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Perguntei a um Especialista em Armas Biológicas quão Realistas são os Soldados Genome de ‘Metal Gear Solid’

E recebi respostas bastante técnicas de um especialista em armas biológicas da Universidade de Stanford.

Soldados Genome do jogo Metal Gear Solid.

"Estamos conduzindo exercícios com um novo tipo de arma experimental", diz o chefe da DARPA, Donald Anderson. Isso acontece nas primeiras horas do Metal Gear Solid original, após Snake ter se infiltrado na instalação Shadow Moses e invadido a cela de Anderson pelo sistema de ventilação. "Uma arma que vai mudar o mundo", ele acrescenta.

Minutos depois, Snake está verificando o pulso de Anderson, que está deitado no chão de concreto. Ele está morto. Um ataque cardíaco, aparentemente.

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Horas depois, Snake encontra o corpo de Anderson em outra localização, bastante decomposto e coberto de moscas. Algo não se encaixa, mas ele não consegue entender exatamente o que é.

As horas de abertura de Metal Gear Solid são algumas das melhores que a série tem a oferecer. Como muitos outros na época, o título fundamental para PlayStation foi o que me introduziu à série clássica de espionagem tática de Hideo Kojima, e sua trama intrincada e personagens multidimensionais eram algo que eu nunca tinha experimentado antes.

O que Snake não consegue entender enquanto observa o cadáver putrefato de Anderson é como o corpo do ex-chefe da DARPA se estragou tão rápido. Se faz tão pouco tempo que ele morreu, como é possível que seus restos estejam em tal estado? Acontece que ele já estava se decompondo há dias, depois de ser torturado até a morte por Revolver Ocelot, e o homem que Snake viu morrer era, na verdade, Decoy Octopus – mestre dos disfarces da FOXHOUND.

E não foi de um ataque natural que ele morreu, mas de uma parada cardíaca resultante do FOXDIE, um vírus projetado pelo programa de armas biológica do Pentágono. O FOXDIE sequestra as células brancas do alvo, identifica filamentos de DNA pré-programados e depois produz citocinas – forçando um ataque cardíaco. Descobrir o verdadeiro cadáver de Anderson é quase trivial, porém essas revelações primordiais cimentam o gênio de Kojima, que brilha até o final desse game e na continuação da série.

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Anderson, ou não, fala com Snake no Shadow Moses (screenshot via YouTube).

Quando Anderson, ou melhor, Octopus menciona a "arma que vai mudar o mundo", ele está falando da arma nuclear Metal Gear Rex; o FOXDIE, no entanto, é uma perspectiva igualmente terrível no crossover entre ficção e realidade de Kojima: essa também parecia uma arma que poderia mudar o mundo. E os soldados Genome de Metal Gear Solid – uma tropa alterada geneticamente, com soldados manipulados para se tornar forças extraordinárias no campo de batalha – também fornecem um vislumbre da mente no estilo de Admirável Mundo Novo, de Kojima.

Nem é preciso falar que Kojima é um homem inteligente e um contador de histórias excelente, embora isso não queira dizer que Metal Gear Solid (e toda a série) não tenha buracos no roteiro. Mas, considerando o que esse jogo oferece, é fácil ignorar a maioria das discrepâncias. E, para isso, parece óbvio que ele baseou os elementos apócrifos de seu game em fatos. Ainda assim, eu estava curioso para saber quão realista é a trama, 17 anos depois de ser introduzido à série. Desde 1998, os EUA se envolveram em duas guerras, e jogar no Google "engenharia genética" gera várias histórias novas. Dito isso, quão realistas são os soldados Genome e o FOXDIE?

Quando me sentei figurativamente com o Dr. Steven Block, especialista em armas biológicas da Universidade de Stanford, pudemos, através do Skype, conversar por 70 minutos. Nesse tempo, só fiz quatro perguntas, duas diretamente sobre o FOXDIE e os soldados Genome. Acabei com páginas e páginas de transcrição, que peneirei para o que você pode ler abaixo.

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Como você pode imaginar, o texto fica um pouco técnico daqui para frente, mas isso destaca quão presciente foi o primeiro jogo Metal Gear Solid, lançado em 1998.

VICE: FOXDIE, da série Metal Gear Solid, é um vírus que introduz macrófagos na corrente sanguínea do alvo, usando suas enzimas para atacar as sequências de DNA que isso foi "programado" para reconhecer. Quando o vírus se acopla ao DNA, o macrófago começa a produzir citocinas e acaba fazendo o alvo morrer de ataque cardíaco via morte programada de células – apoptose. Há alguma verdade nisso, em termos do que existe hoje, ou são meras possibilidades?
Dr. Steven Block: Me deixe falar sobre as bases científicas para cada uma dessas partes. Cada uma dessas partes que você descreveu tem base em fatos. Há vírus, por exemplo, que podem atacar células brancas e entrar nelas? Sim, um bom exemplo disso é a AIDS. Há vários vírus de leucemia que têm receptores específicos que são encontrados nas suas células brancas e usam isso como ponto de entrada. Parte disso é verdade? Sim, existem vírus que fazem isso.

Próxima pergunta: uma vez que o DNA, o RNA ou qualquer meio usado, uma vez que seu genoma é injetado na célula hospedeira, isso pode localizar uma sequência específica na superfície do DNA daquela célula? A resposta também é sim. Você já ouviu falar dessa nova tecnologia chamada Crispr? Não é o único exemplo, mas é o mais prático em termos de tecnologia.

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É um exemplo de tecnologia que foi desenvolvida em evolução por bactérias e vírus para tentar achar as sequências específicas na casa. E, assim, o Crispr pode ser programado com segmentos muito curtos de DNA que você fornece e pode ser programado para visar uma sequência completa do genoma.

Em outras palavras, se você quisesse apontar um ponto A no genoma humano, isso chegar ao ponto A – se [estiver] num vírus diferente –, se quero fazer isso ir para o ponto B, posso fazer isso. Conhecemos conjuntos de enzimas que, se receberem as instruções certas, por assim dizer, em forma de uma molécula curta de DNA, podem realmente visar uma sequência específica do genoma. Essa parte da tecnologia existe? Sim.

Quando encontra o ponto determinado, isso pode, por exemplo, ativar seu próprio programa para fazer citocinas ou ativar o programa intrínseco da célula branca? (Células brancas também podem fazer citocinas. Diferentes tipos de células brancas fazem diferentes tipos de citocinas.)

A última parte do cenário que você me deu é que o gene entra na célula branca – visando seu DNA –, e há tecnologia para isso. Aumentar a produção da citocina: existe uma tecnologia para isso, e causaria a morte do alvo. Tudo isso é possível? Sim. Mas colocar todas essas partes juntas e fazê-las funcionar como uma arma prática? Seria difícil.

Todas as pequenas peças precisam trabalhar juntas como um relógio, porém o tiro pode sair pela culatra: isso pode se autoexterminar, ou o hospedeiro pode rejeitar isso. Essa parte não é trivial. Existe a tecnologia para produzir uma arma que colocasse todas essas peças juntas? Sim.

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Alguém já fez isso? Absolutamente não. Isso seria fácil de fazer? Não como você imagina.

Soldados Genome mortos em Metal Gear Solid (via Metal Gear Wiki).

Um dos sintomas que o protagonista Snake sofre depois de ser infectado com o FOXDIE é envelhecimento acelerado: suas juntas ficam duras, seu cabelo fica cinza e depois branco, sua pele fica enrugada e assim por diante. É possível vírus assim provocarem esses sintomas?
Essa é a parte mais inverossímil do que você mencionou até agora. Há doenças que produzem progéria – alguns pacientes não conseguem chegar à adolescência, e o cabelo cai ou fica branco, e eles parecem velhos apesar de serem jovens. Sabemos que, pelo menos num nível sutil, estresse pode causar envelhecimento precoce – quando as pessoas dizem "Isso faz o cabelo ficar branco", não é algo completamente falso.

É um fato que ser exposto a uma grande quantidade de estresse pode deixar seu cabelo branco prematuramente por razões que ainda não entendemos completamente. Isso é uma resposta ao estresse. Outra resposta a ele é que você pode ter um derrame ou ataque cardíaco; no entanto, sua pele começar a enrugar repentinamente, seu cabelo ficar branco e cair, você desenvolver osteoartrite – isso poderia acontecer no decorrer de alguns meses? Não conheço exemplos.

Tudo que você mencionou até agora tem precedentes na literatura, mas isso… não que eu saiba.

No mesmo jogo, a tropa Soldados Genome é organizada para lidar com incidentes terroristas, especialmente envolvendo armas de destruição em massa. Os soldados são fortalecidos através de terapia genética, sendo injetados com "genes" de um líder veterano falecido ou tendo o alinhamento dos nucleotídeos rearranjado para lembrar o DNA desse líder. Isso é engenharia genética, embora seja do ponto de vista de armas e defesa. Essas modificações genéticas poderiam tornar soldados melhores nas batalhas, com sensibilidades, reflexos e habilidades de combate aumentadas? Isso poderia acontecer na vida real?
É possível fazer a engenharia genética de alguém para que a pessoa seja imune a vários tipos de ataques virais? A resposta, em alguns casos, é sim.

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Dito isso, é possível fazer pessoas geneticamente modificadas imunes a várias doenças? Novamente, isso é fácil de fazer no papel.

O fato é que, como você sabe, se terapia genética fosse realmente prática hoje, todo mundo estaria fazendo isso. Essa é a questão de um trilhão de dólares da indústria biomédica no momento. Há anos, as pessoas vêm tentando imaginar como mudar o genoma das outras em bases permanentes, o que as deixaria insuscetíveis a doenças. Se pudéssemos atacar os genes dos vírus – diabetes, ELA – e consertar isso, poderíamos tornar todo mundo imune a doenças que preocupam a humanidade desde o começo dos tempos.

Eles vêm tentando colocar moléculas que fazem os genes se separarem de maneiras apropriadas. Eles conseguem fazer isso funcionar em estruturas celulares, às vezes em animais; no entanto, tentaram isso em humanos. E isso às vezes funciona; outras, não – às vezes, isso faz a pessoa morrer. Terapia genética prática ainda não existe porque nada disso ainda funcionou. Parece que estamos sempre muito perto de tornar isso prático, porém também estivemos perto de curar o câncer nos últimos 50 anos e ainda não conseguimos isso.

De volta aos soldados Genome – isso pode se tornar possível. Quando e se a terapia genética se tornar possível, o céu é o limite. Isso possibilitará produzir pessoas imunes a determinados vírus e curar pessoas de doenças genéticas.

Consigo imaginar os soldados Genome? Sim. Acho que quem acompanha a literatura pode imaginar isso, mas não acho que chegamos a esse ponto ainda. Acho que isso ainda é um pouco ficção científica. Terapia genética certamente vai acontecer nos próximos 100 anos, embora a verdadeira questão seja se isso vai aparecer nos próximos 10 ou 20 anos. Não quero apostar.

Vale apontar que biologia molecular, como qualquer ferramenta, pode ser usada para o bem ou para o mal. A razão para milhões de dólares serem investidos nisso é porque o lado bom pode ser fabuloso. Claro, quando tivermos ferramentas para curar as pessoas, as mesmas ferramentas poderão ser usadas para fazer as pessoas ficarem doentes; então, essa é uma espada de dois gumes.

Quero apontar que isso é raramente comentado, a tecnologia para fazer coisas boas, mas a tecnologia para resistir a armas biológicas está sendo desenvolvida ao mesmo tempo, e geralmente é a mesma tecnologia produzindo biologia negra ou armas biológicas. Logo, acho que o que você pode antecipar no futuro é que haja uma guerra de escalada. Claro, alguém pode produzir uma arma biológica, porém a mesma tecnologia usada para produzir isso poderá ser usada para combater essa arma.

Metal Gear Solid V: The Phantom Pain foi lançado recentemente e é um jogo incrível.

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Tradução: Marina Schnoor