as coisas parecem só melhorar. "A indústria tem sido incrivelmente legal hoje em dia", ele opinou quando nos encontramos no outono passado. Ele continua trabalhando com os garotos da Sang Lucci, que se mudaram para uma sede mais apropriada no começo do ano passado. Bodek também tem sua própria empresa, a Decimus Capital Markets, na qual ele tem o título coloquial de "fodão". Lá, ele dá conselhos para que as pessoas não sejam enganadas.

Pelo jeito como ele fala, podemos concluir que sua busca pela verdade está longe de acabar. "Atualmente, estou curtindo bater a Bolsa de Valores de Nova York enquanto a Direct Edge passa por discussões de acordo com as minhas alegações", ele destacou, acrescentando que o resultado será "explosivo".

Na verdade, esses são os louros da vitória. Bodek foi o cara que descobriu tudo. E estava certo. No final, isso é tudo o que ele queria.

Tradução: Marina Schnoor